Seven Devils - A Fuga da Princesa
Depois do pesadelo não consegui mais dormir, contudo já era dia mesmo, resolvi levantar. Na mesinha perto da janela havia comida, água e um bilhete. Era de Sabrina e dizia: “Sei que teve uma noite complicada e deve se sentir desconfortável em ir até a cozinha, então resolvi trazer alguma comida pra você”.
Sabrina é uma boa amiga, sempre foi, gostaria de leva-la comigo ao ir pra longe, mas ela tem a mãe doente pra cuidar. Após comer, tomei um banho, coloquei um vestido melhorzinho e fui tentar falar com Odin. O pai de todos já deveria ter deixado ordens pra me mandarem até ele. Andando pelas magníficas varandas de Asgard não me contive em parar e observar um pouco do treino dos guerreiros, os príncipes estavam lá também. Loki acenou pedindo para aguardar um instante. “Deve já ter feito o mapa para minha fuga” pensei comigo e estava certa.
—Oi, Cristie! – Ele tirou um papel do bolso. – Aqui está o que lhe prometi.
—Oi, Loki. – Pego o papel e ele segura minha mão.
—Mas, acho que deveria ficar. – Ele estava com aquele olhar de filhotinho que é muito fofo.
—Eu acho que deveria ir comigo.
—Eu não posso ir.
—Eu não posso ficar.
—Então, isso é um adeus?
Esse olhar dele ainda vai me matar, dei um beijo em seu rosto.
—Adeus, Loki.
Chegando a porta dei uma olhada para trás e vi Thor falando com Loki, penso que estaria aconselhando o irmão a se manter longe de mim. Todos já deveriam saber sobre o ocorrido na cozinha na noite anterior. Nem me preocupo em contar minha versão dos fatos, não acreditariam mesmo. Continuei meu caminho, quase chegando à porta da sala do trono vejo Freya saindo de lá, ela não parecia nada bem. O pai de todos irá esperar afinal minha amiga precisa de mim. Dirigi-me até seu quarto, ela estava encolhida na cama.
—Posso entrar?
—Pode. - Ela senta.
—Você está bem? - Puxo uma cadeira.
—Não. Na verdade, estou péssima.
—O que houve?
—As pessoas da minha família não são bem quem pensei que fossem... Estou triste por tudo que aconteceu com você e com raiva por Odin estar me forçando a casar.
—Sinto muito.
—Cristie, não é sua culpa! – Ela olhou bem fundo em meus olhos.
—Tem algo que possa fazer pra te ajudar?
—Não, porque estou com muita vontade de sumir. O meu maior desejo nesse momento é ir pra longe e nunca mais ser encontrada. – Estava com lágrimas rolando pelo rosto.
Vocês conseguem entender o que é ver sua melhor amiga tão magoada assim? A única pessoa no seu mundo que conseguiu fazer sua existência um pouco melhor estava precisando de ajuda, não uma simples ajuda, uma grande e complicada. Uma criada fugir e não ser mais vista é uma coisa, mas uma princesa?! Argumentei comigo mesma por alguns minutos antes de tomar a decisão.
—Tenho uma coisa pra você.
—O que?
—Uma forma de ir pra Midgard. – Entreguei-lhe o papel.
—Sério?! Mas, você não ia usar? Como conseguiu isso?
—Acabei descobrindo sem querer. Anotei para não esquecer, pode usar.
—Oh Cristie! – Ela me abraçou. – Você é a melhor.
—Está bem! Agora chega disso.
—Devia vir comigo. Começaremos uma nova vida em Midgard.
—Eles darão por sua falta bem rápido, princesa. – Ela pareceu incomodada por chama-la assim. - Eu fico por enquanto, para atrasá-los ao máximo. Em alguns dias eu irei. Agora junte algumas roupas que pegarei comida para levar. No jantar direi que está sem fome e trarei sua comida pra cá. A rainha irá querer falar com você, então a mande embora sem abrir a porta. Depois a ajudarei a ir até o local.
—Está bem.
Ela parecia animada novamente, isso era bom. Finalmente, fui até a sala do trono para falar com o pai de todos e me surpreendi com a presença da rainha junto dele.
—Cristie, queríamos mesmo falar com você. – Frigga usou um tom bastante cordial.
—Imaginei, por isso vim até vocês.
—Soubemos do que houve na cozinha, porém tendo sido após D. Silla tê-la retirado de forma tão grosseira do salão, resolvemos desconsiderar tudo que fez no restante da noite.
—O que quer dizer com isso?
—Quer dizer. – Começou o pai de todos. – Se tiver mudado de ideia, pretendemos esquecer seu pedido de demissão. No entanto, se estiver decidida, podemos lhe arrumar uma casa fora do castelo e lhe ajudar com os custos.
—Por que fariam isso?
—Nós a vimos crescer, brincou com os nossos filhos e sempre foi muito boa com Freya. – O tom amigável de Frigga começava a me irritar. – É da família.
—Da família?! – Que mentira deslavada. – Bem, decidi ficar no castelo até o casamento de Freya. Entretanto, não quero cruzar com D. Silla.
—E não irá, afinal seria impossível manter as duas no mesmo local depois... Você sabe. Então, Frigga e eu resolvemos liberar D.Silla de seus serviços por aqui. Assim como faríamos com você, lhe demos uma casa e uma forma de se manter. Bem, agora que estamos entendidos, volte para seus afazeres.
—Com licença.
Era tudo muito estranho, certo que Frigga sempre conseguia acalmar Odin, mas a forma como os desrespeitei na frente de todos... O vi usar o machado, para findar com a vida de pessoas, por muito menos. Pensarei nisso depois, agora preciso me concentrar na fuga da princesa.
Na hora do jantar tudo correu melhor do que o esperado, Frigga insistiu em falar com a filha, sem sucesso algum. Todos foram para seus aposentos e saí com Freya, chegamos a um caminho que foi dá em um bosque, caminhamos por mais alguns minutos até o local indicado no mapa. Ela estava radiante, nunca a tinha visto tão contente. Isso me fazia ter certeza que fiz o certo. Despedimo-nos com a promessa de ir a Midgard em algumas semanas para encontra-la, uma promessa que não sabia se poderia cumprir. Ela sumiu em meio à escuridão, virei-me para voltar para o meu quarto, então vi uma sombra que ganhou forma ao aproximar-se.
—O que faz aqui, D. Silla?
—Estava indo ao castelo pegar o restante das minhas coisas, quando vi algo muito interessante: A princesa saindo às escondidas com a criada. Eu tive de segui-las, afinal o pai de todos irá adorar saber que ajudou a filha dele a sumir.
—Não se atreva.
—Por que não? Assim eu voltaria ao meu posto e você seria expulsa.
—Você é uma burra mesmo. Não ligo se me mandarem pra longe, aliás, ficaria feliz com isso. Se contar sobre o desaparecimento da princesa não estará estragando a minha vida e sim a dela.
—Se não te expulsarem, com certeza, irão te matar.
—Eu não me importo. – Dei um passo pra frente e ela um pra trás. – E já que não tenho nada a perder, quero respostas... O que sabe sobre meu pai?
—Ele era um monstro. Matou toda minha família.
—Por que?
—Pelo simples fato de ser um demônio.
Segurei seu braço.
—Explique melhor.
—Não tenho nada a lhe explicar.
Ela soltou-se de mim e correu, pensei em ir atrás, mas preferi voltar para meu quarto. Freya já devia estar em Midgard e quando D. Silla contar o que sabe, ela já deverá ter encontrado um esconderijo por lá.
Deitei-me assim que cheguei aos meus aposentos, mais uma vez dormi com certa rapidez e mais uma vez tive um pesadelo. Sonhei com a discussão com D. Silla, porém ao invés de vir descansar eu a perseguia. Eu me deleitava com a sensação do vento no meu rosto e o pavor no dela. Ela corria com cada vez mais velocidade, em um dado momento consegui alcança-la. Com um pulo ágil me vi em cima dela, nunca a tinha visto com tanto medo e isso me agradava. Continuei com meu interrogatório, mas não lembro bem dele. Apenas me recordo de ser algo sobre família, dela ter servido a minha por gerações... Isso não fazia o mínimo sentido. Parece-me ter dito algo sobre ter acompanhado minha mãe até aqui no intuito de conseguir se vingar. Era uma alegria pra ela me ver sofrer dia após dias, mesmo sabendo que não tive culpa pelo que meu pai fez aos filhos dela. Agora o sonho fica um tanto diferente, pois em dados momentos eu estava em pé há alguns metros de distância e em outros me via sobre aquele corpo flácido. Nas vezes em que apenas me observava não era exatamente eu quem estava sobre aquela mulher. Era um ser grotesco com assas e chifres, entretanto conseguia sentir que, de alguma forma, ele fazia parte de mim. Logo em seguida me via, novamente, no lugar do demônio. Quando dei por mim havia fincado meus dentes na jugular dela. Sentia o sabor do sangue... A textura da carne. Eu estava adorando. Ela gritava e quanto mais o fazia, mais eu vivenciava um prazer inenarrável. Até que veio seu silêncio, mas não parei. Eu continuava com mordidas, arranhões e puxões. A região de seu abdome já estava estraçalhada, o pescoço não existia mais e foi nesse ponto que acordei. O certo seria me sentir mal por ter sonhado algo com tamanha brutalidade, porém me sentia até feliz.
Fui até a cozinha, era estranho não ter ninguém ali, estava quase na hora do café da manhã da família. Peguei uma maçã, andei pelos corredores até chegar a uma das varandas perto do quarto de Freya, o castelo parecia completamente vazio. Vi Sabrina, ela vinha quase correndo.
—Sabrina, você está pálida. O que houve?
—Oh Cristie! Nunca tinha visto algo tão horrível.
—O que viu?
—D. Silla. Encontraram a D. Silla no bosque, parece que algum animal a pegou.
Quase desmaiei.
—Oh por Odin! Cristie, você está bem? Desculpa ter contado assim, mas estou muito nervosa.
—Quem a encontrou?
—Uns garotos brincando de caçador. Preciso ir contar para o pai de todos, os príncipes estão cuidando de trazer o corpo.
—Tudo bem.
Dirigi-me de volta ao quarto, aquilo não podia ser verdade. Vasculhei o recinto e encontrei meu vestido todo ensanguentado... Sentei na beira da cama. "Como posso lembrar-me de duas versões inteiramente diferentes da mesma noite?" foi meu primeiro pensamento. Joguei o vestido na lareira, desci até a sala do trono. Já haviam levado o corpo até lá. Continuaram com a ideia de que um animal fez aquilo, então Odin apenas mandou prepararem, da melhor forma possível, o corpo para a cerimônia. Corri perto do Thor e perguntei se pelas pegadas haviam descoberto qual tipo de animal fez aquilo. Ele disse que não conseguiram concluir através dos rastros, parecia uma forma de vida muito diferente das que costumam aparecer por ali.
Preparei uma bela bandeja de café da manhã e fui comer no quarto de Freya. O plano tinha de continuar... E agora preciso descobrir se eu mantei a D. Silla ou apenas sonhei com o que aconteceu com ela.