O TOPO DA MONTANHA


Certa manhã acordou um homem diante de um imenso campo arado.  A terra era vermelha e, dos sulcos revolvidos, exalava odores doces e perfumados.  Era cedo ainda e uma névoa delicada pairava no ar, pouco acima do solo.  De seu abrigo, única habitação naquele espaço perdido, ele saíra para o susto dessa planície arada, que convidava ao plantio.  Por ser um homem habituado ao esforço constante, seu único pensamento foi buscar as sementes no depósito e espalhá-las.  Começou, então, seu trabalho diário.  Todas as manhãs ele via os sulcos à sua frente e olhando para baixo, ele cumpria sua tarefa.  Pouco parava para descansar, jamais olhou para trás, a ver se o que semeara já crescia;  poucas vezes olhou para o céu, que na aparente vastidão, apenas era a redoma a proteger a terra por onde ele avançava, dia-a-dia. Vez por outra, sabe-se lá porque, passava as noites ao relento, observando a lua, mas não tinha outra intenção que não a de , pelas fases, saber como lidar melhor com a terra, com o campo arado, vermelho quase roxo, sulcado, à sua frente.
Depois de algum tempo, já há anos nessa faina, eis que uma manhã, ao sair, deparou-se-lhe uma montanha.  Ela era contornada por uma estrada e, em absoluta concordância com os campos que ele habitara, harmoniosamente arada em terraços regulares, expondo um solo escuro e arenoso, que convidava ao plantio.  E olhando para o solo, cabeça baixa e esforço constante, ele recomeçou a semear a terra, montanha acima, com o intento de um dia completar seu trabalho e chegar ao cume.  Nunca mais olhou para os campos que deixara, poucas vezes olhou para os lados, outras poucas descansou de sua lida;  perdeu a oportunidade de apreciar a neblina na planície abaixo. Quando já estava chegando mais perto do topo, por vezes, à noite, contemplava a Lua e Vênus juntas, no crescente ou no minguante ( quando a Lua estava entre o Sol e a Terra ), aquela visão poética da Lua e da estrelinha, ora distante, ora bem próxima. Entre noites de algum devaneio e dias de intenso trabalho, esse homem finalmente chegou ao topo da montanha e ali fincou sua bandeirinha.  Olhasse ele para trás e veria campos floridos, bosques frondosos, variedade de fauna e flora; ouviria o canto dos pássaros, o barulho das cachoeiras, da água escorrendo pelos riachos; apreciaria o céu azul imenso, os poentes, os temporais e os grãos da colheita, fruto de seu incansável trabalho.