O ANJO DA GUARDA - capítulo V

"Lembro de quando meu pai e eu subíamos à noite na colina e ficávamos adimirando as estrelas. Sabe o que ele dizia?

- O quê?

- Que se olharmos para uma estrela e pedirmos algo de todo o coração, ela realizará o pedido.

- Pena que não possamos ver as estrelas aqui."

Asas do Bem foi levado para o calabouço junto com os outros prisioneiros trazidos por Har; o ambiente era gélido e a única luz vinha da janelinha no topo da parede. Anil, dos irmãos Arco-íris, notou a inquietação no olhar de Asas do Bem e falou:

- Você teve sorte de ter o destino de uma estátua de gelo, mas nós outros passaremos o resto de nosas vidas sendo escravos da rainha.

- Não creio que isso seja sorte; que destino será o meu congelado para exibição no jardim?

Disse Asas do bem, e os gêmeos Dici e Onário disseram no mesmo instante:

- Pelo menos não vai precisar carregar toneladas de pedras de gelo e cortar todo o coro das mãos.

Ora, na cidade de Corvus, Evangeline acabava de despertar do sono e alongando seus braços, disse em bocejos:

- Nossa, como eu dormi...

Mas já notou que algo estava errado só no tom da sua voz que engrossara, até perceber que seu corpo havia mudado e não era mais uma menina de cinco anos. Ela olhou estupefata para o anjo da guarda que estava de pé ao seu lado e perguntou:

- O que aconteceu comigo? Por que estou assim?

Respondeu em descontentamento o anjo:

- Acho que você comeu muitas balinhas de primavera.

- Oh, não! As balinhas! Mas, eu pensei que fossem apenas doces como quaisquer outros.

- Na verdade, eram as balinhas que te fariam crescer a cada ano de vida completado, então você deve estar com...

- Quinze anos; lembro que comi quinze balinhas. Ó, que desastre fui cometer! Agora, sou uma garota de quinze anos que nem sequer teve infância.

- Não, a culpa não foi sua, Evangeline! Eu deveria ter tomado conta de você e, era só uma criança faminta com um saquinho de balas; que mais faria se não comê-las? Me perdoe...

- Anjo! Não me peça desculpas, eu que me culpo por ter dado ouvidos àquela árvore louca.

- Árvore?

- Sim! Ela ficou sussurrando em meu ouvido para que eu pegasse o saquinho e comesse das balas.

- Seres malditos... Evangeline, não podemos dar ouvidos à essas criaturas daqui, elas são travessas e mentirosas! Agora levante-se, temos que ir.

- Espere, preciso me cobrir.

Evangeline disse, segurando o véu da cascanta em seu corpo e se pondo de pé; foi para trás de uma árvore e o anjo a seguiu, mas ela o afastou e disse:

- Você pode ficar aí, anjo.

- Mas...

- Não se preocupe, será rápido.

O anjo foi obrigado a aguardá-la do outro lado da árvore e a todo minuto perguntava:

- Já?

E Evangeline dizia:

- Calma, ainda não.

- Já está pronta agora?

- Não.

- E agora, está?

- Não, ainda não!

O anjo já estava ficando nervoso e inquieto, quando finalmente Evangeline saiu de trás da árvore vestindo o véu. Ela tinha feito dois buracos para pôr os braços e prendeu o véu com a fita vermelha de seu vestidinho na cintura, e falou:

- Pronto, já podemos ir.

Eles foram seguindo pelo caminho que o corvo havia indicado e mal sabiam dos infindos perigos que os aguardavam. Repentinamente, o caminho foi ficando estreito, as árvores dos lados se inclinavam e seus galhos se entrelaçavam e nisso, o anjo empenhava-se mais em escudar Evangeline e apressavam os passos. Subitamene, o chão começou a vibrar e brotaram dele diversas Dioneias (um tipo de planta carnívora) gigantes e abriam e fechavam rapidamente seus lóbulos com seus dentes mais afiados que de uma piranha, na tentativa de abocanhar o anjo e Evangeline.

- Evangeline, se abaixa!

Gritou o anjo, quando a planta quase pegou Evangeline, e ela se abaixou. Então o anjo apanhou um forte tronco do chão e começou a bater e espancar as Dioneias, enquanto voava e Evangeline corria. As plantas davam gritos agudos quando eram feridas e o anjo também era vítima de seus golpes dolorosos, as plantas abocanhavam seus braços e penas de suas asas eram arrancadas com todo o confronto, porém, ele não derramava gota alguma de sangue, os cortes cicatrizavam de imediato, mas o ardor ele podia sentir. Em compensação, nenhuma planta conseguia aproximar-se de Evangeline estando o anjo ali; ele destruía com toda sua valentia as da direita e as da esquerda, as maiores e as menores e Evangeline almejava alcançar logo o fim da estrada que parecia nunca chegar!

- Arh!!!

O anjo gritava de dor quando os dentes das Dioneias rasgavam sua pele, no entanto, resistia e não se intimidava e planta por planta ia despencando no chão e da boca delas saíam dezenas de pássaros, alguns ainda com vida ganhavam liberdade para voltar ao céu, outras não tiveram a mesma sorte. Estando pois a dois passos da saída, Evangeline deu um salto e caiu fora do caminho, logo depois dela saiu o anjo, ele estava bastante ofegante e tão cansado que quase não suportava ficar de pé. Ao se virar, Evangeline olhou para o anjo, não parou de fitá-lo, como se estivesse presa em seus olhos; estava surpresa e ao mesmo tempo adimirada, pois ele havia conseguido destruir todas as plantas, nenhuma delas havia sobrevivido! Foram quinhentas e trinta e quatro Dioneias.

Naquela cidade negra, ninguém podia saber quando amanhecia e quando anoitecia, em razão de que os corvos estavam sempre encobrindo o céu; mas naquele momento já era noite. Evangeline e o anjo da guarda haviam parado sobre uma passarela que balançava muito devido ao vento e Evangeline, virando o rosto para o anjo, falou:

- Você foi muito corajoso, nunca imaginei que alguém faria algo tão grande só para me proteger.

Ele disse então:

- É por isso que estou aqui, para te proteger.

- E você não se machucou?

- Não.

Respondeu sorrindo.

Evangeline fitou-o por mais alguns segundos e depois olhou para o céu, aquele mar de escuridão flutuante, e disse:

- Lembro de quando meu pai e eu subíamos à noite na colina e ficávamos adimirando as estrelas. Sabe o que ele dizia?

- O quê?

- Que se olharmos para uma estrela e pedirmos algo de todo o coração, ela realizará o pedido.

- Pena que não possamos ver as estrelas aqui.

O anjo foi contemplando todo o céu e viu num pedacinho dele uma estrela brilhar, então apontou para ela e falou:

- Veja, uma estrela! Algum corvo deve ter se desfocado do céu.

Evangeline olhou e vendo a estrela brilhar, disse:

- É verdade!

- Por que não aproveita e faz um pedido?

Ela fixou os olhos na estrela e respirou fundo, então pediu:

- Eu desejo, de todo o coração, que livre meu pai das mãos de seus inimigos.

O anjo olhou para ela e fez silêncio, porque ela estava chorando.

Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 15/05/2016
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