CONTO DE NATAL
Nesse ano, o padre da paróquia de São Geraldo Magela na Vila Guaraciaba, cancelou a missa do galo por causa dos insistentes avisos das autoridades sobre a possibilidade de grande tempestade, com ventos fortes e queda acentuada na temperatura.
Logo cedo as pessoas se recolheram nas suas casas.
De repente o céu escureceu e a lua se escondeu por trás das grossas nuvens de chuva.
O vento forte arrancou muitas folhas das árvores da rua, derrubou postes de iluminação e a eletricidade foi cortada. A ceia de natal teve que ser feita à luz de velas.
A tempestade com muitos raios durou pouco tempo e levou consigo o vento forte, mas deixou em seu lugar a névoa fria e tão densa que nem dava para se ver as casas do outro lado da rua, como há muito tempo não se via em Santo André.
Depois, uma brisa tímida dispersou a névoa e fez a temperatura cair a índices nunca vistos em todo Estado de São Paulo, nem mesmo em Campos do Jordão, famoso por suas baixas temperaturas na época do inverno.
Antes de dormir, Juninho aproveitou o momento da reza para lembrar ao papai Noel que a sua carta estava presa no galho da árvore de natal e que ele não se esquecesse de nenhum dos seus pedidos, principalmente da neve.
Perto das dez da noite, o termômetro já marcava dois graus negativos. O frio estava tão intenso que até as labaredas do fogo estavam encolhidas e tremendo de frio, dentro do velho fogão de ferro esmaltado no meio da cozinha.
Perto da meia noite os flocos de neve começaram a cair e alguém gritou lá fora – neve!
Apesar do sono de pedra, característico das crianças de quatro anos, Juninho acordou, levantou-se e olhou pela janela.
O mundo estava todo branco, a luz da lua cheia cintilava em cada floco da neve que caía como se fosse uma chuva de estrelas.
Enrolado no cobertor, Juninho desceu correndo a escada e encontrou os adultos ainda sentados em torno do fogão, em animada conversa sobre os acontecimentos dos antigos natais passados com toda a família reunida.
Quando constataram que a neve não fora sonho da criança, seguiram todos lá para fora para assistir a confecção do boneco de neve, onde foram colocados o nariz de cenoura, o chapéu e o cachecol do vovô Toninho.
Finda a tarefa, reunidos na sala onde estava armada a árvore de natal, os parentes assistiram os dois, pai e filho, abrirem os presentes.
Juninho estava eufórico e falava pelos cotovelos. Papai Noel veio naquela noite e realizou todos os seus desejos.
O envelope rasgado e a carta desdobrada estavam sobre a mesa junto com o guardanapo amarrotado, o prato com as migalhas das rabanadas, o caneco de leite pela metade e no pé da árvore de natal, a bicicleta da roda grande.
Na semana anterior ao natal, Juninho ditara para a avó Maria, a carta que ele ainda não sabia escrever.
Não saiu do jeito que ele queria porque, por várias vezes, teve que ser corrigida cada vez que a avó, muito séria, pigarreava e olhava para ele por cima dos óculos:
Querido papai Noel,
Nesse ano eu fui um menino muito bonzinho porque só desobedeci à mamãe uma vez.
Não... Uma vez só não... Acho que foi três... Não papai Noel. Acho que foi mais, parece que foi oito ou nove...
Bom, eu não sei direito quantas foram, mas garanto que só desobedeci bem pouquinho.
Então, como eu fui bonzinho, eu queria que o senhor me desse de presente uma bicicleta.
Mas tem que ser daquelas da roda grande porque a minha de rodinha já está muito pequena para mim e minha mãe disse que eu tenho que dar ela para o menino pobre.
Eu não sei o nome dele não. Nem sei onde ele mora, mas mamãe disse que ele vai ficar muito contente porque a minha bicicleta é praticamente nova.
Eu não sei o que quer dizer praticamente nova, mas se mamãe disse é porque é.
Aí, se não der muito trabalho, eu queria também que o senhor mandasse cair neve no jardim da minha casa.
Eu vi um filme que tinha muita neve naquele dia que a gente foi para o shopping e eu tirei retrato com o seu irmão gordão que estava lá sentado naquela cadeira grande, vermelha e toda enfeitada.
Se o senhor mandar cair neve eu vou acordar papai para fazer com ele um boneco de neve bem grande, com nariz de cenoura, como eu vi no filme.
Olhe, se o senhor me der a bicicleta da roda grande, no ano que vem eu vou ser muito mais bonzinho, o ano todo, com todo mundo e prometo não bater mais na minha irmã Cedinha, mesmo quando ela mexer nas minhas coisas.
Minha avó Maria me disse que o senhor gosta muito de rabanada.
Eu também gosto muito e a minha avó sabe fazer a melhor rabanada do mundo aí eu pedi para ela deixar um bocado para o senhor com um caneco de leite com chocolate, quente só um pouquinho, como eu gosto de tomar.
É para comer tudo viu?
Um beijo, Juninho.