O chamado

Um velho sábio caminhava pelas terras governadas por um rei tirano. Ao tentar cruzar uma ponte, encontrou um robusto guarda que lhe barrou a passagem. Dizendo que aquele caminho pertencia ao senhor do castelo, o soldado alertou-o de que a tentativa de atravessá-lo o levaria à morte certa. Tranquilamente, sem demonstrar qualquer receio, o sábio pôs-se a falar em rimas:

Que pensas, bravo soldado, a respeito das pedras que formam esta passagem?

São elas também de um único Homem, ou fazem parte da Divindade?

Por certo não se uniram sozinhas; isto foram os pedreiros que fizeram!

E o que seria da ponte se não fosse a mente do arquiteto?

O dinheiro do nobre a quem você serve teve também a sua parte,

pois se ele não houvesse, haveria quem trabalhasse?

Se estás certo de que a ponte pertence ao seu senhor, posso até lhe dar razão.

Ele a merece pela lei dos Homens, mas tem ele observado as leis de Deus?

Se seu patrão pagou com ouro, de algum lugar ele o tirou,

mas agradeceu a Natureza, que tão nobre presente lhe ofertou?

Ou por acaso queimou as florestas, como um aldeão me contou?

Além do ouro, a Natureza deu ao Homem também a carne e o pão

E se não fosse esse sustento, o que seria dos que ergueram a construção?

Já pensaste, bravo soldado, de onde vem a inspiração?

Pois sem ela o arquiteto não seria afeito à criação!

Veja bem meu caro amigo, o que eu quero lhe mostrar.

Deus dá tudo sem cessar, mas justos temos de ser.

Se da Justiça o seu senhor fosse amigo,

fome nas suas terras não haveria de ter!

Como pode Nada dar aquele que Tudo recebeu?

Nobre soldado, não lhe quero coagir!

Apenas falo para que penses na grandeza do Existir!

Se há coisas que são fáceis, é melhor desconfiar

Pois sob o céu, a terra e o mar há bem mais coisas para se achar

Se quiseres ver mais longe, muito além da sua visão

Vem comigo cavaleiro, pode a mim me acompanhar

A jornada não é fácil, mas a Verdade encontrará!

Se recusa o meu convite, mágoa alguma levarei!

Contudo peço passagem, pois seu senhor tenho de ver!

(Continua)