Tribo de Zahr 4: A Viagem

Ventos secos castigavam a Tribo de Zhar. O solo desértico estava coberto de poeira, os poços estavam quase vazios, o calor era estonteante. E debaixo do sol cruel ficava Uari, jogado na mesma jaula, tendo que implorar por um ou dois goles de água por dia. Sua mãe, Linwa, vinha fazendo tudo o que podia dentro da lei zahriana para reverter a situação, mas não obtinha resultados. Ainda assim, todos os dias, mesmo naquele infernal verão, ela ia até a jaula, fosse para trocar poucas e tristes palavras com o filho ou para conferir se ele não morrera de fraqueza.

As prisões zahrianas tinham fama de serem impiedosamente rígidas. Os artões, responsáveis por alimentar e coordenar os prisioneiros, eram sempre muito violentos e inflexíveis. Eles permitiam a Linwa um período curtíssimo com Uari a cada dia, mas ela queria ir além: vinha insistido para que os artões a deixassem levar para o filho um prato de comida decente, preparado por ela mesma. Depois de muita insistência, um artão cedeu e deixou-a servir o jantar ao prisioneiro assim que o sol caísse.

Linwa, que era uma xamã raskiana, passou o dia preparando a comida, não que fosse tão complexo, na verdade, ela estava incrementando os ingredientes com feitiços raskianos que nenhum zahriano jamais farejaria. E assim, ao fim do crepúsculo, ela entregou o prato ao artão, que por sua vez levou à Uari, como de costume.

Uari comeu como se estivesse décadas sem comer, e só depois de algum tempo sentiu um desconforto tomar-lhe o corpo. E então, apagou.

Quando acordou, Uari se viu de pé sobre um oceano, e ao olhar direito, viu que sob seus pés não havia água, e sim estrelas, infinitas delas brilhando em várias cores entre vazios escuros. E olhando para cima ele viu o lugar onde vivia, a Tribo de Zahr de cabeça para baixo. E a luz do luar atingia a sola de seus pés, o vento quente parecia estar saindo de seu corpo.

Os xamãs raskianos eram os únicos que conseguiam levar qualquer ser vivo a outro plano. O que havia em cada um dos outros planos costumava ser um mistério, já que para compreenderem a natureza de outra realidade precisavam fazer parte dela. No entanto, Linwa sabia que o único lugar onde haveria respostas era onde tudo era ao contrário, e isso a fez preparar a viagem do filho em forma de refeição.

Depois de um tempo, Uari soube que a intenção de sua mãe era fazê-lo entrar naquela realidade inversa. Ela caminhou pelo oceano cósmico até que encontrou a figura sombria de Eskigal. Em vez de saudar o Supremo, como todos faziam, Uari apenas olhou-o. Não tinha ideia do motivo, mas não adorava o Supremo como o resto dos zahrianos, muito pelo contrário, odiava-o.

Eskigal sentiu que estava sendo desrespeitado, então fez sua mão de estaca na intenção de punir o intruso. Mas, no mesmo momento, na realidade comum, Linwa pingou quatro gotas de seu sangue numa fogueira.

Uari viu, lá no alto, uma chama agitar-se como uma estrela a piscar, como se desse um sinal. O Supremo hesitou, porém precisava se manifestar no outro plano para evitar que fosse desacreditado pelos zahrianos. Então, Eskigal desapareceu do oceano estrelado, deixando Uari sozinho.

O viajante compreendeu a estratégia da mãe, e assim começou a correr pela vastidão estelar, e quanto mais avançava, mais se sentia revigorado, como se cada passo o rejuvenescesse. Com isso, quando seu corpo aparentava estar meia década mais jovem, viu seu pai emergir das estrelas com o corpo banhado em luz.

Humri abraçou o filho desesperadamente, envolvendo-o com os quatro braços. Em seguida questionou a razão de Uari estar ali. Sem saber ao certo a resposta, o filho explicou rapidamente tudo que lhe acontecera desde a misteriosa noite de seu ritual de preparação.

Espantado, Humri felicitou-se de uma forma estranha e disse que Eskigal pagaria por tudo que vinha fazendo. Ele não explicou ao filho do que se tratava aquele assunto, apenas pediu-lhe para voltar para seu corpo real, chamar os quatro juízes, acusar Eskigal, o Supremo, de violar a lei de Zahr e convocar um julgamento que seguisse as leis de Rask.

Uari despertou junto com o sol, forte como sempre fora, com sentidos ativos e aguçados, de cabeça cheia, confuso, mas satisfeito. Ele pediu a presença dos juízes e disse que queria fazer uma acusação através da lei de Rask, entretanto não revelou contra quem. Imediatamente um mensageiro foi mandado à tribo nortenha para solicitar a presença do Rask, o líder, ou seus juízes.

Linwa, fazendo sua parte, observou que, pela lei raskiana, todo acusador e todo acusado deveria ficar livre até que o julgamento fosse concluído. Sendo assim, Uari foi solto. No outro dia o mensageiro retornou, o julgamento aconteceria no primeiro dia do vindouro outono.

Mãe e filho repetiram a viagem à realidade inversa várias vezes, assim, aos poucos, Uari recebia do pai as informações que precisava para sustentar a acusação contra o Supremo. As conversas eram sempre breves e complexas, ainda assim, a cada uma delas o ódio de Uari se expandia mais e mais.

CONTINUA...