O Velho Da Montanha

O velho doente em sua cama, os seus olhos perdiam a luz que o fez viver estes anos todos. O velho da montanha vivia os seus últimos minutos, longa foi já sua vida. Ninguém chorava mais que sua única neta, mas todos aqueles que o rodeavam nesta hora difícil o lamentavam.

Em sua velha cabana, em sua velha cama. Tudo isto morria com ele, pois tudo isto acompanhou o seu viver. Havia um vento cabisbaixo, todos eles, os animais, as plantas. Todos eles cabisbaixos. O velho morria. O velho que cuidou de todos, sem excepção. Todos eles estavam gratos por conhecer o velho da montanha.

A morte chegava, fria e impiedosa. A morte chegava pois tinha de chegar, o velho viveu o que tinha de viver. A morte chegava, fria e impiedosa, fazia arrefecer aquele dia quente de verão. A morte chegava, também ela cabisbaixa, o velho da montanha era quem ela vinha buscar. Então, sua mão, fria e impiedosa, pousa sobre o peito do velho. Ele que já não tinha forças, já não sabia o que sempre soube, apenas sabia de quem era aquela mão, fria e impiedosa.

O velho da montanha havia morrido. Sinistro era toda aquela paisagem que, outrora, feliz era. Feliz e despreocupada com a lei natural da vida. Mas, agora que o velho da montanha morreu, a natureza morreu com ele.

A neta do velho encosta a sua pequenina cabeça sobre o peito do velho, havia ainda viva uma esperança. Coitadinha, era muito nova para compreender, a menina acreditava que o velho acordaria. Acreditava num último abraço de seu avô. Talvez a morte não seja assim tão fria nem tão impiedosa.

Ouve-se uma inspiração e uma expiração. Ouve-se vida algures. Toda a montanha a ouviu, toda a montanha ansiava para saber de onde vinha a vida. O peito do velho voltou a encher de ar, seu coração voltou a bater. Milagre! Todos chamavam pelo nome do velho, todos tentavam que o velho acordasse, todos.

Nisto, o velho abre os olhos de uma forma muito brusca, todos se aterrorizaram, todos se aprisionaram na expectativa. O que estava a acontecer?

O velho levanta-se da cama, apenas com um pano a cobrir-lhe a anca. Sai fora da cabana. A magreza do velho era extrema, os seus ossos se destacavam da pouca carne que tinha. Todos estavam imóveis, ninguém era capaz de dizer uma única palavra. Todos os animais, todas as plantas, a própria morte. Tudo estava perplexo.

O velho caminha, sobre a húmida erva da montanha ele vai, em direcção ao ponto mais alto da montanha. Todos o seguiam.

Ele parecia consciente, parecia extremamente concentrado, o velho parecia que sabia perfeitamente o que estava a fazer. Aquilo tudo era assustador, ninguém sabia o que estava a acontecer nem o que estava por acontecer.

Isto, até que uma luz, que quase cegava os olhos de um ser humano, se criou no ponto para onde o velho caminhava. A luz produzia uma energia incrível, era extremamente quente e fazia um ruído ensurdecedor, todos menos o velho caíram no chão pois era impossível se manterem de pé.

O velho caminhava em direcção à luz, ninguém o podia impedir, simplesmente era impossível, por muito que tentassem. De uma forma inexplicável e horrenda, perante a energia da luz, o velho começa a desintegrar-se. A pele do velho se desfazia da carne e caía na erva. Deixava um rasto do seu próprio corpo, deixava um rasto no chão.

Já quase com o seu esqueleto totalmente à vista, o velho atinge o foco da luz, e para a terror de todos, é engolido pela própria luz.

Desaparece, a luz e o velho. Tudo voltou ao normal.

Durante dias, ninguém conseguiu falar sobre isto. Ninguém ousava falar sobre isto. A história inexplicável da morte do velho da montanha, nem a morte ousava falar.

Sérgio Peixoto
Enviado por Sérgio Peixoto em 12/11/2015
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