HISTÓRIAS QUE NOSSAS AVÓS DEVERIAM NOS CONTAR...

HISTÓRIAS QUE NOSSAS AVÓS DEVERIAM NOS CONTAR...

Era uma vez uma linda moça que morava numa aldeia com seu pai ,o emir e sua irmã,também muito bela.A moça era muito recatada ,muito prendada e fazia as delícias do pai que punha nela todas as suas esperanças.

A moça passava seus dias passeando entre as flores,escutando os passarinhos,enquanto tecia um belo tapete ,cantarolando:

- Cozo a vida

Cozo a sorte,se Alá quiser

Não cozo a morte.

Um anãozinho verde que morava além do arrebol achegou-se e fez uma profecia;daí a pouco tempo ela seria rica e famosa tudo graças á sua grande beleza.Marcela,assim se chamava a linda garota ,balançou a cabeça ,fazendo com que seus lindos cachos dourados brilhassem ao sol ,e disse que da vida só queria viver em paz um grande amor.

Então,o anãozinho falou:

-Ninguém na terra desfaz o destino imutável,

Não adianta tentar o irrealizável...

Um belo dia o Grão Vizir ,de quem era grande amigo e servidor avisou que viria fazer – lhe uma visita.

O castelo do emir entrou numa trabalheira, a criadagem foi toda convocada,limpos os cristais, areados os talheres de prata,passadas as toalhas de linho e colhidas as flores.Capricharam no jantar um bom couscous árabe,um ravióli de berinjela e queijo de cabra ao molho de azeitonas verde e uma paleta de vitela assada ,servida com merghez de cordeiro.Como sobremesa uma crostata de de frutas secas e especiarias em calda de gengibre.

Enfim,chegou o grande dia.Risos nos lábios,coração sereno ,o Grão – Vizir Michel desceu do camelo ricamente ajaezado em ouro e prata ,abraçou o amigo com muito afeto e disse:

-Allahur Akbar!Quanto tempo não nos vemos.Allah Todo Poderoso lhe conceda paz,saúde e alegria.

Posto o jantar ,belas dançarinas executaram a dança do ventre ao som do alaúde enquanto a fumaça doce e perfumada do narguilê enchia a pequena sala.

No serralho ,as duas irmãs sonhavam.Como seria o Grão – Vizir?Uns diziam que era um ancião muito rico ,mas,com um rosto sombrio ;outros que era belo e jovem ,cheio de força e com um coração pronto para se apaixonar.As moças sonhavam!

Terminada a prece chamada “elsohr” o vizir, o emir,os príncipes e convidados regressaram ao divã.Numerosos escravos trajados de linho branco passavam com pesadas bandejas de prata entre os convidados ,servindo iguarias finas,doces olorosos, refrescos e frutas.Outros escravos adolescentes traziam ricas bacias de ouro cheias de água puríssima e na qual os ricos senhores faziam suas abluções.

Então o emir bateu palmas e mandou abrir as portas do harém.

E as moças ,entre elas as suas duas filhas , entraram fazendo um alarido de vozes gorgeantes como bandos de pássaros.Todos os presentes calaram – se ,embevecidos ,diante de tanta beleza e juventude.

Num átimo o vizir pôs os olhos em Marcela cuja beleza resplandecia doce e suave,mas,ao mesmo tempo cheia de uma sensualidade irresistível.Minutos depois sentia – se profundamente apaixonado.E ,lembrou dos versos do poeta:

“Senhora,nestes versos que componho

Embora triste, alegre – estou sorrindo;

Para viver do amor todo meu sonho

É mister que a mim mesmo eu vá mentindo.”

Ao ver os olhos do potentado presos nela a moça,recatada,baixou os seus.Suas ilusões mais queridas desfizeram – se sem esperanças na correnteza da vida.Seu destino estava traçado.

No dia seguinte o vizir pediu a Marcela em casamento.

Resista,disse –lhe a irmã,ela própria sempre decidida a viver a própria vida.Vais viver eternamente no serralho ,vais passar toda tua juventude em brancas nuvens, passando pela vida sem viver, sem vontade própria, sem o direito de passear solitária entre gentes , gozar a brisa do mar, sem direito a amigos, sempre a favorita do sultão,fazendo -lhe as vontades, sem nunca poder viver tua própria vida e tuas esperanças? A troco de que trocarás tua liberdade?

“Basta a triste certeza de ser nada,

Basta a vaga esperança de ter tudo...”

Ao saber deste compromisso assumido entre uma jovem e um ancião as mulheres olharam –na pasmas;os homens a fitaram cheios de pena e incompreensão.

Enquanto o noivo sussurrava:

- De mim sempre terás consolo ,auxílio amparo e proteção.

Todos os olhos se voltavam para o futuro noivo da filha do emir . Era um velho insosso com cara de furão.Os passos lentos e medidos pareciam pesar sobre o fino mármore do salão.O rosto não inspirava confiança.

Depois de um silêncio pausado ,voltou-se para o emir e falou:

- Allah conserve a tua preciosa vida!

E a seguir ajoelhou-se e beijou a terra entre as mãos.

-Bajulador safado,disse um conviva.Sorriso falso.Sorriso de traição.

- É um perfeito babaca,disse outro.Pensa que beijando os pés do pai chegará mais depressa ao coração da filha.

Depois de muitos rapapés ,salãm e salamaleques cansativos para os convivas um paxá disse:

-Pretenderá esse homem com tantas cortesias nos impingir algum cargo ordinário?

-Soam mal suas bajulações. – disse outro –O adulador tem o mel na boca e o fel no coração.

O emir ,então ,resolveu por um basta naquilo e concedeu a mão da sua filha ao Grão – Vizir.

Partiu Marcela para seu destino. Bela,prendada e do lar. Sem sair do serralho.

“Felicidade! Felicidade!

Onde é que existes?

Desde a alvorada da mocidade

Meus olhos tristes

Andam perdidos a procurar-te

Por toda parte.”

Enquanto ajusta suas algemas de cristal a irmã de Marcela foi ser modelo em Paris. Sem recato!

Miriam de Sales Oliveira
Enviado por Miriam de Sales Oliveira em 24/04/2016
Reeditado em 05/01/2018
Código do texto: T5614904
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.