O Sonho de uma Jovem Garota
Durante muito tempo, me prendi unicamente à um sentimento de vingança. Vingança por aqueles que amei. Vingança pelo desejar da felicidade. Vingança por não ter nada em minhas mãos. Todos os dias, eu desejava dizer para mim mesma que tudo não passava de um simples pesadelo, que outrora, iria despertar-me e aliviar-me. Mas obviamente, isso seria apenas um sonho a não se cumprir.
Acordei extasiada ao ver um tão lindo sol acima do horizonte, uma brisa que insistia em fazer meus cabelos levantarem, e o som das cigarras que persistiam em perfurar meus tímpanos; era uma sensação agradável. Fui até a cozinha, e vislumbrei uma visão: Minha mãe com um avental branco; seus cabelos sedosos presos à uma xuxinha; uma saia, relativamente longa; e um sorriso indescritível em seu rosto. Ela cantarolava uma música que minha avó recitava para mim quando eu era criança. Aquela sensação, apesar de agradável, feria meu coração de uma forma angustiante. Dei um sorriso perante aquela nostalgia, e fui preparar meu café. Todas as manhãs eram assim, solitárias. Meus pais morreram à cinco anos atrás, e mesmo assim ainda não consegui superar essa perda. Meu irmão se tornou um sacerdote do reino de Allekant, e eu fiquei aqui, sozinha. Mas não foi sempre assim. Seis meses depois de meus pais falecerem, meu tio-avô cuidou de mim. Ele me ensinou sobre magia e me deu aulas básicas em combate. Já que meu objetivo é me vingar do reino Kou.
Arrumei minhas coisas e sai de casa, como de costume. Fui para a Floresta de Delfos. Divindades e espíritos caminham por lá. Por conta de eu conseguir enxergá-los, eles são a única coisa que não me deixa realmente solitária. A floresta era realmente linda, o rio que desaguava lá deixava-a ainda mais linda. Eu tinha alguns amigos lá. Mas os que eu mais considerava eram Kuria e Haku. Kuria era um espírito da natureza, ela ainda era uma criança, mas sua beleza era estonteante. E Haku era um espírito da luz, ele era bem travesso, era engraçado ver como ele irritava Kuria. Os dois eram ''irmãos'', Liward era o pai de Kuria e a divindade que guardava aquela floresta, ele cuidou de Haku desde que tinha três anos. Chegando perto do rio, vi Kuria com os olhos arregalados e uma expressão de pânico estampada em seus olhos. Sem que ela me percebesse, me escondi dentre os arbustos e percebi que Kuria estava agachada perto de um corpo. Espera, um corpo? Será que alguém morreu? Se for isso, faz sentido sua expressão apreensiva. Kuria começou a berrar.
-Não! N-não pode... não pode ser! Ha-ha...ku... me responda.... por-por favor... Haku... - Kuria berrava e chorava. Era de Haku aquele corpo? Sua vitalidade estava se esvaindo, eu sentia isso. Decidi sair dos arbustos.
-Kuria... o que aconteceu? - Perguntei, enquanto me aproximava dela. Haku estava ensanguentado, seu peito estava atravessado por uma flecha. Uma flecha branca.
-Linh... o Haku es-está.... ele está.... -Kuria estava trêmula, seus olhos estavam com um vermelho jamais visto antes, sua raiva e agonia podiam ser sentidos à quilômetros de distancia. -Eu não posso acreditar.... eu não consigo proteger... ninguém... -Lágrimas rolaram de seu rosto. Até que um leve suspiro veio de alguém. Eu permaneci inerte para ouvir suas últimas palavras a serem pronunciadas para Kuria. -Ha-haku... -Os olhos dela se iluminaram.
-Kuh... Ku...ria... -Disse Haku, com uma voz baixa e quase inaudível. Ele deu um sorriso. -Sabe... se lembra... de quando... nós conseguimos combater... um Yomi? - Kuria assentiu, e deu um leve sorriso. - En-então... aquele colar... que eu lhe... dei também... ainda está co-... com você, né? -Perguntou ele, e em resposta ela estendeu um colar que estava em seu bolso direito de sua vestimenta. Era um colar prateado com um símbolo dourado no meio. Os olhos de Haku se iluminaram. -Ah... certo... prometa-me uma coisa... Kuria... - Seus lábios se mexiam conforme falava, mas sua voz era inaudível, Kuria chorou, e sorriu em resposta. Haku fechou seus olhos, para nunca mais abrí-los. Percebi que lágrimas escorriam pelo meu rosto, decidi secá-las antes que Kuria as visse.
Um forte brilho se propagou sob Haku, seu corpo começou a se esvair, deixando apenas seu colar branco com pétalas. Kuria pegou o colar, e o pôs contra seu peito, deixando suas lágrimas e angustia rolarem. Peguei um lençol e o coloquei em seus ombros, ajudando-a a caminhar para sua casa. Durante o caminho, ela não disse sequer uma palavra, ela ficou apenas agarrada ao colar de Haku. Ela realmente o amava... Avistei Liward, ele estava usando um manto azul, e estava aparentemente preocupado. Ao vê-la um alivio estampou-se em seu rosto, mas ao ver o estado de sua filha, sua preocupação e angustia retornaram. Ele a levou para dentro de sua casa. E me convidou para entrar também.
-Linh, poderia me contar o que houve? -Disse ele com uma expressão séria.
-Eu não sei ao certo. Quando cheguei na floresta, vi Kuria debruçada sob Haku.... Ele estava ensanguentado.... -A expressão de Liward continuou a mesma, como se entendesse a situação. Ele esperava por isso, ao ver o estado de Kuria.
-Foi erro meu. -Ele pôs suas mãos sobre a cabeça, e começou a lamentar-se. -Como protetor desta floresta, não consegui sequer salvar Haku, meu filho! Sou falho como divindade.
-Isso não é verdade, Sr. Liward! Tu és um dos seres mais poderosos e gentis que eu já conheci! -Não adiantou muito eu falar isso, então contei-lhe... sobre tudo. -Sabe Sr. Liward, foram humanos que atacaram Haku... e Kuria. Possivelmente, eles eram do reino Kou... -Ele me olhou surpreso.
-Humanos? Humanos do reino Kou? O que isso quer dizer? Isso é uma blasfêmia para nós, deuses. Humanos estão se rebelando contra deuses? -Assenti com a cabeça. Suspirei.
-O senhor pode não saber, mas o povo Kou começou uma rebelião contra todos os deuses, espíritos, yomis, elfos... qualquer raça que não seja humana... eles a matam. Isso já faz anos. Tentei não conta-lhe para não aterrorizá-los, mas.... -Uma lágrima escorreu em meu rosto impedindo-me de continuar a falar.
O sr. Liward se levantou, e me dispensou. Me despedi de Kuria e contei-lhe que amanhã iria partir para Summa. Ela pegou um anel e entregou para mim. Eu não sabia o significado disso, mas apenas aceitei. E agradeci. Depois de me despedir de todos da floresta, eu fui para casa. Chegando lá, uma escuridão se estendia em torno da casa. Pelo visto a noite seria longa.
Haku e Kuria estavam sentados embaixo de uma cerejeira. Os dois conversaram e riam. Decidi me juntar a eles. Enquanto eu caminhava, meus pés pareciam estar sendo perfurados por alguma coisa. À medida que eu tentava me aproximar deles, eles iam se afastando. Eu gritava, berrava por eles, mas eles não ouviam. Por fim, eles olharam em minha direção, aliviada eu consegui chegar perto deles. Com os olhos absortos, Kuria permaneceu inerte, me encarando; enquanto Haku sangrava pelos olhos, ele começou a se deformar e virou um yomi. Ele se tornou áspero e horrendo, Kuria estreitou seus olhos e ordenou que Haku, não, que aquele yomi me matasse. Sem pensar duas vezes, eu corri, e muito! Me perguntei o porquê daquilo tudo. Quando eu estava perdendo aquele yomi de vista, me deparei com minha mãe. Ela estava com um sorriso no rosto. Eu fiquei paralisada. ''Não pode ser'', pensei comigo mesma. Ela estendeu sua mão para mim, quando eu ia segurá-la e abraçá-la, uma flecha atravessou seu coração. A mesma flecha que levou Haku à morte. Minha mãe caiu de bruços. Antes que eu pudesse me dar conta de situação, minha mãe se levantou, mas essa não era mais a minha mãe. Ela dizia coisas como, ''Você é uma inútil, incapaz de proteger sequer uma criancinha. Seu amigo Haku morreu, não é?'' Eu que estava correndo, me paralizei ao ouvi-la dizer essas palavras. Me virei na direção dela que corria lentamente atrás de mim. Ela tinha cabelos negros, sua pele era branca como a neve, e de seus olhos escorria uma substancia negra. Seus cabelos flutuavam naquele ar, ela andava de uma maneira desengonçada. Eu parei e baixei minha cabeça, estava pronta para proferir um feitiço, mas antes que o fizesse minha cabeça rolou ao chão. Vi meu irmão, meu tão querido irmão, empunhando uma espada ensanguentada. Me perguntei o porquê daquilo, e acordei sobressaltada.