A Bruxa do Lago das Almas

No alto céu nublado como pérola, destaca-se o corvo cortando o ar como uma faca das trevas.

Num galho retorcido e verde de lodo numa árvore, dois passarinhos se amavam, cantando.

Ao longe, seu sorriso se põe por de trás de seu cabelos negros, soprados pela úmida brisa da floresta, carregando nas asas do vento uma pétala perdida de rosa que beija meu rosto molhado pela chuva que pontilhava a água formando pequenos círculos, com o suave som de gotas perturbando a superfície espelhada do lago, por onde eu vira novamente o reflexo negro do corvo.

Ela estava na outra margem do lago, sorrindo e dançando levemente, parecendo flutuar com seus lindos pés descalços quase sem amassar as folhas secas que deixavam o piso dourado. Rodopiava e estendia os braços, com movimentos suavemente acompanhados pelo ondular de seu transparente vestido branco. Olhos alegres eram os seus, de um âmbar fracamente iluminado pelos últimos raios de sol do dia, sol que aos poucos se deitava sobre o horizonte atrás de mim, indo dormir confortavelmente coberto pelas nuvens brilhantes do céu nublado, mas ainda nos observando discretamente entre o horizonte e o céu.

Neste lindo fim de tarde ela dançava, dando o toque final a este belíssimo quadro vivo, toque este que sem o qual o quadro não existiria. E dançava agora lentamente sobre a superfície do lago, sem afundar, com seus passos delicados sendo marcados pelos pequenos círculos de ondas formadas ao redor das pontas de seus dedos rosados e descalços, se movimentando no embalo dos sons produzidos pela floresta verde: canto de pássaros, farfalhar das folhas(que pareciam suaves risadas), ranger dos galhos, uivo do vento, entre outros.

Até que ela parou suavemente no centro do lago, parecendo uma bela estátua da Renascença. E afundou na água, que agora refletia o céu de uma noite clara, sem o mínimo deslocamento de água. E, bem no ponto onde aquele anjo afundara, uma grande mancha branca e brilhante aparecera pintada naquele espelho negro. O reflexo da lua.

Ela era o reflexo da lua?

Ela era a lua?

Ela existia?

Não sei. Me preparei para mergulhar no lago, mesmo sabendo que iria congelar até morrer.

Pulei. A água negra me engoliu por completo, e fui tomado pelo frio até gelar a alma. Não vi nenhum sinal daquele ser de outro mundo. Até que, com o luar fraco que iluminava a turva água, constatei algo que fez gelar ainda mais minha alma: rostos. Rostos humanos no fundo do lago, olhando apaixonadamente para cima, para a lua. Tentei voltar à superfície, mas esta havia se tornado um maciço vidro. Lá no céu noturno vi uma estrela que se mexia desesperadamente. Parei para ver melhor, e a estrela também parou.

A estrela era eu. Era eu, assim como todos os rostos no fundo do lago. Cada um representava uma estrela no céu. E lá em cima, na lua, o rosto daquele anjo se desenhou, e eu esqueci que estava morto. Deixei-me afundar no lago, agora com uma expressão apaixonada no meu rosto. Meu corpo se desmanchou, se misturando à lama do lago, e somente o meu rosto virado para cima tocou o fundo, observando meu sonho inalcansável.

Assim surgiam as estrelas. E assim tinha sido com todo o infeliz que parava para observar a dança da Bruxa do Lago das Almas.

Lumontes (Lucas Montenegro)
Enviado por Lumontes (Lucas Montenegro) em 03/11/2016
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