UM CONTO DE PRAIA

Era ela naquela loja de artigos esotéricos, eu podia jurar, era ela, aquela moça de tranças longas usando vestido branco e leve, até os joelhos.

Fui até a entrada da loja e perscrutei o interior, através da imensa vitrine. Duas mulheres circulavam lá dentro, olhando a fileira de objetos de madeira, carrancas, santos, divindades, incensos, bibelôs. Nenhuma usava trança, nem vestido branco. Entreabri a porta da loja para poder observar melhor a clientela; a vendedora, ao me perceber ali na entrada, expressão atenta, perguntou se podia ajudar. Estou procurando alguém, respondi com pressa e com a estranha sensação de que estava cometendo um crime. Mas que crime? O de entreabrir portas de lojas para procurar alguém que não existia, ou que talvez existisse; há quem considere isso uma afronta criminosa à ordem natural das coisas. Fique à vontade, ela disse, e eu, tentando controlar o desconforto, vasculhei pela última vez aquele ambiente rústico, carregado de objetos, uns vítreos, outros de madeira, hermeticamente distribuídos sobre prateleiras, estantes e cômodas, todas elas examinadas com minúcia por aquelas duas mulheres de cabelos soltos, maiôs coloridos, carregadas de joias pesadas, prováveis turistas vindas de não muito longe.

Findo o exame, saí da loja sentido o peso do calor úmido e abafado que fazia aquela hora. Na viela principal, pouco movimento - somente alguns remanescentes da grande festa da virada e turistas argentinos circulavam por ali, bêbados e com a falsa impressão de que eram livres para fazer o que bem entendessem.

Decidi seguir caminho por uma ruela sinuosa que desembocava na praia central, onde se acumulavam toneladas de garrafas de espumante barato, latas de cerveja, restos de comida e resquícios de fogos de artifício.

Percorri toda a extensão da praia e verifiquei que, a leste, a faixa de areia estava deserta e livre da sujeira. Rumei pra lá, ignorando o sol e o vento salobro que maltratavam a pele e afetavam o juízo. Ao fim da pequena baía, servindo como uma espécie de esquina, um amontoado de pedras dava acesso a outra praia, mais bonita e tranquila. Estabeleci aquelas pedras como destino e apressei o passo, não que eu quisesse ou precisasse chegar mais rápido, na verdade minhas pernas aceleravam sem pedir licença, como se o cansaço fosse apenas meu, não delas.

A cem metros do meu destino, vi a mulher de trança e vestido branco, saltando entre duas rochas de tamanho razoável, bem perto da arrebentação. Vi com clareza quando ela olhou para trás, em minha direção, e fez um sinal discreto, quase imperceptível, me convidando para alcança-la. Minhas pernas, máquinas tracionadas feitas para percorrer areia fina, dobraram a velocidade; os blocos rochosos foram então se aproximando como um veículo em alta velocidade prestes a me atingir; o mundo de repente começou a girar e ao fim da última rotação eu me encontrava exatamente onde a mulher de tranças e vestido branco havia estado há pouco, esboçando algo que se presumia ser um sorriso. Um céu claro, sem nuvens e uma brisa leve envolviam a praia e a densa cobertura de mata atlântica sobre as falésias. Urubus aproveitavam as térmicas e planavam sobre minha cabeça; eles tinham visto tudo, sabiam para onde ela tinha ido, ou se ali ninguém havia estado antes da minha chegada; sabiam se eu estava ou não sob delírio.

Aquela esquina de pedra era também o lugar onde barqueiros apanhavam turistas para passeios de escuna. Eles reuniam cinco a dez pessoas em uma pequena jangada e as conduziam até a embarcação principal, atracada a alguns metros de distância dali. Não havia interessados no passeio àquela hora, razão pela qual um barqueiro veio até mim, saltando com agilidade sobre as pedras, e me ofereceu um passeio pela metade do preço. Disse que não, mas ele insistiu, você não vai se arrepender, ele garantiu. Convencido de que ele tinha razão, de que eu de fato não me arrependeria, o segui até a jangada e em poucos minutos chegávamos à escuna balouçante, guiada por um homem de idade, pele marcada de sol, mas com músculos firmes, um verdadeiro homem do mar.

A escuna tinha um amplo deck central, rodeado por corredores e bancos fixos, um chuveiro na popa e cadeiras de sol na proa. Numa daquelas cadeiras de sol estava a mulher de trança e vestido branco. Estava de costas, as mãos postadas sobre o busto, a respiração leve e compassada. Me aproximei, desta vez sem grandes expectativas, e para minha surpresa ela continuou lá, mantinha-se inerte à medida que eu avançava. Até que cheguei muito perto, podia sentir o cheio dos seus cabelos, uma música antiga invadiu minha memória, misturando-se ao cheio daquelas tranças. Avancei um pouco mais e toquei-lhe o ombro: naquele momento percebi que no rosto ainda desconhecido esboçava-se algo que se presumia ser um sorriso.

João Pegado
Enviado por João Pegado em 05/01/2016
Reeditado em 05/06/2021
Código do texto: T5501025
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