O ANJO DA GUARDA - capítulo VI

"A estrela caiu na cidade de Estemar e ganhou vida, uma silhueta de mulher."

Depois de alguns minutos em silêncio e tendo o vento já secado as lágrimas nas maçãs do rosto de Evangeline, ela retomou as lembranças e para o anjo da guarda falou:

- Também lembro de uma vez que perguntei ao meu pai sobre minha mãe e ele disse que ela era uma estrela. Eu não entendi muito bem, também não me preocupei em entender, nem questionei mais nada. Porém, nunca soube o que ele quis dizer realmente.

Reparando no semblante sereno da jovem, o anjo disse para ela:

- A verdade é que sua mãe não sobreviveu ao parto; logo que você nasceu ela fechou os olhos e sua alma flutuou com uma luz extremamente brilhante, que ocupou um espaço no céu, então ela virou uma estrela.

- Então quando morremos nos tornamos uma estrela?

- Maioria das vezes. No meu caso, nem morrerei.

- E eu que achava belo o céu completamente estrelado lá em Luz.

Como ventava muito naquela noite e a passarela estava bamba, o anjo achou melhor que saíssem dali para outro lugar e foram caminhando pela floresta. Vendo as árvores tremerem de frio com a ventania, Evangeline lembrou-se de mais coisas passadas e disse para o anjo:

- Eu gostava quando meu pai me levava nas tardes para correr no campo; havia uma árvore de flores roxas que eu achava belíssima! Pois, enquanto as demais eram de flores azuis e alaranjadas, somente essa tinha flores roxas e, por amar muito essa árvore, decidi dar um nome especial à ela, chamei-a de Roxilas.

- Por que Roxilas?

Indagou o anjo.

- Eu queria algo que lembrasse "roxo", mas meu pai já havia sugerido Lilás, daí decidimos juntar os dois e ficou Roxilas. E todas as tardes nós...

De repente, Evangeline ficou tonta e quase caiu em desmaio, mas o anjo imediatamente a segurou.

- Evangeline! O que foi?

Ele perguntou, aturdido, e ela disse num tom fraco:

- Estou um pouco tonta... Acho que é a fome.

- Vou procurar algo para comer...

- Não precisa, anjo, estou bem! Só foi uma tontura, mas já passou.

Ela disse, se erguendo.

- Não, Evangeline! Você está fraca.

- Estou bem, não se preocupe. Aliás, o palácio de meu tio deve estar perto, eu resisto.

Evangeline continuou caminhando, mesmo não sendo a vontade do anjo. Até que os dois ouviram um gemido e não sabiam de onde vinha; ora, encontraram mais à frente um homem todo de preto caído e estava em reclames.

- Ai! Ai!

Ele murmurava, esfregando o olho direito. Evangeline fez menção de que ia se aproximar do homem, mas o anjo a impediu e disse:

- Evangeline, não.

Mas ela retrucou:

- Me deixe ajudar ele, anjo! Por favor.

E depois dela suplicar que deixasse-a acudir o desconhecido, o anjo teve de aceitar, contudo, permaneceu bem ao lado de Evangeline, à medida que ela interrogava o homem:

- O que aconteceu? E quem é você?

E ele respondeu:

- Sou um dos corvos daqui e estava guardando a luz do luar, quando entrou um cisco no meu olho e precisei descer ao rio para lavar o rosto, mas o cisco não quer sair e está me incomodando muito!

- Me deixe te ajudar.

- Você? Me ajudar? Você que é filha do bem, quer ajudar um corvo como eu?

- Meu pai me ensinou e sempre repetia que devemos fazer o bem à todos que nos vêm.

- Sendo assim...

Evangeline soprou suavemente no olho do homem e pediu que ele piscasse o olho consecutivamente, ele fez isso e uma lágrima rolou em seu rosto, arrastando o cisco com ela.

- Saiu! O cisco saiu! Ó, bendita eis! É certo que sejas filha do anjo bom. Obrigado! Há algo que eu possa fazer por vocês?

Falou o homem, e o anjo da guarda, em sua vez, disse:

- Pode nos trazer algum fruto bom para comer? Pois temos muita fome e penso que esses daqui podem nos fazer mal.

- Sim, trarei o que possam comer tranquilos! Aguardem meu regresso!

Ele transformou-se em corvo e bateu asas para longe. Chegou até um vilarejo onde moravam os servos de Malasas e camponeses. Lá havia comida boa, embora fosse em pouca quantia. Num voo rasante sobre uma banca de frutas, o corvo apanhou com os pés uma cesta cheia delas, ao passo que o vendedor o tangia em xingamentos, mas o corvo conseguiu escapar e levou a cesta até o anjo e Evangeline.

- Aqui está! Frutas fresquinhas e saudáveis.

Disse o corvo.

- Obrigada... Qual é mesmo o seu nome?

Indagou Evangeline.

- Eu... Não tenho nome.

- Como não? Tem que ter um nome! Como meu tio Malasas o chama?

- De corvo mesmo. Diz: "ei, seu corvo inútil!" olhando para mim. Mas não é só comigo, todos os corvos daqui não têm nome; acho que o mestre não tem paciência para dar nome a cada um de nós.

- E se nós te dermos um nome? Poderíamos chamá-lo de... Roxilas!

Evangeline falou entusiasmada, no que o anjo a fitou espantado. E disse o corvo:

- Roxilas? É, gosto desse nome! Ops... Preciso voltar para o céu, antes que o mestre perceba a brecha que deixei. Até mais! Ah! Qualquer coisa que precisarem... Gritem alto: Roxilas!

O pássaro voou para cima e retornou ao seu lugar no céu, enquanto Evangeline devorava as frutas e matava a fome.

Não sabia Evangeline que naquele mesmo momento a estrela à qual fizera o pedido horas atrás estava descendo do céu, em disparada; seu brilho chegava a ser como o fogo, como um meteoro vestido de chamas ardentes. Essa estrela caiu na cidade de Estemar e ganhou vida, uma silhueta de mulher; com sua luz intensa, caminhou até o palácio da rainha Casma e vendo-a se aproximar, os guardas preparam as espadas, mas não suportaram nem olhar para a estrela, em razão da forte luz que refletia e caíram em cegas. A estrela passou dos portões e apareceu os dois pés-grandes, Ice e Branco, no entanto, estes também caíram diante da estrela e ela passou para a sala do trono, onde estava a rainha Casma.

- Que-quem é você? O que quer? Ice! Branco!

Gritava a rainha, afastando-se em temor da estrela.

- Onde está o prisioneiro Asas do Bem?

Perguntou a estrela, chegando mais perto de Casma e quase a cegando.

- Lá no calabouço! Ai! Meus olhos! Meus olhos!

A rainha caiu sobre os degraus e a estrela desceu para o calabouço; todas as chamas a recebiam em festa, mas a escuridão a odiava e ia embora.

Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 16/05/2016
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