O Céu Azul Cedinho em um Domingo de Verão

As aulas tinham acabado a poucos dias. No sítio, planejávamos o que fazer com um tempo a perder de vista. Um tempo tão grande quanto um mar e nós em pequenos barcos discutindo para onde ir, ainda que sabendo que qualquer corrente levaria a um bom lugar. Tão grande eram as possibilidades e expectativas como eram um oceano e nossa imaginação. A estrada poeirenta para lá, como um cortejo estático de morros, penhascos e florestas.

Pequenas casas e sedes de fazenda pareciam estar lá desde o início dos tempos, talvez criados juntamente com as árvores e animais existentes naquele lugar. As pessoas pareciam as próprias serras, cercas e regatos que vez ou outra saltavam diante das curvas da estrada, enquanto andávamos apressados. Olhando pela janela do carro, dávamos "tchau" para os verdadeiros monstros carismáticos que se formavam na paisagem que ia ficando para trás.

A pedra que se torna um olho e que era um boi. A cercas pedindo para não atravessar em bocas cada vez mais finas e que desapareciam, quando diante de nós saltava o Morro do Chapéu, através do comentário dos adultos, que pareciam provisoriamente tão crianças quanto nós. Longe, estava como um gigante soterrado até os ombros a espreita de alguma batalha do passado, que sempre se reinicia no presente, como um passado que se repete, ainda que simbolicamente.

Estava lá, como um vigilante pronto para recomeçar sua tão famosa saga, como um soldado que continua soldado, mesmo que a guerra tenha terminado. Vendo inimigos nas nuvens, no carro que passa, que também pode ser seu aliado, no morro lá do outro lado... Era tão criativo como nós éramos.

A entrada na cidade era como a nossa cidade em uma versão mais simples e fácil de entender, a cidade reduzida as vendinhas, praça, igreja, moradias e pessoas circulando bem tranquilas. A medida em que o carro se distanciava entrando em pequenas estradas e vias, um pouco alagadas ás vezes e outras muito íngreme, percebíamos que o mundo tal como conhecíamos estava ficando para trás. Eu e meu amigo notamos praticamente juntos, que havíamos adentrado em um outro universo, tínhamos naquele momento a obrigação de explorá-lo, já que os adultos mostravam uma certa indiferença ou ocupados com suas coisas que não entendíamos.

Meu amigo era a minha testemunha de que eu não estava sonhando e que realmente via aquilo tudo diante de mim. Víamos um com os olhos do outro, víamos quando conversávamos, as vezes antes de olhar mesmo. Divagando como melhor forma de compreensão, pra gente que descobria o mundo agora.

Tantas mulheres que riam e se animavam com a nossa presença, por alguns momentos víamos as serras, montes e regatos novamente, naquelas pessoas que mal conhecíamos e já tínhamos tomadas por personagens. Homens ocupados com o milharal e com os bois, fumando e olhando o gado de tarde. Preocupados com o próximo dia ou pensando no que já passou... Malas, sala, café e abraços. Um povo que parecia nos conhecer, mas que achávamos que não era nós, deixávamos por isto mesmo, para receber pelo outro o carinho que nos era oferecido.

Na verdade, este povo se tornava uma lenda mesmo, enquanto os estranhávamos, cheios de uma certa mágica e capazes das coisas mais mirabolantes, seus queijos, bolinhos, causos e uma alegria e plenitude sem iguais.

As avós eram verdadeiras lendas, pareciam crianças também, com as suas brincadeiras próprias e mimos, suas coisas que mesmo os adultos não compreendiam. Suas pirraças. Avós lideranças, extremamente respeitadas. Estas tínhamos um pouco mais de distanciamento, seu olhar via claramente o passado, presente e o futuro. Nos imaginávamos crianças grandes quando adultos.

Tantas coisas lá, das árvores que insinuavam personagens a um pequeno córrego, que transformávamos em rios e cenários de exploradores espanhóis. Víamos os animais, juntamente com as suas intrigas e conchavos, em seus silenciosos discursos e expressões enquanto ruminavam, comiam e disputavam espaço entre si.

A grama, muito verde, parecia um tapete, tapetes naturais, que nascia em grandes e infindáveis espaços. Lugar em que se podia cair sem se preocupar, escorregar e imaginar o que se quisesse. Como reinos distantes, cujos castelos eram os cupins e árvores isoladas nos campos. Algumas, retorcidas e secas, pareciam testemunhas congeladas de terríveis batalhas. Apontando para o céu, como mãos sofridas, transparecendo um mistura de ódio, raiva e muita dor.

Muito cansaço a tarde, após uma longo e trabalhoso diálogo com estas sociedades ocultas, que só a gente se interessava, ainda restava o céu. Nuvens brancas vindas de diversos lugares, ainda não tinham diminuído o azul do céu, como um monte de espumas boiando em um profundo líquido azul.

As nuvens mostravam as mais diversas expressões, paradas no tempo, mas se desmanchando pouco a pouco, se tornando outras, como se não ouvíssemos a conversa que inspirava a diversas reações, sempre muito parecidas com feições de pessoas conhecidas, que povoam nossas lembranças. Expressões de espanto, de riso, de terror, de orgulho, de nobreza, de carinho... As nuvens pareciam as lembranças que vagavam em nossas mentes, nos fazendo sorrir ou nos preocupar.

Final de tarde, o céu se escurecendo, o Sol se punha, seus vestígios de luz nos lembrava alguém caminhando sozinho, se distanciando cada vez mais, mas cuja a voz de uma tagarelar solitário, ainda se ouvia algumas reminiscências. O apagar das luzes encerra todo este espetáculo, a insossa escuridão se mostraria mais tarde, nem um pouco silenciosa.

Havia naquela escuridão que se aproximava lentamente uma sentença triste de as coisas precisam se recolher, era da natureza delas. Mas o quanto, após o jantar e quarto, esta noite praguejava contras os que não dormiam, os insistentes despertos. Ela escondiam não só os mais temerosos seres, mas toda um espécie de diálogo, típico dos que perambulam na escuridão com inveja daqueles que se banham com a luz do dia. Víamos os milharais, imóveis ou encurvados pelo vento, fingindo dormir, não dizer nada... As palhas e outros objetos empurrados pelo vento pareciam um triste aviso para aqueles que a noite deveriam se silenciar.

O cão andando a noite não é o mesmo cão que se vê durante o dia, ser estranho a noite, negocia com a escuridão para ser sombra, e não sabemos o que ele está, noite ou dia. Corre sem motivo persegue o que não vemos e late para o vazio. Talvez fosse mesmo um combatente da noite, triste como nós, por não ter o Sol e com ele todo o mundo mágico que revela. A noite não era para nós, para o cão sim, ele podia morder e seus latidos mostravam sua coragem.

Então ficávamos olhando com as luzes apagadas todo este movimento da noite, embora fôssemos seres da manhã, aquela conversa misteriosa que se travava a noite, não era menos rica e interessante que as do dia. Mas não podíamos negar que só queríamos ouvir um pouco, mas de forma alguma, participar daquele obscuro teatro.

A cama bem arrumadinha, um leite quente e doce antes, além do ar úmido e fresco, nos seduziam a dormir para que aquele mundo todo ali mudasse e novamente pudesse dialogar com a gente, como tanto fez durante o dia. Nos encantava como o sonho compreendia as nossas conversas e, principalmente o que faltou a gente perguntar durante o dia, que geralmente nos dificultava o sono a noite por ficarmos imaginando insondáveis coisas.

O sonho sempre prometia uma resposta melhor do que a gente poderia encontrar e assim íamos dormir, deixando todo aquele negócio de cachorros, ventos, escuridão e pequenos barulhos indiscerníveis lá, sozinhos.

Desta forma, terminava o primeiro domingo de vários dias de férias que ainda viriam. Um dia que terminava em nossas lembranças como um bom bate-papo, uma apresentação amistosa, mas que devia muita coisa ainda a esclarecer para nossa sempre vontade de ver as coisas em sua forma cheia de cores, como a gente se via.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 27/10/2015
Reeditado em 27/10/2015
Código do texto: T5428238
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