Um Corpo na Praia
Deitada na areia a beira-mar, olhos protegidos dos raios solares, a bela jovem bronzeava o lindo corpo coberto apenas com um minúsculo biquíni.
O encontro daquele canto isolado entre o mar e a montanha custou uma caminhada cansativa. O clima agradável de um dia de verão ameno fez as horas passarem vagarosamente com a tarde que se aproximou e o sono leve, aliado a sua apatia, levou-a aos devaneios, aos sonhos da juventude. Não aos castelos e princesas como poderia se esperar, pois vinha de uma recém-saída desilusão amorosa, tragédia para qualquer mocinha desde que o mundo existe.
Passado algum tempo seus pés sentiram a aproximação de algo, alguma coisa fria, ligeiramente viscosa que atingiu os dedos de um dos pés, levemente. Seu estado de torpor imediatamente permitiu que imaginasse algo tão ruim que poderia acontecer e em sua mente começou a formar uma cena onde a coisa pretendia gradativamente se apoderar de seu corpo todo, envolvendo-a em situação terrível, sinistra, talvez mortal.
Procurou conter-se e refrear a situação. Lembrava-se dos ensinamentos na sua infância de como conter o pânico e superar dificuldades. Porém, o desconhecido já procurava sorrateiramente atingir aquela e também a outra perna, numa escalada incontida tentando cobrir e dominar aquele corpo.
Esforçando-se em manter o pensamento ativo apesar da dormência, a jovem tentava analisar a situação e acreditou que um ser estranho, um animal maldoso ou um molusco repugnante almejava alcançar, devorar e talvez apoderar-se de seu corpo acabando com sua vida. Exterminar o intruso seria a solução, mas a coragem lhe faltava e apesar dos mandamentos do cérebro os membros paralisados teimavam em se manter inertes.
Seus olhos se mantinham semicerrados, mesmo assim reconheceu, reviu mentalmente o personagem de seus desenganos, o culpado da tragédia possível. Situou o rosto e as mãos do ex-príncipe encantado num mundo imaginário entre o passado recente e lembranças transfiguradas.
Sensações íntimas se afloraram e transpuseram o universo de suas ilusões, que foram consideradas intrusas diante daquele recanto paradisíaco. Sentiu, pelas investidas, pelas sacudidelas dissimuladas e cada vez mais constantes que a coisa estava zangada e tentou gritar, momentos em que sua ofegante voz morria subitamente como num rosnar inaudível.
Pensou em pedir perdão ao mundo, em retornar à situação vivida anteriormente de paz e amor, aos belos dias e memoráveis noites onde só a ternura tinha autorização de participar. Condição impossível, pois exigiria um esforço além da hora, rápido e fulminante com a finalidade de atingir concebida situação.
Enquanto decidia pela difícil providencia a tomar, muito além de suas forças ativas, a coisa, produzindo uma sensação de frio, metodicamente avolumava suas investidas, agora pretendendo abafar, se apossar, cobrir parte daquele corpo, subindo pelas pernas e atingindo a cintura carregando, no caminho, gotas de suor brotadas por todos os poros daquela bela menina.
Ela fazia um esforço desesperado para sugar o ar bastante oxigenado como aquele ao nível do mar, mas seus pulmões pareciam recusar ou ter esquecido o modo de laborar. Levou ambas as mãos ao pescoço e seus dedos procuravam agarrar a brisa, aquele bendito vento que para ela cessara de existir. Só o terror, agora apossado de seus olhos vidrados mostrava o drama que estava sofrendo. Suas coxas e nádegas até recentemente acariciadas por gestos suaves eram agora invadidas grosseiramente pela coisa viscosa e fria. Envolver todo o seu corpo parecia ser, decisivamente, o objetivo do desconhecido.
Ouviu ou pareceu ouvir uma voz distante, quase um murmúrio perguntando o que estava acontecendo. Nem resposta pode dar, pois o olhar lançado em direção ao som intruso limitavam suas vistas embaçadas pela indignação da situação vivida, da sua aventura surreal.
Numa derradeira e última tentativa conseguiu superar a zonzeira dominante. De seu lindo rosto despontavam traços contorcidos e de seus lábios grossos coloração azulada. Não podia se comunicar e não queria morrer. Proveniente do fundo de suas entranhas obteve alguma força para se levantar e fugir, ajudada por querubins alvoroçados a sair daquele local agora horrível, daquela cena monstruosa.
Somente atinou logo adiante, voltando seu olhar para o ponto do acontecimento e compreendendo, então, que a maré prosseguia normalmente seu rito ordinário, com a subida natural a caminho da preamar – como naquela hora – e suas águas se dispunham a expulsar ou cobrir impetuosamente qualquer corpo forasteiro que estivesse ao seu alcance nas areias da praia!