O ANJO DA GUARDA - capítulo VIII
"...ora, vieram os morcegos e transformaram-se em vampiros, ficaram em volta da mulher, a deixando sem saída, e brincavam tentando morder seu pescoço."
Passando pela cidade de Luz, Bemasas fez o urso Ponpon parar e escorregou por suas costas até chegar no chão, era algo angustiante que estava lhe chamando muito a atenção, o cenário abandonado, vago, de sua tão amada cidade. Das crianças que corriam pelos campos floridos, só restaram campos sem flores; das pontes feitas de cristais brilhantes, só restaram lembranças (porque os diamantes foram todos roubados) e das árvores coloridas e alegres, só restou uma, Roxilas. Bemasas chegou até a árvore a qual lhe fazia recordar da filha, tocou-a com a palma da mão e disse em murmúrio e cabisbaixo:
- Minha menina Evangeline... Papai tem tanta saudade de ti... Se nesta hora você estivesse aqui, tenho certeza de que nada disso me desanimaria; você puxaria meu braço e me mostraria as andorinhas no céu...
Ele levantou o rosto e olhou para o céu, quando atravessava uma andorinha solitária, a bater asas, então Bemasas teve uma ideia e gritou bem alto:
- Andorinha! Andorinha!
A andorinha imediatamente atendeu ao chamado e num rápido voo desceu até Bemasas; ela era de uma beleza encantadora, com sua plumagem num tom azul-metálico e peito branco, asas longas e pontiagudas; pousou no braço do anjo do bem e ele falou:
- Ó, andorinha que abandona teu leito nos dias de inverno! Vai até minha filha Evangeline, na cidade de Corvus, e avisa que estou livre das garras do inimigo e que estou indo buscá-la. Mas, assim como anuncias a primavera com teu regresso, ó andorinha! Volta até mim e me trás notícias de como minha filhinha está. Agora vai, bate asas e voa!
Então a andorinha voou e desapareceu lá no horizonte. Anil se aproximou de Bemasas e questionou:
- Será mesmo que ela volta?
Bemasas o fitou com um semblante desfalecido e deu um longo suspiro. O sol foi se escondendo por trás das colinas e a noite gélida foi subindo com a Lua e as estrelas; então ficaram para dormir ali, sentaram-se ao lado do urso Ponpon e ele envolveu seu braço quente e macio nos companheiros; e dormiu.
Enquanto isso, voando contras os ventos fortes e extremamente frios daquela noite, ia a andorinha a caminho de Corvus; o céu para ela era um oceano sem navios, recoberto de neblina, que só uma solitária andorinha persistia em cruzar! Pássaros se aconchegavam e a seus filhos no calor de seus ninhos, dormiam; mas ela continuava a voar, tinha se tornado competidora dos ventos. Eis que se aproximavam morcegos e perseguiam a andorinha, então ela batia asas mais depressa e eles falavam entre si com seu hálito de sangue:
- Uma andorinha? Será que ela está perdida? Qual será o gosto de seu sangue?
Eles cercaram a andorinha, mas ela tentava desviar-se, voou para baixo e pousou sobre a terra, virando uma bela mulher, de cabelos azúis e manto branco e azul-cinzentado; respirava com cansaço, ora, vieram os morcegos e transformaram-se em vampiros, ficaram em volta da mulher, a deixando sem saída, e brincavam tentando morder seu pescoço.
- Saiam daqui!
Ela dizia, a virar o rosto.
- Calma, linda, só queremos sentir o seu gosto...
Falava o vampiro. Por sorte, a mulher transformou-se novamente em andorinha e conseguiu escapar dos vampiros! Voou tão ligeiramente que não havia vento que a alcançasse. De vez em quando ela pairava sobre uma árvore para recuperar suas forças e, para matar a fome, alimentava-se de insetos no ar, seu único alimento. E depois de uma longa viagem, chegou à cidade de Corvus; quando o dia deveria finalmente amanhecer, escureceu novamente. A andorinha chegou nos portões e pôde atravessá-los por cima, era só um pássaro! Todavia, quando chegou ao outro lado, o corvo servo de Malasas rapidamente a barrou e disse a andorinha:
- Me deixe passar!
Ela se revirava e se debatia, mas o corvo a prendia em seus braços e perguntou:
- Quem é você e onde pensa que vai com tanta pressa?
- Vim a pedido de Bemasas dar um recado à menina Evangeline e saber como ela está. Agora saia da minha frente!
- Ora, ora, ora... Então Bemasas te mandou aqui? Isso quer dizer que ele continua vivo...
- Sim, e muito forte! Por favor, me deixe ver a menina!
- Ela está muito bem, não se preocupe. Mas acho que Malasas é quem vai gostar de te ver.
- Não vim ver aquele monstro! Solte-me!
O corvo chamou alguns de seus amigos que voavam por ali e disse para eles:
- Tragam a gaiola.
Nisso, a andorinha se agitou, em vão, e trouxeram os corvos uma gaiola e o corvo prendeu a andorinha dentro e a levou nos pés até o palácio de seu mestre. Estava Malasas na varanda, quando apareceu o corvo e jogou a gaiola no chão, assustando o anjo do mal, que indagou:
- O que é isso?
E o corvo, agora homem, respondeu:
- Seu irmãozinho mandou essa pombinha para saber como está a filhinha dele.
- Não sou uma pomba!
Ralhou a andorinha, recebendo uma advertência do homem corvo. Então Malasas corrigiu:
- É uma andorinha.
- Sim, que seja! Mas se ela veio a mando de Bemasas, é porque ele ainda está vivo!
Disse o corvo. Malasas o olhou com chateação e dirigiu-se à gaiola; como era pequena e apertada, ficava impossível da andorinha se transformar em mulher, no que ordenou Malasas ao corvo:
- Abra a gaiola.
E o corvo hesitou, daí falou outra vez Malasas:
- Abra a gaiola!
Então o corvo obedeceu e abriu a gaiola, assim, a andorinha logo quis escapar, no entanto, Malasas a segurou e disse:
- Transforme-se.
Mas a andorinha ignorou-o, dizendo:
- E se eu não quiser?
Malasas apertou o peito da ave e disse:
- Eu te esmago.
Assim pois, a andorinha tornou-se mulher e respirou com dificuldade, depois de ter sido pressionada na barriga. Vendo-a como era, Malasas sorriu com uma expressão de satisfação, depois a segurou pelo braço e a arrastou adentro do palácio, fez ela sentar-se numa cadeira, prendeu seus pulsos com serpentes e se ajoelhou em sua frente, começando um interrogatório:
- Agora me diga, onde está Bemasas?
- Não vou dizer nada até saber como está a menina!
- Ela está bem, muito bem! Agora me responda!
Ela, no entanto, ficou em sigilo, por isso o anjo do mal ameaçou-a apertando seu pescoço. E perguntou:
- Está querendo morrer? Então como saberá da menina? Me responda, vamos! Onde está Bemasas?
Malasas soltou o pescoço da mulher e ela respondeu com falta de ar:
- Está na cidade de Luz! Onde mais estaria?
- Como assim? Ainda vive? O que houve? Não invadiram a cidade?
- Eu não sei de nada disso, eu só imigrava para o Norte, quando ele me chamou e pediu que eu viesse aqui!
- E o que ele disse?
- ...
- O que ele disse?
- Que eu encontrasse sua filha para avisá-la de que ele escapou dos inimigos e que vem buscá-la.
- Hhm... Era só o que me faltava... Corvo! Prenda a pombinha no quarto escuro.
O homem corvo agarrou a mulher e a levou para um quartinho negrume que ficava nos fundos do palácio e lá a prendeu a sete chaves.
Continua...