NO MEIO DAS CAPIVARAS
Quando em 1990 aquele programa da tevê decidiu entrevistar os mendigos moradores das margens do rio Pinheiros em São Paulo, não encontrou Itamar Vieira. Itamar morava sob a ponte Transamérica. Chegou ali devido a uma grande fatalidade: ele viu a esposa morrer na hora do parto, viu o filho morrer dias depois e, após cair em depressão profunda, abandonou tudo até chegar ao rio, à ponte, a um trabalho que se limitava a reciclar centenas de latinhas de cervejas jogadas pelos motoristas que passavam pela marginal.
Itamar viveu assim durante cinco anos, em um luto profundo, quando um dia, de súbito, parecendo ter se cansado do alumínio, do sobejo das latinhas de cerveja, voltou a casa de um irmão, empregou-se novamente como Contador e retomou a sua vida.
Itamar, poderia revelar ao repórter da tevê o episódio com a capivara. O repórter não acreditaria. Seria difícil imaginar capivaras vivendo no poluído rio Pinheiros. Mas elas existiam. Capivaras pretas, capivaras de esgotos que, diariamente, no final da tarde, dormiam nas proximidades. Itamar dizia nunca ter percebido qualquer agressividade nos animais, mas um dia acordou e viu perto de si a maior espécime do bando. Ela era enorme e o encarava. Itamar contou que a capivara o encarou tanto que o olhar do bicho, de repente, pareceu-lhe solidário, parecia querer dizer a Itamar que, se ele estava ali no rio, se tudo agora era elementar como a palhoça de folha de bananeira, então que Itamar procurasse se sentir também uma capivara feliz.
Sábado dia 16, Itamar Vieira faleceu de pneumonia. Tinha setenta anos. Deixa dois irmãos e três sobrinhos. Pediu para ser cremado. O irmão não informou o destino das cinzas, mas quem conheceu Itamar certamente deduz, ele sabia o quanto os porcos de rio ignoram poluentes.
DO LIVRO: "TOUROS EM COPACABANA"