Tribo de Zahr 3: O Julgamento
Mesmo sabendo que alguma coisa estava inexplicada na morte de Humri Zahr, Adom denunciou Uari aos chefes de família, e assim ele foi preso.
O inverno chegou com toda força e não teve um dia sequer de trégua – o frio o contínuo e desolador. E se tornava ainda pior devido ao momento em que tribo vivia: era um choque para todos descobrir que o Zahr perecera pelas mãos do próprio filho.
Uari ficou preso durante todo o inverno numa jaula feita de madeira amarrada com cordas e reforçada com magia. Dia e noite ele ficava exposto à chuva, sol, vento, frio, areia e olhares desdenhosos. Isso fez Uari ficar fraco física e mentalmente. Estava sujo, comia pouco, pois a comida que lhe davam era intragável.
Findado o inverno, era hora do julgamento de Uari. E como a tribo ainda estava sem um líder, os quatro mais velhos chefes de família atuariam como juízes, como mandava a lei do povo de Zahr.
A tribo toda se reuniu para assistir. De um lado da enorme fogueira estava o acusador, Adom, que mesmo ciente de que Uari não tinha culpa direta na morte de Humri, o acusara, afinal, ainda queria assumir o comando maior; do outro lado do fogaréu, o acusado, Uari, todo maltrapilho, com os pés e os quatro braços presos por grilhões de ferro com crostas de ferrugem. Em frente ao fogo, de costas para o povo zahriano, estavam os quatro juízes, lado a lado, todos bem vestidos, com cabelos e barbas em tranças untadas com diversos óleos.
A primeira parte do julgamento consistia em pingar quatro gotas do sangue do acusador e quatro do acusado sobre o fogo, para assim, invocar Eskigal, o Supremo. E assim foi feito. A alta chama balançou, cuspiu faíscas e assumiu a forma de um zahriano. Como de costume, os juízes perguntaram ao Supremo se, diante da prova que o acusador relatara, devia prosseguir a análise dos fatos. Eskigal confirmou com uma voz sinistra, e se foi, deixando o fogo ser apenas fogo.
Liberado o início do julgamento, a primeira fala era do acusador. Com o sol começando a sumir no horizonte amarelo avermelhado, Adom formulou um discurso procrastinador com palavras complexas para dizer que não compreendia, sequer imaginava, o que levara Uari a matar o pai de forma tão covarde.
Com a palavra, um dos juízes, chamado Hakul, ousou dizer que apenas a visão fornecida por Indam não era suficiente para condenar Uari. Isso gerou um murmúrio de indignação nos zahrianos, que até então ouviam calados.
Reestabelecida a ordem, Zaul, outro juiz, sugeriu que a ação homicida de Uari podia ter sido resultado de algo que vivera no devaneio ritualístico no qual estava profundamente mergulhado. Era uma observação válida, todos ali sabiam que aquele tipo de adormecimento causava reações de todas as sortes, no entanto, mais uma vez o povo resmungou.
O terceiro juiz, chamado Talec, perguntou ao acusado o que o havia levado a matar o Zahr. Uari apenas disse que não se lembrava de tê-lo feito. Talec voltou a indagá-lo, dessa vez querendo saber o que o acusado pensava ter acontecido, qual era sua versão. Uari, tão fraco que mal se mantinha em pé, falou que alguém o havia induzido a fazer o que havia feito, que aquilo era fruto de magia.
Trandum, o mais velho entre os quatro juízes, o único deles com quatro braços, observou alta e claramente que todos os seis membros do julgamento concordavam com o que Uari havia dito, pois tinha conhecimento de que Humri fora morto de madrugada, enquanto a letargia que dominava Uari só viria a acabar no momento da aurora. Com isso, Trandum voltou-se para Adom e questionou-o acerca de sua intenção com aquela acusação que obviamente não tinha fundamento, visto que deveria estar no lugar de Uari aquele que havia aplicado no filho a magia que o fez tirar a vida do pai e Zahr.
Nenhum assunto pessoal podia influenciar de qualquer forma um julgamento zahriano, Adom não podia usar a acusação e o julgamento como estratégia política para alcançar o título de Zahr. Mas era exatamente o que ele estava fazendo, e diante da pressão e do nervosismo, acabou confessando. Isso tornava o julgamento inválido, entretanto, Adom ficaria preso até o fim do próximo inverno por violar a lei zahriana. Quanto a Uari, mesmo não sendo o mentor da morte do pai, foi sua mão que empunhou o machado e desferiu o golpe, portanto voltou a ser preso, e preso ficaria até que o verdadeiro culpado fosse descoberto ou até que o Kalabam, que agora podia ser iniciado, elegesse um novo Zahr e este o livrasse da prisão.
Toda a Tribo de Zahr ficou satisfeita com a sentença final obtida naquela noite, exceto por Linwa, vinda da Tribo de Rask, ao norte, onde viviam os maiores xamãs existentes. Linwa era viúva de Humri, mãe de Uari. Furiosa, sozinha em sua grande tenda, ela ergueu os quatro braços para o ar e jurou pelo espírito de seu marido que esclareceria tudo aquilo, encontraria o real assassino e tiraria o filho do cruel cárcere.
CONTINUA...