O ANJO DA GUARDA - capítulo VII
"Agora, peço fielmente para a Fome matar a menina... E ela é quem morre! Afinal, que bando de imprestáveis é esse que eu estou criando aqui?"
Asas do Bem estava a dormir no chão frio do calabouço, quando foi acordado pelos gritos dos guardas e levantou-se depressa, assustado; a porta do calabouço de repente foi aberta e uma luz magnífica alumiou todo o ambiente, despertando os outros que também dormiam ali; era a estrela. Ao ver Asas do Bem, ela foi reduzindo o brilho, até que o anjo do bem pôde ver com clareza e sem que lhe ardessem os olhos o rosto dela, aquele rosto de mulher que nunca esqueceu.
- Angelina? Mas, como isso é possível?
Asas do Bem dizia, estupefato. E a estrela falou:
- É graças à nossa filha que estou aqui. Ela me fez um pedido, para que eu te livrasse de seus inimigos, então desci para te libertar.
- Ó, Evangeline, que doçura de menina...
- Agora, aproveite que os guardas estão todos cegos e fuja daqui! E vá tirar Evangeline da cidade de Corvus, pois Malasas só a quer fazer mal!
- Mas ele disse que...
- Ele te enganou! Mentiu. E você, mesmo conhecendo as maldades dele, ainda acreditou no que disse. Agora vá!
A estrela viu pela janelinha do alto que o dia já estava amanhecendo, então disse:
- Preciso ir agora... Adeus.
E do nada ela desapareceu, ao passo que Asas do Bem correu para abraçá-la e gritava:
- Não, Angelina! Não se vá agora!
Mas restou tão somente uma chuva de pequenos grãozinhos brilhantes para revestir seus braços vazios. Anil, dos irmãos Arco-íris, que já estava na porta com os outros, gritou para ele:
- Vamos logo!
Assim, eles escaparam do calabouço e pelos corredores do palácio caminhavam os guardas às cegas e a tropeçarem em tudo, ora foram cegados pelo brilho intenso da estrela e nem puderam notar quando os prisioneiros passaram por eles e saíram do palácio. Lá fora haviam mais guardas a esfregarem os olhos, mas Ponpon, o urso gigante de estimação da rainha, que hibernava ao lado do palácio, continuava dormindo sossegado. Então Asas do Bem e os outros escalaram as costas do urso e Manda-Chuva, servo do rei Chuva, bradou no ouvido do grandalhão:
- Olha a chuva!
Foi só ouvir isso que o urso despertou do sono e pernas, para que te quero? Correu velozmente para longe dali! Deu um salto para os trilhos flutuantes e fez o mesmo trajeto do trem, todavia, o urso pesava muito e cada trilho em que pisava ele se quebrava. Não tinha quem parasse Ponpon!
Mas, lá na cidade de Corvus, não havia tanta diversão assim, em compensação, corvos fofoqueiros era o que não faltava.
- Ela matou.
Disse o corvo servo para Malasas.
- A Fome matou a menina?
Questionou Malasas, muitíssimo animado.
- Não, a menina matou a Fome.
- Mas, como assim? Como ela matou a Fome?
- Parece que conseguiu frutas saudáveis.
- Onde?
- Sei lá, por aí.
- Maldição... Ou melhor, bendição! Te peço para matar a menina e você falha, digo para a árvore da enganação fazer a menina devorar todas as balinhas de primavera e ela falha, digo para as Dioneias devorarem a garota e elas falham... Agora, peço fielmente para a Fome matar a menina... E ela é quem morre! Afinal, que bando de imprestáveis é esse que eu estou criando aqui?
- É para responder, ou...?
- Saia daqui! Antes que eu tenha minha crise de furor.
Eis que, após muito caminharem, o anjo e Evangeline chegaram ao vilarejo e foi bom encontrar pessoas que pareciam um pouco mais normais! Entretanto, eram muito maltratadas pelos corvos, obrigadas a carregar pedras e construir muros altíssimos, sem contar que só descansavam de dia, mas, nunca era dia! Eles não descansavam. Vendo uma senhora cair de cansaço de joelhos no chão, Evangeline avançou para ajudá-la, mas o anjo a prendeu e disse olhando em seus olhos:
- Calma, não sabemos se são pessoas boas. Melhor seguirmos e não nos metermos.
No entanto, Evangeline falou:
- É uma senhora fraca, ela não vai suportar! Por favor...
E o anjo, que sempre terminava rendendo-se à humildade da garota, foi com ela ajudar a pobre senhora. Mas, aproximou-se rapidamente um homem corvo com seu chicote, pronto para repreender Evangeline e o anjo da guarda meteu peito a proteger a garota, no quando o homem corvo deu uma baita freiada e quase acertava o chicote no rosto do anjo.
- Caraca! A sobrinha de Malasas!
Exclamou o corvo.
- Sim, e é bom manter-se distante dela.
O anjo falou.
- Sim, claro. Mas não podem interferir no trabalho aqui, eles têm muito a fazer ainda!
Evangeline, demasiado indignada, alterou-se e ralhou com o corvo:
- É uma idosa! Como pode obrigá-la a fazer um serviço tão pesado?
E respondeu o corvo:
- Era ela, ou então as crianças.
- ... Mas, mas ela está muito exausta!
O homem corvo chegou até a senhora, e com uma expressão de dó, perguntou à ela:
- Está cansada?
E a senhora respondeu:
- Sim!
- Muito cansada?
- Muito!
- Hhm... Então deixe disso e volte a trabalhar!
Ele falou, ainda soltando uma gargalhada maldosa. Não se agradando nem um pouco daquela cena, Evangeline se lançou encima do homem corvo, no que o anjo a envolveu em seus braços e no lugar dela sentiu o chicote estalar em suas costas, a sorte foram as asas para protegê-lo; foram só algumas penas arrancadas, mas Evangeline saiu ilesa.
- Se não quiserem carregar pedras também, é melhor que sumam daqui!
Disse num tom árduo o homem corvo, batendo o chicote no chão e acertando o próprio pé.
- Au! Vão embora!
O anjo puxou Evangeline, mas ela prendeu os pés no solo e o anjo a fitou com imcompreensão, franziu o cenho e disse:
- Vamos, Evangeline!
- Eu não posso deixar ele maltratar aquelas pobres pessoas!
Falou Evangeline, com os olhos inundados. O anjo ergueu o rosto ao céu e soprou um ar de impaciência, então olhou para a garota e disse:
- Não podemos deter toda maldade que encontrarmos no meio do caminho, Evangeline.
- Eu sei... Mas, eu preciso ajudá-los!
- E o que pretende fazer? O que se pode fazer?
- Eu tenho uma ideia.
Evangeline puxou o anjo e juntos eles voltaram ao vilarejo; ora, vendo-os voltar, o corvo irou-se e os repreendeu dizendo:
- Eu falei para sumirem daqui! Por acaso querem carregar pedras?
E disse o anjo a pedido de Evangeline:
- Nós queremos fazer uma aposta com você, para ver se não é mesmo um corvo inútil.
- Claro que não! Sou muito útil!
- É? Pois bem, eu aposto que não aguenta carregar cento e quarenta e quatro pedras até aquele muro.
- Mas isso é fácil!
O homem corvo apanhou as pedras uma por uma e as levou até o muro que cercaria o vilarejo em construção.
- Viu?
Ele disse, a gabar-se. O anjo então falou:
- É, isso qualquer um que tenha força faz. Duvido que sejas tão inteligente quanto forte.
- Claro que sou!
- Então vamos ver se consegue unir doze pedras de forma que elas fiquem sobrepostas uma à outra formando doze fileiras, cada uma com doze unidades.
- Parece complicado.
- É, eu deveria imaginar que corvos são maus em matemática.
Discordando da palavra do anjo, o corvo começou a raciocinar no problema sugerido por ele e foi alinhando as pedras, fez a primeira pilha com doze pedras e depois foi completando cada casa com doze pedras na horizontal, até que completou todas as fileiras com as cento e quarenta e quatro pedras e o muro já estava erguido.
- Consegui! Doze pilhas com doze pedras! Não foi tão difícil.
Disse o homem corvo, e o anjo falou a sorrir:
- Não foi mesmo! Agora o muro está construído e o trabalho acabou. Bom, meus parabéns e até mais!
Continua...