A CANÇÂO


Toda noite era assim. A mãe lhe ajeitava as cobertas, dava-lhe um beijo na testa e saía devagarinho do quarto, deixando a porta semiaberta. Ela virava-se de lado, fechava os olhos e, não demorava muito, começava a ouvir ao longe aquela canção. Não conseguia distinguir as palavras, apenas a melodia soava cristalina em seus ouvidos, como cântico de anjos ecoando pela abóbada celeste.

A menina ficava quieta, só ouvindo, até adormecer. Várias vezes contou à mãe que ouvia essa canção. No entanto, a mãe, realista que era, achava que fosse fantasia de criança. Moravam em uma chácara e o vizinho mais próximo ficava a uns dez quilômetros. Como a filha poderia ouvir alguma música daquela distância?

O pai trabalhava em outra cidade e só vinha para casa nos finais de semana. Era um bom homem, mas chegava cansado e só queria uma comidinha caseira, e descansar na rede da velha varanda, ouvindo suas músicas sertanejas. Não tinha o hábito de brincar com os filhos, ainda que os amasse muito.

A menina tentou, mais de uma vez, contar-lhe sobre a misteriosa música, mas ele não levou a conversa adiante, dizendo que devia ser o barulho do vento batendo de encontro às árvores. Ela se lembrou de que os bambuzais emitiam uma espécie de assobio ao serem tocados pelo vento. Entretanto, não era esse barulho que ouvia. Era mesmo uma canção. Nem os irmãos a levavam a sério. Só pensavam nas próprias molecagens e viviam fazendo peraltices para assustá-la.

Com o passar do tempo, a menina deixou de comentar sobre o fato, mas ansiava pela hora de ir para a cama, só para ouvir aquele som melodioso. A canção lhe dava uma sensação de segurança e ela dormia, feliz, sem medo de nada.

Mais tarde, já na maturidade, lembrava-se da canção vez ou outra. Nunca mais a ouvira. Teria sido mesmo fantasia de criança? Ou, ao crescer, teria ela perdido o dom de perceber coisas inaudíveis para os ouvidos humanos? Acho que jamais saberia, pensou, dando um profundo suspiro.