Às vezes tudo que queremos é alguém a quem possamos chamar de lar.

Comecei a ler meu livro, e lembrei aquela conversa que a muito tivera com uma menina que amou demais, mas raramente foi amada.

Ela era lindamente bela, bela porque suportava o que a vida propunha a ela, bela porque mesmo em meio ao caos sempre encontrava um jeito de ajudar as pessoas que por ela era amada, bela porque dentre todas as pessoas que conheci, caiu mais soube se reerguer com classe.

“Como sabe que não estou bem, moça?” Perguntou-me a menina de olhos pretos e cabelos como tais.

“Seus olhos.”

“O que eles têm?” Perguntou, com uma expressão engraçada tentando olha-los.

“Eles mostram sua dor.”

Ela me encarou e sorriu. Um sorriso triste e simplesmente encantador. Era um sorriso que escondia todos os tipos de segredos. Ela não sabia como os suportava, por que de certa forma, ela era um caos em meio a um turbilhão de esperanças que fora despojada nela. Pois sabe, segredos são isso, a esperança de pessoas que não suportaram sozinhas tamanha imensidão de sentimentos.

“Talvez, mas raramente alguém a ver”, respondeu-me e prosseguiu “os meus olhos, acho que foi puramente sorte ou simplesmente o destino finalmente conspirando ao meu favor, são pretos. E eles raramente transparecem o quão sofrida é minha vida, moça”.

E ao falar isso, baixou a cabeça, e de vagar começou a sorrir. Mas um sorriso só dela, o sorriso que só as pessoas mais observadoras conseguem ver, um sorriso de alegria. Alegria porque sabia que a dor que ela carregava era bela, alegria porque ela sabia que era de certa forma, o porto seguro de várias pessoas a sua volta, alegria porque finalmente entendeu que era amada. Mas não esse amor que é distribuído por ai em panfletos, era um amor que fora construído com muito esforço, e tijolo por tijolo, ela conseguira o que, talvez, mais queria nessa vida, que alguém a amasse.

“Moça?” Me chamou.

“Sim?”

“Como descobriu?”

“Você simplesmente deixa transparecer mais do que deseja, e na sua ânsia por construir muros, às vezes constrói pontes sem a menor intenção, e sabe, há muito tempo que eu não vira tamanha beleza, eu pensara que talvez não viesse a ver mais durante minha estadia aqui nessa confusão que chamamos de Terra. Porque diariamente sorrimos por puro hábito de fazê-lo, não vemos mais prazer em sorrir, felizes são aqueles que o consegue. E você que se denomina tão quebrada, consegue. E isso, esse dom, é simplesmente maravilhoso. As pessoas estão muito ocupadas em serem perfeitas, conseguirem um emprego que pague bem, mas esquecem de que um sorriso verdadeiro pode curar a alma mais despedaçada.”

“Quero saber como você soube moça, não como eu sou”, retrucou a menina de cabelos pretos e olhos como tais.

“Por que só outro alguém ferido e que possui um mundo nas costas, sabe reconhecer outro.”

Ela sorriu, e por incrível que pareça não o escondeu desta vez, e me abraçou. Um abraço doído, um abraço que deposita um, senão o maior, segredo que qualquer pessoa pode ter. O segredo da dor e reconhecimento. E finalmente soube reconhecer que o amor não é distribuído em panfletos, mas que é construído a partir de muitos muros e pontes construídos e destruídos.

A menina de olhos negros me soltou, voltou a sorrir e saiu pelas ruas afora. Saiu vazia de dor, pois há muito tempo não conseguia deposita-la em ninguém. A menina olhou novamente para mim, ao longe, sorriu e acenou e se foi. Partiu como se nunca houvesse estado aqui.

Despertei das minhas lembranças a sorrir e com os olhos cheios de lágrimas, ao pensar nela e em como ela estaria. Se tinha conseguido despejar novamente sua dor em outra pessoa, ou se finalmente conseguira um lugar ao qual poderia chamar de lar. Um lugar que finalmente poderia descasar seu pobre e belo coração. Levantei, coloquei o livro debaixo dos ombros, e entrei no lugar que conseguira construir, mas que não conseguia chamar de lar. Espero que a menina de olhos negros e cabelos como tais, tenha encontrado um lar e uma pessoa a que possa chamar de sua. Pois há muito tempo não via, e não voltei a ver, tamanha beleza em um ser humano.