Atropelamento e fuga
Toc, toc.
- Bom dia. Tudo bem? Aqui é o coração do Raimundo?
- Sim. Quem quer saber?
- Eu me chamo Perdão. Estou me mudando para cá hoje. Disseram que já estava desocupado...
- Como assim? Eu moro aqui há anos.
- Mas, quem é você? – perguntou Perdão, curioso.
- Me chamo Culpa e moro no coração do Raimundo há tanto tempo que nem me lembro mais – esbravejou.
- Sim – disse Perdão – mas, Raimundo andou fazendo terapia nestes últimos anos e finalmente posso me mudar.
- Ah! – exclamou Culpa com desdém.
- Estamos diante de um impasse, Dona Culpa. Eu fiz uma viagem longa desde a mente do Raimundo e pretendia me mudar para o coração dele hoje... – disse Perdão, antes de ser interrompido.
- E para onde devo ir? Para o intestino? Sim, porque se serei descartado lá me parece ser o lugar ideal.
- Bem, Dona Culpa, eu não sei...
- Então, Raimundo esqueceu a morte do garoto? – perguntou Culpa - Atropelamento e fuga, o menino tinha apenas cinco anos, uma vida inteira pela frente...
- Acho que uma coisa dessas é difícil de esquecer – falou Perdão – a questão não é esquecer, mas superar.
- Atropelamento e fuga – Culpa repetiu - a família da criança foi devastada, não tiveram mais filhos, os pais se separaram e deu nos jornais que a mãe se matou pouco tempo depois.
- Sim, Dona Culpa, mas...
- Sabe, caríssimo Perdão, o que dizem sobre a Vingança também serve para você, já pensou nisso?
- Não. E o que seria? – indagou Perdão, desconfiado.
- Que nenhum dos dois tem o poder de trazer o garoto de volta – respondeu Culpa.
- Bem, sim, é verdade... – disse Perdão, constrangido – Acho que vou embora e volto outro dia. Passar bem, Dona Culpa. – E deixou o coração do Raimundo, sentindo-se mal consigo mesmo.