Entre dois mundos I

Capitulo I

Eu corri e abracei meu irmão, notando que agora eu tinha que me esticar um pouco para alcançar seu pescoço. Ele não só estava mais alto como também estava mais forte e estava parecendo um pouco com papai quando era mais jovem. Ele mantinha o cabelo ruivo bem aparado e parecia exatamente como um caipira para mim. - Você parece tão adulta! –ele disse para mim, enquanto andávamos em direção ao carro, uma velha caminhonete. –Tem certeza que tem mesmo só 17?

- Está insinuando que pareço velha?

- Não. Só que parece ter mais de 17.

Fingi estar ofendida e virei o rosto. Não acho que se consiga sentir saudade de brigar com seu irmão exceto depois de passar tanto tempo longe dele. Nossos pais haviam brigado feio e na hora de dividir a nossa guarda cada um pegou um filho e foi embora. Mesmo agora eu imaginava porque papai não me escolhera e sei que Willian pensava o mesmo sobre mamãe.

- Oh meu Deus, tem vacas nas ruas! -eu gritei apontando uma vaca que impedia nossa passagem.

- Sim. Temos muitas vacas. -Willian riu enquanto as vacas se afastavam. -Acho melhor se acostumar com elas, porque vai ver mais vacas que pessoas por aqui.

A estrada que levava até a fazenda onde meu irmão vivia agora com meus tios era bem vazia. Não vimos muito mais que um ou dois carros passarem por nós. Curiosamente eles sempre estavam na direção contrária. Depois de algum tempo chegamos até uma entrada entre dois paredões de pedra. Willian me disse que toda a propriedade era cercada desses paredões. Era algo que valorizava a terra.

A casa da fazenda era uma grande casa antiga. Eu imaginava quantas reformas tiveram que ser feitas para aquela construção continuar de pé. Metade da casa estava na sombra por causa dos paredões, o que devia ajudar a equilibrar o calor. Fitei encantada as arvores que nos cercavam. Era um lugar tão adorável! Bem diferente do lugar cinza e cheio de fumaça que eu cresci.

- Tia!

Me virei e me abaixei levemente, comprimentando minha tia Sophia. Ela não era exatamente obrigada a me receber em sua casa, já que eu era emancipada, mas ela estava me recebendo de braços abertos então eu era muito grata. Ela me abraçou forte, me consolando. Pela primeira vez eu senti que estava fazendo algo certo.

- Ela se parece muito com você não é tia? –Meu irmão disse enquanto eu tomava um café bem quente sentada na sofá.

- Dizer que ela parece uma velha como eu! Pobre menina. –Tia Sophia riu, sendo modesta.

Tomei meu café, um pouco desconfortável. Não era nenhuma ofensa ser comparada a ela, ao contrário. Ela estava muito bem para alguém que tinha a idade dela. Ainda era muito bonita. Mesmo isso parecendo narcisismo já que parecíamos tanto.

Tia Sophia me levou até o quarto que eu ocuparia. Fiquei emocionada já que parecia ser um dos melhores quartos. Ela me deixou a sós e eu pude arrumar minhas coisas no armário. Era um armário bastante velho, mas era elegante. Podia apostar que valia um bom dinheiro para algum colecionador.

Depois de tomar meu banho eu resolvi sair um pouco. Tinha que pensar no que eu faria da minha vida. Talvez eu começasse a fazer faculdade. Penteei meus cabelos e prendi-os em um coque. Eu não sabia exatamente como deveria me portar agora que estava ali, mas imaginei que não podia vestir as roupas a que estou acostumada. Demorei um tempo para achar uma regata vermelha e uma calça jeans.

Desci as escadas até a sala, prestando atenção nos quadros que estavam pendurados na parede. Ao contrário do que eu imaginava, que seriam retratos de antepassados como nos filmes, os quadros eram na grande maioria paisagens e algumas pinturas eram surrealistas.

Percorri os olhos pelas fotos, que estavam espalhadas pela sala. Reconheci meu pai em algumas delas. Willian aparecia em várias idades, às vezes ao lado de meu pai, às vezes ao lado tia Sophia. E haviam muitas fotos de um outro garoto. Depois de um tempo entendi que era nosso primo. Parecia ser bem próximo de meu irmão. Não havia nenhuma foto de minha mãe. Ou minha.

Passei um tempo percorrendo as arvores ao redor da casa. Eu gostava muito da metrópole, mas imaginava que seria muito mais feliz crescendo ao redor daquela casa, correndo por ali com meu irmão e meus primos. Nunca havia pensado que quem estava perdendo algo era eu. Sempre senti certa pena de Willian por crescer numa cidade minúscula enquanto eu viajava o mundo inteiro com mamãe. Talvez ele sentisse pena de mim, arrastada por aí enquanto ele podia ter uma casa para voltar.

- Victoria? –me assustei ao notar tia Sophia se sentando ao meu lado. –o que está fazendo aqui sozinha?

- Só dando uma olhada em volta.

- Espero que você não se chateie, sabe? As coisas aqui são bem paradas.

- Não se preocupe tia. Eu adorei a tranquilidade.

Ela assentiu, se levantando. Ouvi seus passos se distanciando. Era o primeiro momento que eu sentia falta de minha mãe. Ela me odiaria se soubesse que eu havia procurado meu irmão e estava na casa da pessoa que ela mais odiava.

Por que sim, mamãe odiava tia Sophia. E era muito mais que uma simples rixa entre cunhadas apesar de tudo. Ela creditava o fim de seu casamento a tia Sophia. Mas eu realmente achava isso bem pouco possível. Não achava que minha tia fosse o tipo de mulher que se intromete na vida de outras pessoas. Em compensação, minha mãe era bem esse tipo de mulher.

Mesmo sabendo que eu era vaca por pensar mal de minha própria mãe, principalmente depois que ela morreu, eu não conseguia evitar pensar que ela era uma surtada. Ela me arrastou pelo mundo durante os últimos sete anos porque jurava que meu pai e minha tia queriam me tirar dela. Houve um tempo em que ela dizia que eles iriam matá-la.

Eu percorri um pouco os arredores. Voltei apenas quando começou a anoitecer. A casa estava bastante barulhenta agora. Meu irmão havia voltado e meu primo, o garoto das fotos, estava com ele. Ele era apenas um pouco mais alto que eu e tinha quase que exatamente a mesma idade . Parecia ser bem tímido e reservado e depois de me dizer seu nome e me perguntar alguns coisas simples eu não ouvi mais sua voz.

Eu subi até meu quarto rapidamente, para tomar um banho e trocar de roupa. Vesti um vestido preto que não parecia tão esquisito e soltei os cabelos. Eu não sabia se voltaria a pintar as mechas azuis em meu cabelo. Eu adorava o modo que elas ficavam em contraste com meus cabelos pretos. Mas não achava que isso seria muito a cara daquela cidadezinha.

Quando sai vi a porta do quarto que ficava ao lado do meu aberta. Não sabia que alguém a ocupava então eu olhei de soslaio, para ver o que tinha lá dentro. Senti meu rosto avermelhar ao notar que havia um cara se trocando. Não que ele estivesse pelado ou coisa assim. Ele estava apenas terminado de fechar a camisa. Além disso, eu só via suas costas. Apressei meus passos, torcendo para ele não ter me visto.

Já haviam várias pessoas ao redor da mesa, além de minha tia, meu irmão e meu primo. Umas duas garotas, que eram amigas deles e dois homens que trabalhavam para a família também estavam lá. Me sentei ao lado da garota morena, que estava na ponta da mesa, cumprimentando todos. Eu nem ao menos me lembrava o que era ter uma família de mais de duas pessoas então eu me sentia encabulada.

Quando o cara que eu havia visto chegou eu virei o rosto. Ele não falou quase nada e também não perguntou quem eu era. Eu fiquei olhando um bom tempo, tanto porque ele era surpreendentemente bonito como porque eu tinha a estranha impressão de que o conhecia de algum lugar. Entretanto, não importava quanto eu olhava para ele não parecia chamar nenhuma atenção.

- Quase me esqueci! –tia Sophia, provavelmente percebendo que eu estava tentando chamar a atenção do estranho, resolveu nos apresentar –Esta é minha sobrinha que eu lhe disse Sr. Arthur, a Victoria.

- Olá. –ele disse como se acabasse de notar minha presença.

- Ela é a filha do meu irmão. –ela não disse mas nada, como se pudesse ser subentendido –O Sr. Arthur esta trabalhando aqui perto, Victoria. Estão construindo uma usina enorme dentro de nossa propriedade e ele é o engenheiro responsável.

- Uma usina?

- Algo assim. –Arthur disse, mudando de assunto.

- Eu estive imaginando se o senhor não poderia lhe dar uma chance como sua assistente. –eu fiquei encabulada, assim como Arthur. Era claro que ele não podia negar nada à dona das terras –Victoria é muito inteligente. Ela terminou a escola dois anos a frente de qualquer colega.

- Não precisa! –eu disse, tentando não encarar Arthur.

- Não, tudo bem. –ele parecia vencido. – Desde que Helen desistiu eu estou tendo muitos problemas mesmo.

- Desculpe Arth.... –A garota morena que estava do meu lado disse rindo. Então ela era Helen. Estremeci ao notar que ela o havia chamado por um apelido.

- Oh que ótimo! –minha tia parecia exultante. –Não é, Victoria?

- Obrigada, Sr. Arthur. –agradeci. Mesmo que ele não estivesse exatamente de acordo, eu estava precisando mesmo de um emprego.

Depois do jantar Willian, Lucas (que era o nome do meu primo), eu e as meninas, Helen e Meg ficamos conversando. Eles tentaram me incluir nas conversas e nos assuntos, mesmo sendo óbvio que eu não era uma pessoa assim tão extrovertida. Arthur apenas pediu licença e subiu rumo ao seu quarto. Eu segui-o com os olhos. Não é nada bom quando você fica tão interessada em seu futuro chefe, eu acho.

Quando me senti cansada demais para continuar conversando eu me despedi e corri pelas escadas. Fechei a porta do meu quarto, jogando-me na cama. Abri um sorriso involuntário. Era tão bom estar numa família tão grande! Se eu tivesse impedido as loucuras de mamãe e feito-a voltar para casa, talvez as coisas tivessem acontecido de modo diferente. Talvez eu fosse uma pessoa diferente.

Tirei o vestido e coloquei minha camisola favorita. Trancei meus cabelos, prometendo a mim mesma que iria cortá-lo. Não havia nenhum motivo para mantê-lo tão longo agora que mamãe não estava ali para me obrigar. Passei um creme, apreciando o modo que ele resfriava minha pele.

Naquela noite eu não sonhei com a metrópole. No meu sonho eu estava brigando com Arthur, o que era estranho. Acordei assustada e tomei um copo de água. Sonhei com minha mãe então. Ela estava tendo um de seus surtos. Ela gritava com todas as forças que meu pai estava querendo matá-la. Eu a abraçava tentando a acalmar, enquanto ela se debatia.

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Lucia Goethe
Enviado por Lucia Goethe em 24/06/2016
Reeditado em 07/07/2016
Código do texto: T5677318
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