O ANJO DA GUARDA - capítulo XIV

"Os tornados estavam a derrubar todas as árvores e casas de Corvus, era um vento tão forte, que Malasas precisou segurar na coluna do palácio para não ser arrastado!"

Com a paciência expirada, Malasas bradou para o feiticeiro:

- Pare de enrolar e ande logo com isso!

O feiticeiro apressou-se e, balançando o objeto de um lado para o outro, explicou para o anjo da guarda:

- Você terá que repetir o que eu disser... Eu tenho que matar Evangeline...

E repetiu o anjo:

- Você tem que matar Evangeline...

- Eu não, você!

- Eu não, você!

O feiticeiro olhou desfalecido para Malasas e este outro o ameaçou dizendo:

- É melhor o hipnotizar logo, ou vou fazer do seu bigode cordas para um violão!

Nisso, o feiticeiro engoliu a seco a saliva e com a bússula a balançar, foi dizendo para o anjo:

- Você é um anjo mal e veio para machucar Evangeline... Irá cantar a morte dela...

- Cantar? Eu gosto de cantar!

Exclamou o anjo e começou a cantarolar:

"Encima do meu telhado

Pirulin, lulin, lulin

Um anjo, todo molhado,

Soluça no seu flautin...

E disse o feiticeiro:

- Não, pare de cantar!

E o anjo continuou:

"O relógio vai bater, as molas rangem sem fim

O retrato na parede

Fica olhando para mim..."

E o gato foi baixando os olhos e ficando sonolento, ao passo que o anjo da guarda cantava:

"E chove sem saber por quê

E tudo foi sempre assim...

Parece que vou sofrer

Pirulin, lulin, lulin

Pirulin, lulin, lulin."

O gato dormiu no banquinho e o anjo falou:

- Acho que ele pegou no sono.

Mas Malasas, soprando um ar de chateação, sacudiu o gato e vociferou:

- Levante daí, sua bola de pêlo nojenta!

O gato despertou assustado e Malasas o mandou embora, muito desapontado e conturbado. Disse ainda, virando-se com revolta, para Evangeline:

- Uma hora você sentirá muita fome e sede e o seu anjinho não vai poder fazer nada por você, porque eu vou ficar bem aqui, sentadinho, só observando você reclamar!

O anjo da guarda deixou o olhar cair, pois sabia que Malasas tinha razão, o que o anjo poderia fazer ali preso? Ainda mais com Malasas a todo tempo os observando! Passadas algumas horas, veio o primeiro sintoma, a fome. Evangeline massageava a barriga que não parava de roncar e lembrou-se das balinhas de primavera que estavam com seu protetor, então pediu a ele:

- Anjo, pode me dar algumas balinhas de primavera? Tenho muita fome.

E implicou o anjo:

- Não, Evangeline, sinto muito, mas de novo isso não.

- Serão apenas duas, prometo!

- E seriam mais dois anos.

- Eu só ficaria com dezessete, nada demais! Por favor...

- Não.

- Prefere que eu morra de fome?

O anjo a fitou com compaixão, soprou um ar de rendição e retirou o saquinho do bolso, mas Malasas o tomou e ralhou com a garota:

- Pois vai morrer!

- Devolva as balinhas!

Falou o anjo.

- Não devolvo.

Disse Malasas, guardando o saquinho com ele.

- São as primaveras de Evangeline!

- Mas estamos no inverno.

- Quanta graça... Vamos, me dê o saquinho!

Malasas não deu atenção ao anjo e começou a fazer malabarismo com as balinhas, acendendo a ira do anjo da guarda. Eis que apareceu o corvo servo e disse para Malasas:

- Está vindo.

E indagou Malasas, com grosseria:

- Quem?

- Seu irmãozinho.

- Bemasas?

- Tem outro?

Malasas lançou um olhar repreensivo e o corvo encolheu os ombros.

- Meu pai! Agora você terá uma boa lição, seu tiozinho maléfico!

Gritou Evangeline, satisfeita, e ralhou Malasas:

- E por que você acha que Bemasas vai poder me vencer?

Respondeu pois o corvo:

- Porque ele não veio sozinho, mestre, veio com o exército de Tornan.

- Exército de Tornan? Hahaha...! Tornan é uma cidade de covardes e fracassados, não tem poder contra meu exército!

- Eu não teria tanta certeza disso.

- Por quê?

- Estão destruindo toda a nossa cidade.

Malasas arregalou os olhos e ordenou que três corvos vigiassem a cela e correu com o corvo servo para ver o que se passava lá fora. Viu ele que os tornados estavam a derrubar todas as árvores e casas de Corvus, era um vento tão forte, que Malasas precisou segurar na coluna do palácio para não ser arrastado! E os corvos se agitavam, como patinhos rolando pela praça numa tarde ventanosa; até as pedras se moviam dos caminhos. Estando Bemasas já diante de seu irmão, perguntou:

- Onde está minha filha, Malasas?

E este outro, em gozação respondeu:

- Está morta.

Bemasas ficou perplexo, mas falou o corvo.

- Não, ela está lá dentro. Ele só está brincando!

Malasas deu uma cotovelada na barriga do corvo e disse para Bemasas:

- Por que tanta preocupação, meu irmão? Eu não prometi cuidar dela?

- Deixe de conversa fiada e me traga logo Evangeline!

- Senão o quê?

- Vou te destruir e toda a sua cidade e esses corvos podres!

- E como vai fazer isso?

- Trouxe comigo o exército de Tornan.

- Ai, ai... Só você mesmo para me fazer rir tanto! Primeiro o anjinho da guarda, agora o exército de Tornan! Pois se quer a garota, primeiro vai ter que passar pelo meu exército!

Então Malasas convocou todas as criaturas malígnas de sua cidade, árvores de mais de três metros, sombras, plantas carnívoras, monstros e tudo de mais assustador que se pode imaginar!

- Acabem com eles!

Ordenou Malasas às criaturas e elas procederam contra os tornados de Tornan. Ora a andorinha também havia retornado para Corvus e, aproveitando a distração dos corvos e de Malasas, ela entrou dentro do palácio, com o fim de buscar Evangeline. E para enganar os corvos que guardavam a cela, a andorinha se jogou no chão e fingiu ter desmaiado, quando os corvos a viram, se entreolharam e, curiosos, foram se aproximando da andorinha.

- Será que ela está morta?

Perguntou um dos corvos e a cutucou, nisso, a andorinha abriu os olhos e começou a falar:

- Eu vi... Eu vi a vida após a morte! Estive no céu e é tão lindo! Cheio de campos floridos e pássaros dourados. Pena que vocês não poderão conhecer o céu.

E indagou o corvo:

- Por que não?

- Eu conversei com um anjo e ele disse que eu precisava libertar Evangeline para poder viver no céu, mas vocês três irão para o inferno, porque me negarão a chave da cela.

E o corvo assombrado, mostrou a chave para a andorinha e disse:

- Aqui está a chave!

A andorinha sorriu para ele, mas o outro corvo tomou a chave e falou:

- Deixe que eu abro a cela para você!

Então ele abriu a cela e o terceiro corvo disse para Evangeline e o anjo:

- Venham, eu os ajudo.

Porque todos queriam ir para o céu.

Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 29/05/2016
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