O Final Da História De Um Fracassado
Uma chuva suave banhava a região dos Cefirs naquela fria manhã. O povo na aldeia acordava para cumprir suas funções. Cada um ali tinha noção de para onde ir e o que tinha que fazer para manter as coisas funcionando na aldeia. Cada um, exceto Sirse e Nefarsius. Apenas seu filho fora expulso, mas não havia mais nada naquele lugar para Sirse, além disso, que mãe abandonaria o próprio filho nessa situação? Os dois caminharam entre as choupanas sob os olhares curiosos das pessoas, entre elas, Lunia observava aquele a quem tanto amava sofrer sem poder receber consolo algum, dessa vez não havia nada que ela pudesse fazer. Tudo acontecera tão rápido. Mãe e filho rumaram para a saída da aldeia, carregando as poucas coisas que tinham, seguindo sem destino final. Não sabiam para onde ir, não sabiam o que fazer. Agora estavam por conta própria.
Por quilômetros os dois andaram sem destino, não havia ninguém no comando, eles apenas caminhavam. Transpassaram as planícies que circundavam a aldeia até alcançarem as florestas mais densas. De tempos em tempos paravam para descansar e comer. Sirse fazia a fogueira e Nefarsius fazia a única coisa que aprendera sobre caça com o pai: caçar Kakapos. Kakapos eram aves que não voavam bem e eram bastante burras, viviam em abundancia nas terras Cefirs mais afastadas. Infelizmente, para os dois, aquela era uma época de Kakapos magros.
Mãe e filho permaneceram calados na maior parte do tempo da viagem, não falaram sobre a morte de Ernou ou a blasfêmia que gerou a expulsão de Nefarsius. Entretanto, o olhar de Sirse já dizia tudo. Ela sentia apenas dor. Seu filho, apenas culpa. A única coisa que Nefarsius conseguia pensar era em como fora idiota em não ter ficado calado frente as provocações de Getiope. Talvez nada pelo que passava tivesse de acontecer. Ou talvez tivesse.
Já haviam se passado três meses desde a expulsão da tribo, Sirse e Nefarsius caminhavam abrindo caminho pela mata fechada em busca de uma clareira para passar a noite, contudo, findaram achando algo muito melhor e inesperado.
Com uma lamina rustica Nefarsius cortou algumas folhas a sua frente, revelando uma choupana abandonada. A mata já havia a dominado, plantas cresciam se moldando a madeira, partes do teto haviam há muito desabado, abrindo caminho para a agua regar a vida que crescia ali dentro. Alguns feixes de luz solares transpassavam entre as folhas das arvores mais altas e iluminavam o ambiente. Seria um bom lugar para passar a noite.
Nefarsius olhou para sua mãe e de volta para o local largado naquela imensa floresta, só então seguiu com cautela até a porta repleta de musgo, assim como as paredes. Quando abriu a porta ele pôde ver como toda a natureza havia se apropriado dali. Ele caminhou um pouco pelos cômodos, descobrindo o ambiente, quando voltou à entrada encontrou Sirse com a mão sobre uma velha cadeira de madeira dominada por poeira.
- Foi aqui que encontramos você. Lembro-me perfeitamente. – Disse ela sem tirar os olhos do objeto. Nefarsius ficou apenas a observando. – Essa cadeira tinha um apoio que impedia sua queda. Não sabíamos
quem tinha feito ou onde estava, mas sabíamos que você tinha fome, seu choro deixava isso claro para nós. Estávamos em uma caçada sem sucesso quando ouvimos você. – Continuou falando enquanto percorria o resto da mobília com a mão. Nefarsius já havia se sentado perto das plantas que cresciam dentro da casa, apenas a escutava. Ele sabia da história, mas nunca estivera ali. – Seu pai procurou por alguém por dois dias inteiros. Quando desistiu voltamos para a aldeia com você. – Uma lagrima escorria em seu rosto – Eu sabia que você não era como as outras crianças desde cedo. – Ela se aproximou do filho e com dificuldade se ajoelhou ao seu lado. – Ainda sinto cada segundo da ausência dele... Mas eu sei que a culpa não foi sua.
Nefarsius olhou em seus olhos, tentando distinguir uma mentira, mas não conseguiu.
- Você é o que você é. Eu acredito que tudo tem um proposito, querido. Eu acredito que você tem um objetivo maior do que todos nós. Nunca perdi a esperança de que encontraria seu próprio caminho e espero que você também nunca perca... – Um abraço aconchegante pôs fim a tantos dias de silencio doloroso e deu o pontapé inicial para seguirem em frente.
Poucos meses depois, após continuarem seu caminho para lugar nenhum, a morte alcançou Sirse, tão natural quanto nascer. Nefarsius, mesmo não valorizando as tradições da tribo, decidiu obedece-las em respeito a sua mãe, pois era naquilo que ela acreditava.
Então ele tentou fazer com o corpo de sua mãe o mesmo que fizeram com o de seu pai. Reuniu o maior numero de galhos que pôde e montou uma espécie de cama sobre uma rocha em meio a uma clareira que encontrara. Nefarsius colocou o corpo cada vez mais frio de Sirse sobre a cama de galhos com os braços cruzados e recitou algumas palavras que ouvira os Sábios Cefirs dizerem em situações como aquelas.
O Sol ainda nem começara a se pôr quando as chamas se espalharam pelos galhos, o fogo inundava as arvores próximas com uma luz dourada e tremulante. Nefarsius tinha certeza de que não aguentaria ver aquele processo até o final, então se distanciou e esperou.
Apenas após algumas poucas horas ele retornou, mas o resultado que encontrou o fizera cair sobre seus joelhos e levar as mãos aos olhos em lágrimas. Naquele momento ele chorou como uma criança ao ver o corpo de sua mãe em carne viva. Ele não percebera, mas os galhos que recolhera pela floresta estavam úmidos demais para queimar bem, então as chamas haviam se extinguido rápido demais, não completando a cremação.
A sensação de inutilidade o abateu com severidade e tudo em que conseguia pensar era em como sua mãe estava errada sobre ele e tudo mais, nem uma despedida digna ele foi capaz de dar para ela. Naquela mesma noite Nefarsius cavou um buraco perto da clareira e enterrou sua mãe. Sobre o tumulo de Sirse ele continuou a chorar até adormecer.
Pela manhã ele caminhava sem rumo pela floresta, ainda embriagado pela tristeza, quando se viu na beira de um penhasco com vista clara para a praia. Olhou para baixo e pensou em saltar enquanto sentia a dor dos últimos acontecimentos, mas algo no horizonte chamou sua atenção para o mar. O dia estava claro, o céu quase sem nuvens e sobre o oceano azul um ponto escuro se destacava.