O ANJO DA GUARDA - capítulo I

"A menina segurava a mão do anjo e a todo momento olhava para trás, porque não entendia o que estava acontecendo e por que seu pai chorava e acenava da forma que ensinou a ela quando se despediam do sol."

Os dias nunca amanheciam na cidade de Corvus, aquele pedaço de céu era coberto de pássaros de plumagem negra que inibiam a luz do sol e do luar; era a cidade da escuridão, onde seres estranhos viviam escondidos para assustar quem passasse por eles despercebido. Tudo que ali existia fôra criado por um anjo mau e seu nome era Malasas, ou como muitos dali o conheciam: Asas do Mau. Ele tinha asas negras e olhos brilhantes e vestia um manto preto, porque era sua cor favorita e seu palácio era coberto por nuvens cinzas, onde ele maioria das vezes subia por seus degraus falsos e ficava ali encima a observar todo o campo.

Num certo dia que era noite em Corvus, este anjo mau foi informado por um de seus corvos servos, que sobrevoava os portões da cidade, de que já completara a quinta primavera a filha de Bemasas, ou Asas do Bem, irmão de Malasas, também seu maior inimigo, porque o bem é contrário ao mal. Sabendo disso, o anjo mau foi tomado por uma cólera e não entendeu o que o corvo pretendia com essa informação se não causar-lhe ódio, porém, o corvo concluiu dizendo que Luz, a cidade de Bemasas, não estava festejando aquele dia, pois andavam em temor sob ameaças de invasão de outros reinos que também odiavam Bemasas (por inveja de suas conquistas) e, pretendendo proteger a vida da filha, Bemasas pensava em enviá-la para outra cidade distante, pois, não importasse o que aconteceria com ele e seus guerreiros, mas queria livrar a filha. Agora, com essa informação, Malasas animou-se e teve uma grande ideia e disse ao corvo:

- Vai até meu odiado irmão e diz a ele que guardarei a vida de sua filhinha, em segurança, aqui comigo.

O corvo, que agora estava em forma de homem e todo vestido de preto, com um chapéu também da mesma cor e sobre sua face havia escuridão e ninguém podia ver seu rosto, olhou em espanto para seu mestre e perguntou:

- E se acaso ele não acreditar?

- Então diga a ele que não tem mais a quem confiar, se não a mim, e que apesar de odiá-lo, sempre me alegrou a vinda de sua filhinha e que a amarei de todo o coração.

- Mas que emocionante, meu rei!

- Não seja idiota! Isso é só encenação. Tudo o que quero é destruir a menina, já seu pai, os cavaleiros da morte que tomem conta dele. Livre de Bemasas e os seus, quem obstruirá o meu mal?

- Eu não sei, meu rei.

- Foi uma pergunta retórica, imbecil. Agora vá! E me traga a resposta de Bemasas.

Tornando-se novamente em corvo, o servo de Malasas saiu da cidade de Corvus e voou até Luz, ao encontro de Bemasas, este estava a brincar com a filha na ponte de cristais que ele mesmo construiu. Diferente de Malasas, Bemasas tinha luz e suas vestes eram azuis da cor do mar, seus olhos brilhavam como estrelas e suas asas eram mui belíssimas, tão brancas quanto as nuvens numa manhã de verão. Quando percebeu que se aproximava o corvo, Bemasas segurou sua filha contra seu corpo, temendo qualquer perigo. O corvo pousou na ponte e transformou-se em homem negro, mas a luz do sol que brilhava na cidade (porque lá era dia) incomodava-o demasiado e precisou puxar mais o chapéu e pôr o braço contra o rosto, para que a claridade não ofuscasse seus olhos. E Bemasas perguntou-o:

- Você é um dos de Malasas, não é? O que quer aqui?

O homem negro então respondeu:

- Meu mestre soube da condenação de sua cidade e que você pretende livrar sua filha dessa guerra...

- Sei que irei vencê-los! Mas quero que minha filhinha esteja num lugar seguro enquanto isso, para não correr nenhum risco.

- É exatamente sobre isso que venho tratar. Meu mestre deseja cuidar de sua filha.

- Malasas quer cuidar de minha filha? Acha que nasci ontem?

- Acredite! Ele está muito feliz pela vida dela, apesar de te odiar.

- Mas eu jamais a entregaria nas mãos daquele perverso!

- Pense bem, quem mais poderia lhe ser de confiança? Se todos têm se voltado contra você e desejam destruir esta cidade! Melhor que a menina fique com o tio, a ser entregue nas mãos de estranhos. E isso só será por enquanto, aliás, você mesmo disse que vencerá essa guerra, não foi?

- Sim... Mas, eu preciso pensar.

- Então pense. Voltarei para saber de sua resposta!

O homem tomou a forma de corvo e voou de volta para a cidade de Corvus e foi ter com seu mestre, que lhe perguntou:

- E então?

- Ele pensará na proposta. Não pareceu muito confiante.

- Mas ele vai aceitar, porque sabe que não tem escolha. Volte lá amanhã para buscar a resposta.

Assim fez o corvo, retornou dia seguinte à cidade de Luz e, pousando sobre o galho de uma árvore de flores roxas, ele assistiu de longe Bemasas entregar a filha a um anjo. O anjo era magnífico! Suas asas exulberantes e mais alvas que a neve, seus olhos pareciam dois cristais azúis e seus cabelos pareciam fios de ouro, foi a este anjo que Bemasas confiou a proteção da filha, somente a este, porquanto era o anjo que sua esposa Angelina, antes de morrer, apresentou-o como o anjo da guarda da filha que estava esperando em seu ventre.

- Por favor, prometa-me que a protejerá de todo mal que se puser em sua frente e que, se perceber que na verdade meu irmão Malasa só pretende o mal para com minha filhinha, me prometa que não permitirá que ele a tenha em mãos!

Disse Bemasas ao anjo, a derramar lágrimas dos olhos enquanto soltava as mãos da menina.

- Eu prometo.

O anjo falou, pegando na mão da criança, e completou:

- Se assim não fizer eu cumprir mnha promessa, que quebrem minhas asas.

Porque era a lei dos anjos, se caso não protegesse sua pessoa lhe seriam quebradas as asas e passaria a caminhar pelo vale da solidão, sem nunca mais poder bater asas sobre os campos e mares, como fazem os anjos, e sem a confiança de ninguém.

- Então leva-a até meu irmão e revela a ele seu nome, diga que se chama Evangeline e que tem cinco anos de idade.

Bemasas disse em final e beijou a testa da filha, deixando finalmente que o anjo a levasse embora. A menina segurava a mão do anjo e a todo momento olhava para trás, porque não entendia o que estava acontecendo e por que seu pai chorava e acenava da forma que ensinou a ela quando se despediam do sol. Após isso, o corvo fez voo até Bemasas e virou homem, disse a este Bemasas:

- Já estou a mandando a Malasas, avise a ele, e diga para que cuide dela muito bem! Porque confiei em sua palavra!

O homem negro, que era corvo, sorriu e abriu asas outra vez e voltou para Corvus, foi direto a Malasas, este perguntou:

- E aí?

E disse o corvo:

- E aí!

- Deixe de gracinha e diga logo qual foi a resposta de Bemasas!

- Ele já está mandando a menina e ela vem com o anjo da guarda.

- Anjo da guarda? Ha! Ha! Ha! Bemasas e suas ideias ridículas de "anjinhos da guarda"! Onde será que ele compra essas coisas, hein?

- Quer que eu pergunte a ele?

- Some daqui.

Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 10/05/2016
Reeditado em 26/07/2018
Código do texto: T5631535
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