Aula de Português

Primeiro dia de aula na escola Bem-te-vi. E veja só, aula de português. Começamos bem.

A professora, nossa linda e bela tia Jurema, estava em êxtase. Pela primeira vez, dava aula para a 7ª série. Não sabia o que esperar. Queria acreditar que as crianças mais velhas seriam mais estudiosas e comportadas (ela só lecionava abaixo da 4ª), apesar do que diziam os outros professores.

Coitada da tia Jurema.

Dirigia-se à sala de aula. Pasta e livros abraçados frente ao corpo. O coração batia rápido, e ela estaria suando não fosse o ar-condicionado da coordenação.

Revisou mentalmente a aula que daria e achou-a meio seca e tediosa. Decidiu, então, acrescentar uma pequena brincadeira para quebrar um pouco o gelo. Tomou coragem, abriu a porta e entrou.

O primeiro choque foi térmico. A sala de aula era mais fria ainda que a dos professores. Gastou três segundos imaginando como os pirralhos aguentávam e mais cinco posicionando suas coisas em cima da mesa.

O segundo choque foi de expectativas. Em vez do caos inerente às turmas de 7ª série, encontrou cadeiras bem posicionadas, com belos alunos comportadamente sentados. Conversavam, é claro, mas num tom baixo e suave. O paraíso.

A entropia dali era impressionantemente menor que a das suas antigas turmas. Tia Jurema relaxou todos os músculos e não conseguiu esconder o sorriso no rosto. E o melhor: quando se virou para escrever seu nome no quadro, já havia algo lá escrito.

“Seja bem-vinda, Tia Jurema!”

Ao lado, a data.

Ela nunca leu Thomas More, mas achou aquilo a maior das utopias. “Que anjinhos!” pensou, enquanto abria sua pasta para ver a lista de chamada.

“Bom dia, turma!”, disse calorosamente.

“Bom dia, tia Jurema!”, responderam ainda mais quentes.

“Vamos fazer uma brincadeirinha. Ainda não conheço vocês, então quero que cada um faça uma pequena introdução. Vou chamar alguns nomes aqui na lista e, quando eu falar o de alguém, quero que fale algo sobre você, combinado?”

Vários “sim”, “ok” e “combinado” ecoaram. Uma cumplicidade incrível e de dar inveja. Nossa heroína (posteriormente apelidade pela turma de Juju) lia avidamente os nomes na folha. Escolhia com maior carinho o primeiro que ela conheceria. Que segredos aqueles filhos do néctar dos anjos esconderiam?

“Gonçalves! Onde está você?”

Um garotinho da primeira fileira levantou a mão.

“Me diga algo sobre você, meu filho.”, disse Juju, com um sorriso sincero enfeitando seu rosto.

“Vim de Caxias, mas esse ano vim pra cá.

As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.

Em fevereiro, nasci.

Sou bravo, sou forte, mas torço pro Sport.

Não tenho tanta sorte.

O campeonato, perdi.”, poetizou Gonçalves, menino prodígio. Só não falou mais bonito porque estava doente. Tinha uma tosse chata que já durava semanas e não sabia o que era.

A professora achou curioso, achou Gonçalves bem doidinho, mas prosseguiu. Botou o dedo em um nome aleatório e chamou:

“Augusto, meu anjo, pode começar a falar…”

Ele nem perdeu tempo. Sentava no fundo da sala, meio distante dos outros. Elevaria a voz para ser ouvido. Por isso, pigarreou.

“Sou filho do paraibano e do austríaco.

Vejo todo dia essa baitolância.

Sofro bullying desde a epigênese da infância.

Também porque assisto Cavaleiros do Zodíaco.”

A sala riu, ninguém é de ferro, Augustinho com certeza era o palhaço da turma.

Jurema não achou aquilo bacana, mas gostou tanto da turma que não se irritou. O que diriam os outros? Passaria o resto do dia ouvindo os pimpolhos, mas a vida é corrida e o tempo não para.

“Clarice!”

“Aqui, fessora!”, a menina loirinha (também lá no fundão) gritou. Ela tinha uma voz engraçada, parecia estrangeira.

“Pode falar, meu bem”

“Professora, eu sou dramática, intensa e transitória. Tenho uma alegria em mim que me deixa cansada pra caramba! Eu sei sorrir com os olhos e… Opa! Com a boca, hahaha, me confundi”, ela ficou vermelha como um pimentão, com vergonha de Castro Alves (seu paquera). Todos riram, e ela começou a chorar encolhida, abraçando as próprias pernas. “Parem com isso! Não me venham com seus meio-termos! Querem brigar? Venham a mim com corpo, alma, vísceras e falta de ar, então!”

E todos se calaram, fazendo-a parar de chorar. Ela riu, havia feito todos de bobo. Clarice não era do tipo que chorava.

E Jurema se decepcionou, aquela turma tinha os seus conflitos. Suspirou e foi dar sua aula de português, “vamos ver se eles pelo menos sabem a matéria”. Desistiu de conhecer Joaquim, Jorge e os irmãos Azevedo. Ignorou também Rachel, Graciliano e Carlos Andrade (esse era gaiato, era melhor nem conhecer mesmo).

Eita professora ignorante. Se esperasse mais 10 minutos, não se arrependeria agora. Paciência…

Escola Bem-te-vi, quem me dera ter estudado ali.

-20 de setembro de 2012

Lucas Goulart Almeida Silva
Enviado por Lucas Goulart Almeida Silva em 31/12/2015
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