O Fantástico mundo do nada

O Fantástico mundo do nada

Primeira parte

No principio não havia nada, nada além do caos e um silencio sem fim...

Do fundo de sua consciência ele sabia que havia algo de incomum. Ainda mergulhado no prazer relaxado que só a inexistência pode proporcionar. Ljón perturbado pela força da gravidade que existe na consciência, essa do qual não deixa nem mesmo a luz dos sonhos passar, de súbito despertou.

E a arrastado para o estado de confusão pouco comum, mesmo para quem acorda sem motivos, ele se admirou.

Se lhe disser que Ljón olhou a sua volta e embasbaquecido perdendo a fala, não vou esta sendo bem direto. Ele pronunciou uma frase, mas um clamor. Talvez as palavras que mais redimissem o conteúdo caótico que estava a passar por sua mente, seria uma mera exclamação. Talvez um “puta que pariu!” exclamaria bem a situação.

Gozado como a falta de razão pode nos deixar sãos, Estamos acostumados a perder muito tempo criando obstáculos para o mundo que vivemos, Estamos sempre pondo nossos sonhos a frente de todo resto, mas não existe resto quando estamos em estágios onde o básico é artigo de luxo. Entendemos o quão inútil somos quando estamos confortáveis, E se existe um deus, possivelmente ele nos chuta o tempo todo para frente ou para os lados, ou mesmo para trás. Se existe um deus todo poderoso, ele odeia nos ver parados.

A sociedade nos acostumou de um jeito bem medíocre. Vivemos facilitando a vida dos nossos descendentes, fazendo com que tudo se torne um pouco menos penoso. É assim desde que o mundo é mundo. Nossa prole é mimada! E bem que chegamos longe com essa mentalidade, mas será que longe é o suficiente ?

Acreditado por analisar o mundo de um jeito completamente único, os que são vitimas do infortúnio de ser o primeiro em qualquer coisa, os que estão na vanguarda de uma boa nova, logo percebem como é improdutivo manter qualquer ideia costumeira. Percebem que o mais inteligente a se desfazer de qualquer laço anterior e assumir que a lógica não serve de nada. Agora você compreende que a verdade dos fatos é que não existe uma conexão estável com a internet da sapiência. Em outras palavras todo seu conhecimento de nada vale se o objeto de estudo nunca foi estudado. E aí a mente humana começa a formular um padrão completamente novo. A consciência é mesmo uma máquina extraordinária em todos os sentidos! Mesmo quando nunca usada em seu formato explorador. A mente humana é capaz de usar dos artifícios mais elaborados para completar as lacunas em sua percepção. Esta gravado em nosso DNA. Toda criança analisa o mundo a sua volta e é sempre um mundo novo. E sabe o que a criança faz ? O transforma a sua vontade!

Se for necessário, qualquer um dotado do glamoroso título de ser humano, é capaz de criar padrões e os reconhecer. Mas e se você acordasse em um mundo vazio?

Assim foi o despertar daquela manhã para o nosso amigo Ljón, ou seja lá que horas foi o acontecido. Ao despertar em um ambiente em que não se reconhece nada, qualquer um pensa a mesma coisa: O que bebi ontem?

Ljón tenta se levantar, mas não consegue e fica parado no mesmo lugar, como se os membros não respondessem. Desesperado, tenta ao menos olhar a sua volta. E sabe o que ele vê ? Um infinito branco, sem profundidade, sem contorno ou sombra. Uma imensidão branca ao infinito.

- Meu deus, o que é isso? O onde é que estou, tem alguém aí?

Frases comuns para quem já se despertou em um ambiente estranho.

Mas e Ljón? Não, ele não fez nada disso. Tenho para mim que ele não acreditou no que estava acontecendo, ou já era costumeiro acordar em lugares sem um ínfimo de normalidade. Mas o que ele fez das milhões de opções? Ele e voltou a dormir.

É impressionante como as coisas não seguem um padrão, somos realmente únicos. Nossa personalidade quando não está inserida em nenhum contesto social, ela é simplesmente imprevisível. Acontece que muitas das vezes não acreditamos na falta de coesão da realidade. Estamos totalmente mergulhados nas normas universais, no comportamento físico do nosso ambiente, no comportamento social ou em qualquer outra coisa que reserva um padrão clássico. E quando esse “padrão clássico” some? Aí julgamos que não estamos em nosso estado normal. “É Mais fácil me convencer que estou louco do que o mundo inteiro ter mudado! ” Não é à toa que muitas vítimas de incêndios morrem por não reagirem imediatamente. Acreditar que o bizarro e o extraordinário é fruto de nossos sonhos é muito menos assustador!

Ljón teve um sonho conturbado, um misto de memória de acontecimentos e frases dispersas. Ouviu a voz de um amigo mandando ele voltar a ser quem era e dando tapas em sua cara e gritando :

- É tudo de verdade!

Uma frase ecoava do fundo, bem do fundo... Era a voz do seu pai dizendo:

- Pare de ser medroso, não vê que nada disso é real!?

Uma lembrança tão vaga e distante, tão distante que nem lembrava de sua existência. Aquilo era bem real, pois seu pai sempre o chamou de medroso. E realmente tinha toda razão!

“Eu era mesmo uma criança muito medrosa”.

Lembrava que quando criança adorava passear pelo bairro com seu avô. Seu amado avô foi um “encantador” contador de histórias. Que toda tarde se juntava a outros velhinhos para relembrar de acontecimentos do passado, e assim poder contar suas velhas memórias.

“Toda boa historia é feita do melhor drama, coada em humor e adoçada com mistério .” Seu avô e suas frases.

Seu sonho foi se desvanecendo e ele começou a ter mais controle sobre suas memórias. Foi passeando até o momento em que o seu avô explicou sobre a paralisia do sono.

- Dizem que é uma forma para podermos espiar o outro mundo; dizem que um duende fica sentado em seu peito para não deixar o seu espírito sair; também dizem que na verdade não existe duende nenhum e o que lhe prende ao corpo é uma corrente de prata; mas há também os que dizem ser só uma confusão nos hemisférios do cérebro. Que a causa da paralisia é problema de birutas do cérebro.”

Ljón se pegou analisando a resposta e logo apareceu uma pergunta contundente.

- Vovô, mas eu pude levantar e sair do quarto. Não havia nada me prendendo a cama.

O seu avô sorriu e disse:

- Então meu nobre leãozinho, você passeou entre o céu e a terra. Onde dizia shakespeare “há mais coisas que minha vã filosofia pode sopor”.

Era impressionante como as conversas com o meu avô eram de um valor filosófico fantástico. Mas ainda maior era inutilidade disso tudo para uma criança de 10 anos.

- É acho que tô louco! Disse Ljón ao despertar.

Soltou um sorriso irônico, pois no fundo guardava a sensação de ainda estar na velha presença de seu avô. Talvez algum amigo tenha feito uma pegadinha, e por isso estava naquele lugar desconhecido. E se assim fosse, não iria cair nela!

Levantou o dorso com certa dificuldade, seus membros estavam dormentes e sem tato. Talvez por dormir no chão, mas até o chão era estranho. Era quente, não era desconfortável, mas estava longe de ser uma cama. No seu íntimo Ljón começou a consultar suas memorias em busca de algo coerente. O que lembrava de ontem? Nada. Não lembrava de nada! E a cabeça doía cada vez que pensava.

- Bebi vodka de novo? Mas não é possível...

Essa sensação era familiar a Ljón, Essa era a única bebida que o fazia ficar completamente fora de si, Mesmo na adolescência, quando era comúm experimentar um “bagulho novo” toda semana. Nenhuma outra “bad” chegou perto de um porre de vodka bem tomado. Certa vez na época do carnaval, acordou no telhado do vizinho e lembrava disso com os amigos sempre que batia a nostalgia da juventude.

Beleza, então... Ele estava bêbado há algumas horas atrás, e sobre isso ele não tinha dúvidas, mas também isso não explicava nada!

- Que merda de lugar é este ?

Nada! Nenhum som, Ninguém responde.

Horas passam e o desespero bate, para tudo existe um limite, e principalmente para a piada, Na piada o essencial é o tempo, E se aquilo era uma piada, não tinha mais graça. E se aquilo não era uma piada, então era propositalmente uma tortura.

Seja lá quem o pôs ali certamente havia o drogado, pois estava se sentindo aéreo, os sentidos falhos, e quando olhou para baixo, viu seus membros sem foco. Ele já havia se sentindo assim, mas já fazia muito tempo. Uma vez tomou chá de cogumelos e aquela foi a pior onda que já se sentiu. Foi uma badtrip dos diabos! Na época ele tomou com os amigos e estes tiveram sensações maravilhosas, mas ele não! Ljón ficou muito mal, teve uma intoxicação severa e que resultou em um tormento psicológico. O pior nem eram as alucinações, o pior mesmo era a sensação de que estava afundando na sua própria consciência, era como se estivesse regredindo para camadas primitivas da sua própria consciência, e que sensação penosa! Se aquela sensação é o que os loucos sentem, pobre dos loucos. A leve brisa de realidade se desvai rapidamente quando o ambiente muda, e o tormento era exatamente esse “Não conseguir se adaptar ao espaço a sua volta”. Ou mesmo entender com profundidade a realidade a sua volta. A loucura vivenciada nas drogas pesadas faz com que o sujeito dê valor a sanidade.

- Beleza, tô drogado... Mas por que estou em um mundo branco? Mas que porra! Em que me meti? O que fiz ontem? Será que fui sequestrado?

Sempre haverá muitas perguntas para poucas respostas.

Ljón se levantou e decidiu olhar mais de perto, pois aquele lugar realmente era um lugar estranho. Era como uma cúpula, pois não se compreendia o começo da parede. Só havia um contorno, mas que parecia mudar conforme se expandia. Fora que simplesmente quebrava todas as leis da física, ou seria sua mente ébria que já havia distorcido a percepção? Seguiu até a parede próxima, mas não havia parede, parecia que existia um tipo de ilusão que fazia o ambiente parecer menor do que realmente era. O lugar não tinha fim nem começo, não havia portas, não havia nada!

Perturbado com a ideia de estar drogado, ele resolveu se deitar novamente, não estava conseguindo compreender o que estava acontecendo. E isso estava o agoniando e essa a agonia não era comum, Isso se aquilo tudo pudesse ser comum. O fato é que Ljón se sentia pressionado por algo pesado e destrutivo. Perdeu a fala e deslizou para o inconsciente, pois o inconsciente que nos protege de todo tormento, é o escudo que nos defende da cruel realidade. E lá se sentiu um pouco mais confortável E até sonhou. Estranho sonho, mas sonhou.

O sonho é como uma janela em um presidio, pois você só pode ir até onde seus olhos alcançam. Talvez a “janela” seja aquela pequena parcela de “humanidade” que preserva a mente do presidiário. Ali, olhando para o céu azul, ele é só mais um. Ele é apenas mais um em uma vastidão de pessoas, que assim como ele, só pode olhar. O céu é igual para todo mundo, pois o céu só se deixa olhar! Assim também é o sonho! O sonho é uma metáfora neurológica para a liberdade. Não é à toa que os depressivos querem dormir tanto, e também não é à toa que a insônia seja um reflexo da depressão. Só sei que quando dormimos damos uma bela pausa na realidade sufocante que reencontramos toda a manhã, pois certas realidades fazem qualquer pesadelo parecer charmoso. E quando só dormir não é o bastante o “fugitivo” Encontra um caminho nas ditas “substancias psicoativas”. Sonhar é como espiar um mundo “magico” pela fechadura da mente, e é exatamente isto que as drogas vendem “o sonho”. Os sonhos são curiosos, pois muitas das vezes existem neles alguns arquétipos, Estes que traduzem as perspectivas de nossa consciência. Consciência da qual nós próprio desconhecemos. Sempre existiu alguém para interpretar nossos sonhos, e talvez, até a própria psicologia tenha nascido dai. Mas se o sonho é um efeito químico e nosso cérebro utiliza este evento para se comunicar... Este efeito pode ser reproduzido? É aí que as drogas quebram “ barreiras” e trazem um pouco dos sonhos para a realidade! Tentamos não só fugir com as drogas, mas também nos encontrar nelas. Todos os que passam por algum tipo de “experiência introspectiva” nas drogas, enxergam o mundo com uma perspectiva completamente nova, Talvez a “droga” seja uma tentativa de olhar para nos mesmo com outros olhos, Talvez o “escudo” também sirva de espelho.

Ljón sonhou... E ele se viu em um mundo onde tudo que mais amava estava presente, todos os pensamentos bons eram reconfortantes, ele viu sua infância e os bons prazeres que só a inocência podia trazer, um bolo feito por sua avó em uma tarde de chuva e as brincadeiras na frente de sua casa, o dia que encontrou filhotes de gato e levou para casa “às escondidas”. Ele passou um mês alimentando os gatinhos, e os mantendo fora de vista dos adultos. Ljon sonhou com mais duas crianças, uma menina e um menino, que sorriam um belo sorriso. Era tão belo e radiante, e aquilo o também fez sorrir! “Mas quem seriam essas crianças, tão amadas pelo meu coração? Só de olhar para eles já o fazia querer sorrir! Por que me dói ter de sair de perto delas? Por que a realidade me parece tão obscura quando não estou perto delas?”

A vida de uma criança às vezes nos parece de uma vulnerabilidade tão grande. Quando envelhecemos esquecemos o quanto é forte a alma de uma criança. Todas as vezes que agora adulto você tem que tomar uma decisão importante, decisão da qual você precise de forças, determinação e vontade, Não se esqueça! Você só guardou essa força da infância, pois nada é mais forte do que a vontade de crescer! E nisso as crianças tem de montão.

O tormento vem com o medo da dor. O medo desperta o desespero, o e desespero desperta o descontrole.. E este último é fundamental para fazer você errar.

Já entendeu que o “erro” é o culpado pela a dor? Tudo isso são gatilhos infernais que uma vez acionado desperta todo o resto.

Existem sonhos revigorantes, sonhos que nos preparam, sonhos que nos dá o folego necessário para mergulhar na realidade.

Ljón acordou muito bem, e não esperava que tivesse passado a onda ilusória, aquela realidade branca ainda estaria lá e ele sabia disso. Mas relutou um pouco a abrir os olhos, pois estava com medo de ver algo pior que um infinito espaço branco. Ao abrir percebeu que continuava no mesmo lugar, e mesmo se sentindo um pouco mais confortável, aquilo ainda era desconfortante.

A “verdade” nuca foi muito confortante! Nós só usamos mentiras para dá plausívidade à realidade. A “realidade” não tem interesse com as regras, pois você pode ver que as estórias mais bizarras de um “contador de historias” são aquelas que realmente aconteceram.

Ljón se sentou ainda sentindo o afago do bom sonho em sua mente, mas ainda contradito com a insólita realidade. Ele desviou da memoria seu belo sonho, e começou a caminhar para compreender quais eram suas opções. Sua intenção era coletar dados, mas parecia que quanto mais pensava em coisas solidas e reais. Mais a realidade fugia dele. Aos primeiros passos Ljón notou algo que não havia percebido, o ambiente era morno, era agradável! E quando começou a andar percebeu que não fazia sombra, como se a luz preenchesse totalmente o lugar. Era uma tecnologia que não existia! E se existisse, porque estaria ele preso naquele lugar? Para que gastar tanto? Aquilo não era normal, não era coisa de gente! E ele se lembrou de um filme que assistiu quando mais jovem chamado “fogo no ceu”. Era a historia de um homem que havia sido abduzido e acordava dentro de uma nave alienígena. A historia despertou uma possibilidade, e o fez começar a desvanecer para um canto obscuro da mente. Ele pensou que era assim que começava todas as historias de abdução, pois o controle total da luz era o “super poder” dos Ets!

“Meu deus, será que fui abduzido?”

Esse terror começou a circular por sua mente, pois era a melhor explicação ate agora. Ele mergulhou em um pânico repentino.

“_ estou drogado, em um ambiente possivelmente inexistente, em um lugar que a luz se comporta de um jeito único.”

O que Ljón se lembrava das abduções? O filme mostrava que os ets testavam os seres humanos de um jeito bem cruel, eles eram feios, eram maus... Aquilo era um pesadelo horrível! E o medo começou a mexer com ljón. Ele começou a se desequilibrar como se o chão fosse feito de um material instável e o ar ficou frio. Não só os “calafrios” que o medo provoca, não! Ele sentiu o ar denso, e o pânico adentrou sua alma. A única coisa que Ljón desejava era ter um lugar para se esconder, mas este lugar não existia.

O medo é caverna escura que esconde a verdadeira natureza de cada ser.

Os homens apresentam diferentes jeitos de encarar o medo. Alguns aprenderam a despertar a coragem, mas não por predeterminação; Despertaram, pois foram bem sucedidos e usaram a coragem como sua ultima arma. Aqueles que são fortes aprenderam que o medo é necessário! Esses sabem diferenciar medo sadio da covardia alienadora. Já os covardes desistiram de tentar superar o medo, pois não foram bem sucedidos quando o tentaram.

Imponha o pânico a um leão e nunca mais o ouvirá rugir.

O medo nunca tem forma física, pois ele é a real ausência de parâmetros. sempre que acreditamos ser possível superar o medo, Ele já está instalado no mais profundo do nosso ser, e o medo que já se instalou dificilmente vai embora. A única forma de vencer o medo é desmerecer sua própria sanidade. A loucura não usa de parâmetros e tem a mesma grandeza que o próprio medo... E é exatamente por isso que chamamos os corajosos de loucos!

Ruim mesmo é quando a loucura se junta ao medo. Ai amigo, ai estamos perdidos.

Ljón sempre foi uma criança medrosa, nunca ousava sair do quarto depois que todos fossem dormir.

Seu pai era um homem decidido, e quando se decidiu a não ter um filho covarde, Ljón teve que enfrenta seus medos. Uma forma fácil de matar o medo é se apegar a realidade. Cada vez que algo inexplicável era contado, Ljón questionava. “Ah mais isso é impossível! Como um monstro habitaria um pântano se ele come carne humana; como um fantasma vivia nessa casa velha se o que ele queria era se vingar do mocinho; Por que um E.t viria de tão longe para roubar vacas ?”

Essa súbita mudança de atitudes, somada a uma desesperada tentativa de autopreservação, fizeram as tardes prazerosas com o seu avô se tornar não tão agradáveis assim.

O tempo passou e Ljón que era um garoto amável, mergulhou em uma sobriedade mesquinha. Afogando cada sonho, cada fantasia e toda possibilidade do extraordinário, só para o mundo ficar menos amedrontador. E ele assim se tornou materialista, ranzinza... Ele sempre soube que era um pé no saco. Não era raro o ouvi-lo discutir com outras crianças, pois a maioria das crianças detesta a realidade. É difícil amadurecer, e assim, sempre será.

Ljón se tornou um defensor da sobriedade, como ele mesmo dizia: “as fantasias são toxicas para uma mente racional.” Dizia a si mesmo “é importante desmascarar os titeriteiro.” Era um ateu militante, e muitas das vezes quando mais novo, adentrava igrejas confrontando lideres para desmascara-los. Ljón durante sua vida perdeu completamente o senso de respeito. E principalmente pela opção de se acreditar ou não.

Mas Ljón agora havia penetrado algo que não conseguia explicar, pois era uma realidade da qual ele não tinha vivencia, não tinha experiência. Odiava não ter hipóteses plausíveis para supor o que estava acontecendo, mas se pegou elaborando teorias. Teorias das quais sempre começavam com algo que ele não podia aceitar.

A primeira era a de que ele estava numa espécie de sonho, talvez uma espécie de coma? Ele já havia passado por algo parecido quando criança. “Como era mesmo o nome..?” Catalepsia projetiva ou “Sonhos Lúcidos”.

“_Mas como isso aconteceu?”

Era possível que ele encontrasse uma saída deste mundo branco se lembrasse do que havia acontecido. Essa ideia era a mais plausível, nem era tão anormal, era bem comum ter sonhos lúcidos. Quando era criança (quando não precisava de drogas para se manter afiado em suas inspirações) tinha sonhos lúcidos toda noite. Ljón era um crítico literário, e era bem comum exigir de seu cérebro tiradas “sagazes e irônicas”. Era comum um “baseado” rodar na mesa de edição e todo mundo voltar a ser criança com suas mentes férteis. O humor é mesmo a melhor forma de se lidar com o pavor, pois quando era criança aprendeu a usar sua sagacidade irônica para se proteger de seus medos. Naquela época as pessoas não conheciam as palavras “sagaz” ou “irônico”. Naquela época eles o chamavam de chato e arrogante. E não era raro está com um olho roxo devido ao seu abençoado talento para o sarcasmo.

Existem muitos tipos de humor e alguns são universais. Existe aquele humor de fundo de sala, aquela tirada inteligente, existe também aquele humor coloquial que nem é tão engraçado, mas dependendo de quem o faz, acaba por ser genial! O problema do sarcasmo é sua sofisticação, pois nem todo mundo alcança, e os que alcançam nem sempre admiraram, pois não o fizeram. A maioria das pessoas amargas desdém a tudo que querem comprar. E era com com o “humor” que ljon lidava com os valentões. Mas seu humor não ajudou a ser popular na infância, pois pessoas simplórias só veem graça em sorrisos quebrados.

Mas se essa espécie de sonho, de coma, não terminasse e ele precisasse superar todos seus bloqueios mentais? Ou qualquer uma dessas coisas no campo da psicologia junguiana? Seria isso tudo uma espécie de aceitação penosa? Seria algo que sua mente estava impondo para que ele superasse seus obstáculos sentimentais? Isso pareceu tão ridículos! Digno de um desastre literário que ganhou a pior nota que um crítico poderia dar.

Sinceramente é bem patético ter que passar por isso tudo, mas se então ele tem uma jornada para desenvolver, dessas de superação, E se ele tem que fazer algo para conseguir sair deste maldito salão dos horrores, se for assim, ele precisa de regras pra seguir, pois é assim que funciona tudo isso. Esses lances de superação! Regras são coisas básicas, e que existem em todas as jornadas de heróis.

Primeiro ele deve descobrir algo extraordinário...

A natureza da aceitação.

É da nossa natureza simplesmente aceitar.

Elisabeth Kübler-Ross descreve cinco estágios pelo qual as pessoas passam ao lidar com a perda. Todos as pessoas no mundo passam pelos cinco estágios completos, alguns demoram a concluir todo o processo, ficando estagnado em uma fase especifica por muito tempo.

1* Negação: "Isso não pode estar acontecendo, isso é loucura cara, vou dormir para ver se passa.

2* Raiva: "Por que eu? Quanto tempo eu perdi indo à igreja; mas deus nunca me respondeu; dizem que nesse momento de desespero ele se revela aos que não creem nele; Cadê você? Agora estou aqui chamando, ainda assim nada, malditos sejam os que creem nessa ilusão... Não é justo, com tantos assassinos por ae.. por que eu?"

3* Negociação: "Me deixe sair daqui apenas até meu livro ser publicado, juro que resolvo essa parada depois."

4* Depressão: "Eu costumava ser produtivo quando estava deprimido; Minha vida foi depressiva; Fui muito bem sucedido por ser depressivo, mas de que adiantou? O que não faria para poder fazer tudo diferente... só me restou lagrimas”

5* "Aceitação: "Eu sou muito burro, aqui eu posso tudo, aqui eu sou um deus!"

Negação

A negação é sempre a primeira escolha para tudo que é insólito, pois é possível que “negando” o problema se afaste, e assim o vemos melhor. Se afastando o suficiente para testar os argumentos, entender melhor o que está sendo apresentado. E por mais que a negação pareça uma atitude desesperada, ela é a primeira fase da aceitação.

Nenhuma lógica está bem fundamentada se ela um dia não foi confrontada. Negar a realidade é sempre uma boa maneira de sonhar!

Ljón acreditava que isso tudo era temporário, pois havia uma grande chance de tudo aquilo nem está acontecendo, não se sabia até onde aquilo tudo fazia algum sentido, E não conseguia lembra-se da última vez que comeu, ou bebeu algo, mas ainda assim não sentia cede ou fome. Ele desacreditava todo e qualquer pensamento que o fizesse conflitar aquela realidade da qual estava vivendo. Negava o desespero, pois tinha medo da influência que sua mente poderia exercer naquele mundo. Ele negava que sua mente estava no controle de tudo, mas no fundo tinha certeza que era tudo coisa de sua cabeça. Ate quando a luz o incomodava, momentos antes de adormecer, ele simplesmente sentia aquela imensidão branca esmaecer. E quando se sentia desconfortável, com seus calafrios causados pela instabilidade, ele sentia no chão o calor que emanava, amaciando e se moldando, entorpecendo seu ser. Ele estava fugindo para a porta da negação. E sabia que poderia se perder, pois adentrado esta porta encontramos a verdadeira ilusão.

Como dizia o velho Yoda: “O medo é o caminho para o lado negro. O medo leva a raiva, a raiva leva ao ódio, o ódio leva ao sofrimento.”

O Medo é o catalisador para quase todas as emoções desgastantes. Um ser humano sem medo é um ser invencível.

Raiva

A raiva é o sentimento mais presente no ser humano. É geralmente a primeira resposta ao estimulo negativo, e sem ela não conseguiríamos desenvolver a paciência. Shakespeare dizia que “a raiva é um cavalo fogoso; se lhe largamos o freio, o seu ardor exagerado em breve a deixa esgotado. ”

Essa frase é uma grande verdade! A raiva é como o “fogo”; e se o deixar queimar, logo acabará com todo material inflamável e ele morrera. A melhor forma de se acabar com a raiva é deixa-la seguir o seu rumo, pois impedir o fluxo deste sentimento é o mesmo que confiar todo o peso de um rio em uma frágil barragem. A raiva quando acumulada evolui para ódio, e mesmo hoje ainda não se conhece um jeito eficaz de se curar os males causados pelo ódio. Às vezes mergulhados em raiva temos a sensação que tudo que nos acontece, são frutos de uma perseguição cósmica. Ao sentir que o universo conspira contra nós, a primeira ideia é fugir. Mas só sabemos o quanto somos fortes, pela força daquilo nos rivaliza. E se o próprio universo se opõe a você.. é porque você é um rival à altura do UNIVERSO. A raiva é um sentimento fluídico que penetra no mais profundo de nossa consciência. Nem sempre percebemos o quão raivoso este nosso coração; Nem sempre percebemos como a raiva já mudou nossa forma de agir ou pensar; nem sempre somos nós mesmos quando estamos com raiva.

Ljón sabia que aquela situação era no mínimo incomum, sentia exatamente como se uma grande piada estivesse sendo formada, e ele era o alvo. Ele até tentou ver tudo pelo lado positivo, tentou se entregar aquela alucinação. Como um drogado se entrega ao “barato” de sua droga. Ele pensou que se não oferecesse resistência a sua mente levaria direto a conclusão disso tudo, mas não foi assim que aconteceu. Ele não estava contando o tempo, mas era provável que estivesse há dias, naquela merda de lugar! Ele sentia o ar ficar sufocante, sentia uma selvageria inevitável crescer dentro de si mesmo. O ódio estava formado e já não havia mais o que fazer. Ljón se lembrou de cada momento desfavorável em sua vida, cada segundo de amargor que já sentiu.

É impressionante como o sentimento tem uma natureza magnética! Se você sente amor é possível que apareça motivos para continuar sentindo amor, se sente medo todas suas memorias levarão você para um passeio no inferno. Há certo prazer em sentir raiva, pois a raiva tem logica própria e nos desperta para outro mundo. Um mundo mais palpável e desafiador, mas com um “Q” de neurose. O lado negro é bem real... E é sim, muito sedutor! A macula do ressentimento permanece no lado adormecido de seu cérebro. O mesmo lado que produz todas as respostas milagrosas, todos os talentos divinos, todos os sonhos deslumbrantes. O verdadeiro lado negro bebe do manancial de ideias que ainda nem surgiram. A mente não é um lugar seguro para se passear, pois é na mente que nasce os pesadelos! Quando se mergulha tão fundo na macula, você não consegue simplesmente sair, ela leva o melhor de você para um buraco profundo. A única forma de sair de lá inteiro é enfrentando os seus segredos.

Deveríamos ser mais como as crianças. Elas se comportam de maneira agressiva às vezes, mas logo que o sentimento passa não fica magoa, nem ressentimentos dolorosos, e não se cria raízes! Existe uma profunda beleza na inocência... E existe uma infinita sabedoria nas pequenas coisas.

Ljón estava sentando olhando para a novidade que aparecera em sua frente. Ele Estava olhando para o que poderia se chamar de “teto”. Ele percebeu que havia uma leve cor se movimentando acima de sua cabeça. Como se lanternas multicoloridas banhassem todo lugar; mas como a luz era muito “sutil” ele demorou a perceber. Acontecer que mergulhado no rancor, mergulhado tão profundamente em um sentimento tão poderoso, Ele deixou de ver o mundo a sua volta com os seus antigos olhos. O seu olhar de fúria o fez perceber a existência de outra realidade, Há sempre chamas em um olhar furioso, há sempre um mundo escondido nas sombras do antigo. Às vezes é preciso ter raiva para enxergar o que nós atrapalha.•.

Negociação

O princípio da negociação é tentar amenizar a perda de ambos os lados. Achar um coeficiente que seja “vantajoso”, ou menos “danoso”, para todos. A questão é que em qualquer negociação sempre se perde. Ao se negociar perdas, você administra a derrota. Existem tesouros que são valiosos demais para serem negociados, a vida é um desses tesouros, e embora tenhamos o tesouro da vida estamos em uma perpetua negociação com a morte.

Já haviam algumas horas que Ljón estava olhando para o que ele chamou de consciência das estrelas. As luzes começaram como pálidas sombras com tons avermelhados, agora ela já apresentava uma paleta de cores bem diversificada. Ljón percebeu que havia certa relação das cores com suas próprias emoções, ao que parecia tudo possuía uma resposta em duas cores. No começo ele demorou entender o que a segunda cor representava, pois, a primeira era bem óbvia. Tratava-se de seus próprios sentimentos. Quando ficava frustrado ou com raiva a cor era vermelha, era ate bem obvio, as cores representavam seus sentimentos e pronto. Mas e a segunda cor? Foi quando Ljón fez uma pergunta direta: _ segunda cor, oque ou quem é você?

E ela respondeu...• Em um branco brilhante. As formas pálidas daquilo que parecia ser o céu visto por trás de uma folha fina de papel. Ljón se espantou ao ponto de saltar e ficar de pé, e aquele susto formou quase que instantaneamente um clarão dourado, clareando tudo a sua volta, e pela primeira vez em muito tempo ele sentiu esperança. Agora ele sentia que aquilo poderia ser uma resposta, uma forma de sair daquele inferno.

Ljón já estava há muito tempo fazendo perguntas ao seu “universo particular”. As primeiras perguntas foram perguntas que talvez todos nós faríamos . “O que você é exatamente?”

E as figuras que retratavam o universo, mudaram para diversas imagens. Haviam Imagens como células vivas, tempestades com raios, ácido borbulhante, rochas, uma galáxia e até por fim, a figura do próprio ljón. “_ Você é deus ?”

O ambiente em seguida ficou escuro e a imagem mudou para uma superfície espelhada, fazendo com que a única imagem fosse à do próprio ljón:__ Então você, sou eu?

O reflexo se dividiu fazendo dois Ljón aparecerem. Um dos reflexos era o fiel! Sendo o outro a figura de um Ljón bem maior, mais belo, com aspecto descontraído e sorrisinho.

Essa imagem fez Ljón acreditar que a figura era a representação de sua própria consciência, sua consciência virtuosa, assim como nos livros de filosofia.

Ljón então se apressou em perguntar se aquele “Ljón virtuoso” estava ali para ajuda-lo, para auxiliar a sair daquele lugar, e com um aceno afirmativo o reflexo respondeu que sim. Mas ainda expressando no rosto sereno e sábio, um ar de mistério.

Existe um “Q” enigmático em um rosto sereno, é serena a expressão da esfinge, serena é a face de um esportista antes de vencer uma competição; É sempre serena a face dos que sabem que estão certos. Assim como é serena as aguas que reflete a luz da lua, e não há nada mais sedutor e perigoso no mundo do que a calmaria serena de uma noite de luar.

Compreendendo o quão instável estava seu coração diante daquela novidade. Ljón se ponderou em escolher bem sua próxima pergunta, pois não é que ele não quisesse se ajoelhar e implorar por socorro... Não é isso! Ele acreditava que tudo aquilo possuía um motivo e que logo se explicaria. Compreendeu que seja lá o que fosse aquilo, havia uma grande influencia de sua própria psique, Ljón sempre foi um homem inteligente e duvidar dos “porquês das coisas” sempre fora seu ponto forte.

Ljón encarou o reflexo consciente de que poderia haver regras para seja lá o que estivesse acontecendo. Então a próxima pergunta deveria ser bem direta, sem margem de erros, e Ljón perguntou: “_ como posso sair deste lugar? ”

E a criatura espectral começou a desenhar letras no ar com o dedo e escreveu a palavra “ACEITAR” de trás para frente.

Ljón então perguntou: “_ aceitar!?”

O “ Ljón espectral” fez que sim, concordando com a cabeça.

“_ mas aceitar o que? ”

Então no espelho apareceu um enorme livro que corria todas as páginas para o final. Parando e fixando na última onde estava escrita a palavra “FIM”.

Ainda sem entender o que aquela imagem significava, pois dentro de todas as possibilidades o que poderia significar isso? Aceita o final do livro, como assim?

“_Estou neste lugar porque não aceitei o final de algum livro? Isso é ridículo! Não lembro nem o último livro que de fato eu gostei do final. Será que todo meu álter ego se revoltou e acabou me prendendo nesse mundo por não gostar da forma que eu trabalho? Então me diz que livro é este que eu não gostei do final? ”

Com um olhar de suplício a criatura então estendeu a mão ultrapassando a linha do reflexo e entregando o livro diretamente nas mãos de ljón.

Ljón demorou alguns segundos para virar a contra capa e ler o que estava escrito na capa. Ele reparou no olhar de seu reflexo, e sabia que seja lá o que fosse, não era apenas um livro que havia ganhado uma crítica ruim. E então ele virou o livro sem cerimonias até chegar ao titulo grande e legível. “A vida de Ljón Løgstrup o caçador de fantasias”.

“__ essa é toda a minha vida? ”

A figura no espelho fez que sim com a cabeça.

__ Então você me dá este “livro” que conta toda a minha vida até o final. Ao invés de um filme que todos vêm antes de morrer, eu recebo um livro? Ahh cara! Tenho que concordar que é bem original da sua parte, e devo admitir, você realmente é uma versão melhorada de mim.

Lá Ljón ficou a ler toda sua vida, do começo ao fim, sem deixar escapar nada, revivendo as partes tristes inúmeras vezes.

É gozado como o passado pode deixar até o “pior dos momento” com um gosto palatável. Ljón chorou como uma criança nas já tão esquecidas partes “felizes”, e foi sem dúvidas o melhor livro já lido em toda a sua vida.

Depois de algum tempo dedicado à leitura e releitura de sua vida, Ljón adentrou o ultimo capitulo, sendo esse último capitulo um total mistério.

Ele havia esquecido tudo! Mas como ele pode esquecer?

Ljón leu ali seus últimos feitos na vida. Sua boa alegria em descobrir que havia se casado, Lembrou-se do nascimento de seu filho, Lembrou também do tormento de ver seu pequeno menino adoecer e morrer. Seus últimos anos fora triste! E da tristeza nasceu um homem dedicado a uma causa sem sentido, dedicou-se em atacar cruelmente tudo e todos que ia contra aquilo que ele acreditava ser verdade. Principalmente a tudo aquilo que um dia dedicou sua esperança. Ele fora bem-sucedido, muito bem-sucedido! Tornou-se um homem influente, pois logo após a morte de seu filho. O irmão de sua mulher, que era chefe de redação de uma revista, deu a ele um trabalho onde foi muito bem-sucedido, chegando a se tornar um dos principais cronistas do país. Cresceu por ser impiedoso e usar de um humor mesquinho para criticar qualquer coisa, pois seu humor era uma resposta a sua vida derrotada, e cada vez mais mergulhada na depressão. Existia nele um desejo inconsciente por dá um ponto final em todo aquele tormento particular. Tormento do qual ele nunca entendeu o porquê de tanto incomodo, tanto desconforto, tanta auto sabotagem... Como é inexorável o destino de quem se joga nas aguas turvas da desesperança. O pobre Ljón se tornou um alcoólatra, e depois de mais uma tarde de domingo ébrio, Ljón pegou o carro como de costume para comprar cigarro em um posto que ficava a poucas quadras de sua casa. Seus reflexos afetados pela influência do álcool o direcionou a um poste, E naquele momento seu corpo jazia natimorto em um leito de UTI, onde estava sua ex-mulher com sua pequena filha. Filha da qual era fruto de uma tentativa de salvar seu casamento, e lá estavam as duas sofrendo. Tudo por sua imprudência! Pobre de sua filha que não entendia o porquê seu pai fora tão agressivo, tão distante durante toda sua breve vida. Ljón entendeu que aquele ultimo capitulo era o seu estado atual e não tinha outra vontade se não voltar e fazer tudo diferente.

“_ como posso voltar, O que devo fazer, O que você quer que eu faça para elas pararem de sofrer?” Perguntas direcionadas ao seu próprio reflexo, que agora tinha o aspecto de quem sofre por solidariedade, mas ainda com um ar sábio e imponente o “Ljón espectral” respondeu. E agora pela primeira vez, com sua voz.

“A consciência é a voz da alma, as paixões são a voz do corpo.”

Jean-Jacques Rousseau

É interessante como sabotamos nossas verdadeiras inclinações, o nosso “Eu espectral”, tudo para nos adaptar ao meio que vivemos. Não há nada mais alienante que viver em sociedade. O desejo de ser aceito, ou estar em uma posição favorável em determinado círculo social, esse desejo nos faz querer ser aquilo que não somos. O desejo nos distorce, faz com que somemos características lesivas das quais nunca necessitamos. O ser humano que não conhece a si próprio desconhece o verdadeiro motivo de se viver.

Sua voz era doce, era firme e de uma autoridade sem igual. Da primeira palavra até a última, ela soou como um trovão, despertando o medo mais primitivo e profundo no ser. A consciência quando despertada, ela é a única força capaz de movimentar o destino.

“__ você não irá voltar para sua antiga vida, deixe tudo para o passado e desista, pois, você causa dor aos que te ama, eles precisam seguir em frente, desista pelo bem daqueles que te amaram, essa é a vida real e são essas ações de coragem que classificam os heróis de nossa realidade. ”

E com essa resposta Ljón compreendeu o quanto sua vida fora desastrosa, o quão fracassado ele foi em toda sua vida, ele sempre esperou uma jornada épica, digna de seus livros... Só para que pudesse mostrar o seu valor. Ljón fracassou na única jornada a qual foi confiado e nada iria reparar o que acontecera. Deixou que seu humor ácido, seus pensamentos críticos que outrora foram chamados de “charmoso” o corrompessem. Nutrindo cada vez mais uma personalidade cheia amargor e intolerância. Ljón abandonou quem foi a ele confiado; Ljón matou todos os momentos felizes da infância de sua filha; A sua ausência abriu um buraco que só será preenchido pelo vazio; não existe remédio para sequelas, não há nada a se fazer quando o monstro do pesadelo é você.

__ eu agora entendo o porquê do desespero diante a morte. Não é o medo do que vem pela frente, mas sim a certeza de que não posso derrotar os monstros que deixei para a trás. Eu preciso fazer com que ela entenda o quanto a amo, e como fui burro, como ela é preciosa. Deixe-me voltar e Juro serei breve, Juro falarei tudo rápido, pois eu preciso abraçar minha filha pela última vez.

E respondeu “Ljón espectral”:

_ Não há maior prova de amor do que deixar o seu amor também amar. Nós somos a mesma pessoa, a amo tanto quanto você, e não existe outro jeito. Você precisa desistir de tentar, pois as tentativas estão mantendo você lá.

A dor só aumenta quando se tenta, e nunca sessará até conseguir.

__ seja razoável! Você quer que eu desista de tudo? Quer que eu desista do amor que sinto pela minha filha, da vontade de viver que ainda existe em meu peito, da vontade de retornar e fazer o justo? Você quer que eu desista só porquê é o certo? Quem disse que é o certo? Quem estará aqui para me punir caso eu não faça? Você se mostrou para mim, e agora eu sei tudo que você sabe, sou tanto você quanto você sou eu. E agora eu sei de uma vez por todas, não existe nada além de mim mesmo. Eu sou à sombra da caverna e você é quem se projeta em mim. Estamos sozinhos e o que nos resta é um punhado de dias, e sabe lá quanto tempo terei. Você quer que eu largue os últimos momentos com minha filha? Qual a vantagem de se poupar um tempo que nem tenho? Se não haverá mais tempo para se usufruir, qual a vantagem de se poupar qualquer tempo? Eu ficarei aqui até o último momento, não existe um jeito para me tirar, não tenho alternativa. E se de alguma forma eu conseguir enviar só uma mensagem, já seria muito mais do que tenho.

O “Ljón espectral” o encarou com um olhar de misericórdia e falou:

_ tenha o tempo que achar necessário para compreender que não há mais volta. E durante esse percurso tente aprender a escutar a si mesmo, pois só um homem mergulhado em um sentimento irascível é possuidor de tamanho desejo, e um homem mergulhado em desejos jamais escutara suas virtudes.

E dito isso Ljón sentiu que seu tempo de negociar havia chegado ao fim. Sentiu que toda aquela força, toda aquela sabedoria, todo aquele seu esplendor e compreensão... Tudo que o “Ljón espectral” representava havia se afastado. No seu lugar cresceu um imenso vazio, escuro e sombrio. A negociação foi feita, mas os termos eram desiguais. No fundo Ljón compreendia que todo aquele discurso era só medo, e o medo neste momento havia vencido!

Depressão

O antigo mundo branco havia dado lugar a um sombrio e profundo abismo, e no fundo daquele lugar estava o atormentado Ljón. Sem saber como havia parado ali e sem nenhuma vontade de sair de lá. Ele não sentia, ele não falava, só observava calado e dolorido, sem coragem. Ele era possuidor de apenas um sentimento o “medo”.

No fundo daquela sepultura cavada na desilusão existia um homem sem esperança e sem nenhum sentimento. Ljón só tinha a imagem que seus olhos podiam capitar, pois de alguma forma ele conseguia ver o que estava se passando a volta de seu leito. Um corpo que já não mais o pertencia, pois o que restava de Ljón jazia no fundo de sua consciência.

É impressionante o poder da mente humana, pois ela resiste, mesmo que em condições desfavoráveis, mesmo quando o tempo é curto, mesmo que habitando o mais profundo de nós mesmo. Desenhamos universos para nos servir, onde o tempo é dobrado a nossa vontade. E Ljón imerso em agonia, já não compreendia quanto tempo havia se passado, embora entendesse que sua estadia naquele “limbo” havia prolongado a sua vida na terra, pois o seu corpo havia de alguma forma se recuperado. Ele não precisava mais de todos aqueles aparelhos para continuar respirando, mas seu cérebro havia sofrido tanto que era impossível que um dia ele voltasse a falar, ou mesmo mover seus olhos a sua vontade. Ele estava sepultado em sua própria carne!

Sua filha hoje já era uma mulher, e sempre o visitava naquela casa de repouso, ate sua ex-mulher aparecia uma vez por ano para chorar e ler algum texto antigo já muito esquecido, ela sempre admirou o poder que Ljón possuía quando lhe davam um papel e uma caneta, mas sua vida agora era um pesadelo e o seu estado era vegetativo.

Não existe felicidade aos que foram exilados, não existe amor e nem esperança, pois todos esses sentimentos precisam ser compartilhados para germinar. O que existe é angustia... Só angustia!

Ljon só tinha a sua volta a insistente presença do medo, e agora o maldito estava muito mais forte. O medo é a principal matéria prima da ignorância; o medo fez com que Ljón se rastejasse até essa existência sem perspectiva onde nem mesmo a esperança germina; o medo era sufocante e não deixava nem a sua razão se manifestar. Por mais de uma vez Ljón sentiu a presença de sua alma “virtuosa”; Por mais de uma vez “Ljón espectral” esteve presente, mas não conseguiu eclodir e o encontrar. Talvez façamos isso todos os dias, sufocamos nossas virtudes por medo.

Aquela “virtuosa” presença característica do “Ljón espectral” reaparecia cada vez que sua ex-mulher relia seus antigos textos. Ou quando sua filha o fazia lembrar os dias felizes, mas “Ljón espectral” nunca aparecia de fato, e as visitas eram rápidas e o tratamento para curar aquele estado de medo, era extenso e delicado.

Mas já havia algum tempo em que ele vinha planejando algo lá dentro de si, pois Ljón estava cansado daquele estado de tormento eterno. Ele compreendia o quão forte era, pois foi com sua própria força que enganara a morte! Ljon conseguiu estar próximo de sua filha novamente, mesmo que daquele jeito. Ali estava ele, mesmo que sem muita consciência, mesmo que só às vezes... Ali estava ele! E ele acreditava que quando sua filha tivesse por perto, quando seu outro lado também estivesse presente, e tudo estivesse completo. Quando este dia chegasse, ele sabia que de alguma forma teria uma chance. E até havia uma oportunidade próxima, pois todo natal sua ex-mulher o visitava junto com sua filha, mas o que fazer ate lá? Talvez explorar algum outro lado de si mesmo, talvez tentar lutar por si mesmo?

As memorias são bençãos que não sabemos usar.

Ljón havia se focado em tentar reunir as melhores lembranças que conseguisse, mas sempre era atormentado por uma visão amarga dos fatos que vivera. Até os melhores momentos eram manchados pela ansiedade que aparecia insistentemente, e ela trazia consigo uma preocupação com relação a sua própria memória. A memória tem a estranha característica de assumir propósitos e selecionar aquilo que favorece aos seus propósitos assumidos. Ele lembrava de como havia se encantado com a sua própria vida, recebera um livro contando tudo que havia vivido, e leu este livro com tanto gosto! Sem sombra de dúvida sabia que vivera uma bela vida, apesar de ter errado tanto, ele só não conseguia lembrar o lado bom. Talvez a depressão a qual se encontrava era tão profunda que o mantinha em um vale de eterna escuridão, escuridão que nem os raios de luz do “sol da razão” o alcançava. Então era melhor sair de lá, pois ele precisava da motivação necessária para uma última tentativa. Mas como sair deste lugar? “Como sair de um abismo cavado por mim mesmo? ” Como anular a desesperança, o medo? Como ignorar a depressão que age como a própria gravidade o empurrando para este profundo fosso? Como..?

Dizem que são as perguntas que movem o mundo. Essa afirmação pode ser até ser verdade, mas também são as perguntas que nos atrasa, pois consumimos muito de nosso tempo procurando por respostas. Quando houver perguntas, continue em frente, uma hora elas se auto responderão.

Ljón levantou, e não respondeu a primeira dor que lhe tocou os braços e pernas, ele deu o primeiro passo e depois o segundo, Ljón manteve o foco mesmo quando voltou a cair, ele se manteve firme mesmo quando a sombra do medo ficou mais escura. Ljón resistiu a todas as investidas do desespero, e como já é de costume aos que enfrenta qualquer coisa, ele aprendeu a não temer o seu maior oponente. Sua própria ganancia!

A mesma ganância que o tornou cruel, mesquinho, covarde... Ele a venceu sem ajuda de ninguém, nem mesmo do seu lado mais sábio. Sua consciência habitava o pior dos lugares, ainda assim saiu vitorioso. Chegou ao seu antigo e agora amado mundo branco, mundo do qual começara a mudar... E a cada passo que Ljón dava, o mundo mudava, a sua frente estava “Ljón espectral” e seu sorriso iluminou o universo. Sentiu novamente todo o poder que emanava daquela figura, sendo novamente capaz de acessar toda sua memória, e com um comprimento silencioso os dois se admiraram, pois tendo Ljón superado tudo aquilo agora ele era alguém a se admirar.

“Ljón espectral” deu alguns passos até Ljón e pegando em suas mãos falou:

“__ Está na hora de acabarmos o que começamos há tanto tempo, agora com você tão forte, talvez, tenhamos a chance. Seu corpo recuperou, mas não foi muito. Essa tentativa ira esgotar você por completo, e é provável que o corpo morra no mesmo instante! Você está pronto para o próximo passo?”

“__. Eu não vejo a hora de dar o último passo. Será que agora eu serei digno de todos aqueles heróis dos romances dos quais tanto dediquei minha vida? ”

“__. Você já é um desses heróis! ”

E dizendo isso “Ljón espectral” se fundiu ao Ljón tornando tudo uma única coisa, e abrindo a última porta.

Aceitação

Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte.

- Sigmund Freud

Era uma tarde de quarta-feira véspera de natal, até o quarto estava decorado e havia uma arvore de natal no canto, onde embaixo da arvore havia uma única e preciosa carta.

Existe certo “encanto magico” no natal, e não tem nada a ver com papai Noel, renas voadoras ou coisa parecida. Há um ar magico em como as pessoas agem umas com as outras. As memorias voltam à tona e nós temos quase que um dever moral de ser caridoso. No natal é inadmissível alguém passar fome, e é desumano ver uma família passar por necessidades na noite de natal. Uma tragédia na noite de natal é sempre uma tragédia muito mais dolorosa. Até o pior dos homens concorda com isso... “Por que não se pode ter natal todos os dias? ” Essa é uma pergunta que todas as crianças já se fizeram um dia! Inclusive você e eu.

O fato é que tentamos ser mais caridosos, pois temos na memória, ao menos uma, boas lembranças do natal. No natal presenteamos crianças para cativa-las desde novinhas a serem mais ameáveis no natal... Eh, acertamos nesse negócio de natal! É quase obrigatório demostrar amor e generosidade em pelo menos um dia do ano. Mas que pena que é só em um.

Aquele dia havia começado cedo para Ljón, pois eram 1 da madrugada quando ele conseguiu fazer um de seus dedos se mexer. Com muito esforço seu corpo reaprendeu algumas funções básicas, apesar de seus músculos estarem atrofiados ele as 3h já estava conseguindo mexer um de seus braços. Conseguiu encontrar o bloco de notas que ficava próximo a sua cabeceira, ali ele começou a escrever e não parou ate as 6h da manhã, quando já não suportava mais nenhum movimento. Achou também em sua cabeceira um envelope que continha um cartão de natal do qual ele nem se preocupou em ler. Endereçou o envelope a sua filha, pondo o seu nome bem em frente, deixou o envelope sobe seu corpo e adormeceu. Quando acordou se espantou ao ver que ainda estava vivo e de alguma forma ainda possuía movimento. Ficou bastante tempo observando o lugar, havia flores novas postas em um vaso, e o quarto mantinha uma espécie de arrumação que logo percebeu que só podia vir de sua ex-esposa . “_ ela sempre foi muito melhor que eu, pois ela sempre foi uma amiga de verdade.”

Ljon ficou bastante tempo olhando para a carta que agora estava debaixo da singela arvore, e se perguntando se havia dedicado a sua ex-esposa gracejos o suficiente, pois ela merecia. Felizmente ele iria poder estar com as duas, quem sabe ele conseguiria falar para elas tudo que sentia... As horas foram se passando e ele começou a ficar inquieto e atormentado com a possibilidade delas não aparecerem. O quarto era um leito de uma pessoa em coma, e talvez por isso ele não tenha visto nenhum enfermeiro ainda, mas já fazia algumas horas que ele estava acordado e nada de aparecer alguém. Mesmo sua memória sendo um pouco turva quando o assunto era a atualidade, ele lembrava-se bem dos dias em que era visitado, e nesta época de natal muitas pessoas entravam neste quarto.

“_ como pode até agora nenhum enfermeiro apareceu para ajeitar as coisas? ” Ljón tentou mover seu braço para próximo do telefone que ficava na cabeceira de sua cama, mas estava em um lugar do qual ele precisava se virar, ele precisaria fazer mais força. Tentou chegar mais perto, mas quando forçou seu corpo sentiu um mal-estar que logo se tornou algo muito maior.

O corpo de Ljón começou a entrar em colapso e ele sabia que seu tempo estava acabando. Os instrumentos de monitoramento cardíaco começaram a apitar, e não demorou muito para pessoas adentrem a porta. Enfermeiros e médicos estavam preparando suas ferramentas para algo que já não tinha conserto.

No meio de toda aquela gente ele avistou sua filha. Tão linda, tão doce que aos seus olhos ainda aparentava ser uma criança. Ele ainda desperto, mas sentindo uma dor quase que insuportável, tentou falar, mas suas cortas vocais atrofiadas por desuso não foram o suficiente. Sua amada filha conseguiu chegar próximo de onde ele estava, ignorando os médicos e seus aparatos. Ela esperou por isso tanto quanto ele e não importava o quão lamentosa era aquela situação, ela iria até ele e não havia força na terra que a impedisse. E quando ela chegou perto, um Ljón exausto enfim falou.

“_ você foi a heroína da mais bela história que li.. Obrigado! ” E com seu último esforço apontou para a arvore de natal. Enfim os médicos afastaram sua filha, mas ele pode ver a sua amada filha conseguir pegar o seu precioso envelope antes que a tirassem do quarto.

Logo Ljón escorregou para dentro do silencioso mundo da inconsciência. Mergulhando cada vez mais profundo, naquele surdo mundo, cada vez mais distante do mundo real. Logo só havia ele e mais ninguém. Ali ele teve certeza, não existe nada além da mente humana. Somos extraordinários, mas ainda assim, somos perecíveis. Sem dúvidas a maior criação do homem é a ilusão de um deus, a ilusão de que o mundo é só um faz de conta.

_ Agora entendo, mas quem vive nunca vai entender! Estou quase deixando de existir por completo, Sei disso e estou bem com tudo, pois agora posso morre em paz.”

E cada vez mais profundo em sua mente ele abandonava a sua própria existência. Até que no fundo de sua consciência ele falou: “_ morrer é como dormir...”

E alguém respondeu: “__ não! Morrer é como acordar...”

A colônia

Do fundo de sua consciência ele sabia que havia algo de incomum. Ainda mergulhado no prazer relaxado que só a inexistência pode proporcionar, Ljón perturbado pela força da gravidade que existe na consciência, essa do qual não deixa nem mesmo a luz dos sonhos passar. De súbito despertou!

Ao seu primeiro olhar ele viu um céu azul profundo, com muitas camadas e diversos planetas enormes, tudo circulando em um céu multicolorido. Ao olhar para o lado ainda com os olhos doendo, viu pessoas deitadas no que parecia ser um jardim infinito, ainda deitado e confuso Ljón percebeu que se aproximava um homem muito jovem, e sua vestimenta era de um branco reluzente, mas era tudo extremamente insólito e estranhamente normal! O jovem chegou bem próximo e com uma voz doce ele disse:

__ Bem-vindo a colônia.