Ele estava sentado num ramo caído.
Era magro, grisalho, e segurava um raminho com que ia desenhando enigmáticos sinais no chão.
Parecia absorvido no meio cinzento, uniforme, em que o englobavam a terra e o céu.
O colete era castanho. A camisa verde azeitona. As calças estavam rotas, manchadas, queimadas nas bainhas.
Os dedos dos pés saíam da biqueira das botas.
Eu viera caminhando ao acaso pelo campo, deixando o caminho pedregoso que me balançava os ossos a cada passo.
Cansava a monotonia daquela cor única, tom sobre tom de cinza, até onde a vista alcançava.
Quando dera com a pequena figura, estava já tão perto dela que me sobressaltei, por inesperada e porque por pouco a não pisei.
Mas ele nem pestanejou. Continuou desenhando no chão com a ponta do galho.
Discerni estrelas e folhas entre sinalefas.
Um respeito enorme me invadiu.
Queria meter conversa, perguntar-lhe quem era, o que fazia… mas sentia um nó na garganta.
Magoava-me porém a sua absoluta indiferença.
Jamais imaginara que fossem reais e não lendas; que existissem em terras do sul, pois tudo o que lera sobre eles se passava em setentrionais lugares, de abetos, aceres, veados de galhadas descomunais disputando os seus haréns sobre tapetes fofos de folhas carmim e ouro, verdes relvas, riachos cantantes que em breve seriam fitas de gelo.
No entanto, ali estava, bem vivo, o gnomo.
Devagarinho, porque as pernas me doíam, fui-me agachando, sem ruído. Fiquei a observá-lo e aos desenhos que fazia. Envolveu-os num círculo, de forma brusca, levantado poeira e cinza.
Então fitou-me com penetrantes olhos azuis.
- Tardará muito até que tudo volte a ser como antes, disse.
Eu assenti com a cabeça.
- As sementes perderam o alimento que continham. Só as que jazem muito fundo se salvaram, mas a água custará a chegar-lhes, agora mais do que nunca.
- A primeira chuva não penetrará a terra, disse eu.
- Pois não! Escorrerá pela encosta como sobre gabardina. A crosta de cinza é muito espessa.
- E não há nada que a retenha…
- Isso mesmo!
- O rio no fundo do vale secou, ficará tão feliz quando sentir humedecer-se o leito!
- A princípio, sim. E cantará muito alegre, fazendo rolar os seixos. Ficará à escuta do eco… mas não soará eco algum neste deserto!
- Ele precisa beber muito, está sedento!
- Mas não poderá conter toda a água que escorrer. Sufocará.
- E os ovos dos peixes e das rãs, onde estão?
- Debaixo das pedras maiores, em ninhos de musgo… mas poucos sobreviverão.
- Reparei nos teus desenhos, disse eu, mudando de assunto.
- Ah, reparaste?!
- Sim. Mas só entendi alguns.
- Isso é bom. Costumo deixá-los mas as pessoas recusam vê-los.
- Porquê?
- Porque têm medo. É mais cómodo não perceber. A pureza encontra-se no limiar da vida.
- Não compreendo bem o que queres dizer.
- Repara: As estrelas são luz, as folhas são espelhos. Tocam-se e o milagre acontece. Tudo morre e tudo volta a viver. A morte mete medo às pessoas que só vêem o lado negro das coisas. Esquecem que nada é eterno, e que o limiar da existência é o nosso ponto de encontro.
Levantou-se e, sem me dizer adeus, afastou-se em passo firme, até quase se fundir no horizonte.
Ainda lhe gritei:
- Porque deixas os desenhos no chão?
- Para que os astros se condoam.