A Majestade, O Sabiá

Sempre que o tempo me permite, adoro sentar-me na sacada onde posso admirar a natureza. Aprecio o vai e vem das nuvens, dos pássaros, do vento balançando as folhas das árvores e sussurrando em suas copas.

Certo dia, no final de tarde, era o que estava fazendo; apreciando a natureza. Houve várias revoadas de pássaros e sem que percebesse, um lindo sabiá pousou na mureta da sacada; muito tranquilo, olhava para mim como se quisesse falar comigo. Falei para mim mesmo em voz alta:

_Se esse belo sabiá falasse, tenho certeza que algum assunto pudesse ser desenvolvido entre nós.

Para minha surpresa, ele perguntou:

_Porque dizes que não posso falar?

Ao ouvir essa voz, levantei-me depressa da cadeira e olhei para todos os lados procurando saber de onde veio tal pergunta. Não vi ninguém, olhei novamente para a ave e ela me falou:

_ Estás duvidando que eu falo! Podemos sim ter um ótimo diálogo.

Pensei estar em estado de devaneio, mas, com voz melancólica o sabiá continuou a falar comigo.

_Se você quiser me ouvir eu gostaria de fazer um desabafo.

_ Hora, devo estar maluco para conversar contigo; cante para mim, o teu canto é tão lindo e eu gostaria muito que cantasse aqui e agora.

Muito surpreso fiquei quando me disse que estava sem condições de cantar.

– Como assim? Se és um sabiá? Que brincadeira de mau gosto!

– Enganas-te, não é brincadeira e sim a mais pura verdade - falou-me pausadamente, com lágrimas em seus lindos olhinhos demonstrando uma tristeza que só agora percebi. _ Estou fraco e faminto, fiquei preso em uma gaiola por muito tempo... Uma criança, brincando comigo, começou a balançar e rodar a gaiola, até que ela caiu no chão, partindo-se em várias partes. Me assustei! Sem perceber, bati as asas e voando consegui chegar até uma árvore não muito distante. Fiquei pousado ali por alguns dias sem saber o que fazer; estava livre, mas não sabia o que fazer com a liberdade que a muito tempo perdera. Não sei mais lutar pela sobrevivência inerente a todo ser livre. Estou muito triste e percebendo-me perder as forças a cada dia. Vi você sentado nesta sacada, então tomei coragem e me arrisquei voar até aqui na esperança de que me alimentasse.

Surpreso com o que acabara de ouvir, respondi à pobre criatura que não costumo prender pássaros, portanto, não tinha alimento para lhe saciar a fome.

Com voz ainda mais enfraquecida e triste, me falou:

_Que tal milho para pipocas?

_Sim, isso tenho em casa! Vou buscar para te servir.

Chegando à sacada, espalhei um pouco do milho sobre a mureta. O sabiá, faminto, começou a bicar um grão por vez e pausadamente.

– Se estás com tanta fome, porque não comes mais rápido?

_Não posso, se fizer isso poderei passar mal e até morrer.

_Como assim?

_Estou a dias sem alimentar-me, portanto, preciso comer lentamente para meu organismo ir absorvendo aos poucos o alimento e se acostumar com ele. Quando passamos dias sem nos alimentarmos é preciso comer lentamente e aos poucos, caso contrário, comeríamos demais em uma única vez, encheríamos rapidamente e demais o estômago e isso nos levaria à morte.

_Como sabes isso?

_Sou filho da natureza; nasci para viver nela e com ela, no entanto, ao ficar aprisionado por muito tempo, perdi as habilidades de voar e procurar meu próprio alimento, mas não o meu instinto natural de sobrevivência.

Diante de tais palavras tive que admitir que a natureza tem sua linguagem apropriada para cada ser que nela habita e, muito consciente, falei para tão maravilhosa e esperta criatura.

_ À partir de hoje, tens em mim um amigo, sempre que sentires fome, venha até essa sacada que encontrarás alimento suficiente para readquirir tuas forças e voltar a cantar como outrora cantavas.

Certa manhã, dias depois, tomando meu café na cozinha, escutei um lindo canto de sabiá... Corri até a sacada para ver qual estava cantando. Para minha surpresa era o meu amigo. Após longo tempo entoando seu majestoso canto ele parou e perguntou –me com um jeito ainda tímido:

_Como estou? Achas que posso recuperar-me totalmente?

_Hora, hora, meu amigo, és e sempre serás “A Majestade, O Sabiá”. – Falei-lhe, feliz. _Muito obrigado por esse canto maravilhoso que acabei de ouvir.

Então, ele cantou novamente e logo após me falou:

_ À partir de hoje, enquanto vida tiver, voltarei aqui cantar para você com muita alegria, já que agora sei que adoras ouvir-me cantar; cantarei sempre para ti em retribuição ao alimento que me destes sem me aprisionar. No meu tempo de cativeiro, cantava de tristeza, agora é por alegria minha e tua, e seremos amigos para sempre, cada um com a sua liberdade.

Voou livre e eu fiquei em paz. Uma paz que não sei descrever. A paz que só quem sabe o que é amar sem aprisionar sente.

Reedição

Misrael
Enviado por Misrael em 27/09/2015
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