857-MONTEIRO LOBATO E JECA TATU-3A. Parte

— Vou levar a peito essa tarefa! Quero tirar o Jeca daquela situação de miséria.

Entusiasmado com tudo o que começava a fazer, Lobato não escondia, pelo contrário, fazia questão de firmar em palavras e até em artigos para jornais, que salvar o Jeca era quase que salvar todos os trabalhadores na roça das mazelas que os acompanhava vida afora.

A esposa, Purezinha, ouvia com atenção, mas sempre pensando que o marido tinha idéias demais na cabeça.

— Ara, Bento, isso sempre existiu. Mesmo que você dedicar toda sua vida, vai ser difícil mudar os costumes dessa gente.

—Pois você vai ver. Hoje mesmo, antes do almoço, voltei lá na toca do Jeca. A mulher, dona Nica me disse que está obrigando a todos a tomarem os remédios. Já faz uma semana que entreguei a caixa de remédios.

— Que remédios são esses? — perguntou a esposa.

— São só dois, coisa simples, que tem em toda farmácia: um contra o amarelão, ou opilação, que acaba com os vermes que correm o doente por dentro. O outro é um fortificante, chamado de Biotônico.

— Não tem perigo de eles tomarem demais? E as crianças, também tomam?

— Expliquei tudo para os dois, o Jeca e a mulher, que parece mais atenta. Ela disse que está dando tudo de acordo com o que ensinei.

Ajeitando na cadeira, e deixando a leitura do jornal de lado, Lobato encarou a mulher e disse:

— Mas o trabalho tem que ser feito no Brasil inteiro. Todos os fazendeiros têm obrigação de cuidar da saúde de seus colonos. E alem de remédios, temos que orientar esses coitados a usarem botinas, não andarem descalços, e a manter um mínimo de higiene nas suas casas. Vou mandar calçados e roupas novas para o Jeca e a família. E vou fiscalizar as condições de todos os colonos, meeiros e trabalhadores que moram na Buquira.

— E como é que você vai espalhar essa idéia? Se é que ela for mesmo a salvação dos moradores das roças, do interior?

— Vou anotar tudo o que está acontecendo por aqui, o que estou fazendo, o que der certo, o que der errado, e farei um relatório, e mandarei para o governo do estado, ou federal, ou sei lá, para jornais, revistas. Tem que ser lido por todo mundo.

—E você acha que todo mundo gosta de ler sobre as mazelas e as misérias do povo?

—Vou dar um jeito, você vai ver.

Na cabeça de Lobato já se formava uma ideia que haveria de torná-lo famoso não só como escritor como também como o primeiro brasileiro a se interessar por saúde pública.

Estava germinando a história de Jeca Tatu.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 13 de setembro de 2014.

Conto # 857 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 21/08/2015
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