O menino do cajueiro
O cajueiro no fundo do quintal. O galo ciscando as folhas secas de agosto. o calor se espalhando no ambiente. Entretanto os meninos correndo, se eles encontram em suas brincadeiras motivos para alegria, têm ocasiões que numa forma de dizer que criança gosta de ouvir histórias, eles precisam sair rápido em direção ao rio: o avô chega da pescaria com novidades, certamente!
Tendo terminado a refeição do jantar, todos se dirigem para a varanda da casa. Resumem-se nos dois meninos, a mãe, os avós e um Senhor de nome Júlio de uns sessenta anos que crescera perto de lá e, como na viuvez, não tendo filhos e demais parentes, mora ali. Aquela noite tinha luar: hora boa para se conversar.
O Senhor Júlio respira fundo e, com o olhar no caminho da frente da casa, comenta para o avô dos meninos:
– Esta noite está enluarada como há muito não se via...
Depois, senta-se numa cadeira preguiçosa e fica pensativo. Os meninos, com o olhar no avô, percebem que este não se encontra com muita vontade de conversar, já que apenas ouviram um som gutural como resposta ao comentário de Seu Júlio. Apresam-se, então, em ir brincar de esconde-esconde nos arredores da casa.
Está salva a calma da varanda por instantes. A mãe dos meninos levanta e vai até a cozinha pegar um café. Oferece a todos com um sorriso oriundo mais do costume de servir o cafezinho após o jantar que pela necessidade de beberem algo quente em pleno verão nordestino. As árvores não mexem nem as folhas. O vento passa longe da varanda.
Impaciente com a alta temperatura, o avô das crianças levanta da rede de há pouco e caminha um pouco no terreiro. Embora um tanto clara a noite à frente da casa, não se vê os meninos. Aliás, de repente se percebe um silêncio dos sons infantis.
Eis que entram em disparada pela porta da varanda, quase esbarrando no avô na pressa de entrarem.
– M... Ã... E... ! M... Ã... E... ! – gritam com uma voz surda e cansada.
– Estes meninos...! Que houve? – pergunta a avó.
Os dois contam que viram uma criança em cima do cajueiro do quintal. Um menino ainda pequeno e só de calção sem camisa. O mais velho quer dizer algo, mas apenas concorda com o irmão gesticulando muito - tem nos olhos uma expressão de pânico.
Não sentam, como sugere Seu Júlio. A mãe oferece um lugar de lado na rede em que está para o filho mais velho. A avó escuta da cadeira onde está. O avô resolve falar:
– O que vocês viram foi a alma do menino do cajueiro.
– Quê? – interroga perplexo o menino mais velho.
O avô conta que já estava casado e que Júlio ainda era adolescente, mas que se lembram perfeitamente do que acontecera há quase meio século. E continua:
– Isso foi antes de a mãe de vocês voltar da capital quando tinha ido para estudar.
– Conte logo, vovô! – interrompem os meninos.
– Um irmão de Júlio tinha um filho que era danado que nem Saci para fazer peraltices. Um dia, o menino subiu no pé de caju que ficava à frente da casa e derrubou quase todos os cajus com as castanhas ainda verdes. O pai do menino pediu que este não fizesse mais isso e explicou da importância da safra dos cajus para a ajuda da renda da família. Todavia, no outro dia o menino tornou a repetir o que havia feito anteriormente.
– Com isso, meu irmão amarrou o menino num galho do cajueiro – continuou Seu Júlio visivelmente transtornado.
O avô das crianças completou a narrativa dizendo que o menino ficou apenas amarrado por uns minutos, mas que tão logo solto subira mais no cajueiro gritando que odiava os pais. Na raiva, o menino não prestara bem atenção e, ficando quase de pé num galho fino, caíra e na queda tivera o pescoço quebrado morrendo no mesmo instante.
– É por isso que não tenho familiares aqui. Meu irmão e a esposa foram embora e nunca mais deram notícias... Acho que foram para o Ceará, pois a esposa dele era de lá.
¬– O menino aparece em noites escuras, ao menos era assim que se sabia... – a avó conclui também um tanto abalada com as lembranças.
Houve um silêncio. Ninguém encontrou coragem para dizer algo. Ao pé da porta da sala, o avô das crianças, levanta um pouco a voz:
– Agora vão tomar banho e escovar os dentes para dormir. Por hoje já tivemos assunto demais... E que menino não deve ouvir antes de deitar!
Na varanda ninguém fala por um bom tempo. Depois, a mãe dos meninos recolhe as xícaras do café e sussurra:
– Mamãe, a Senhora me ajuda na cozinha?
As mulheres entram na casa e os dois homens permanecem na varanda. Pouco importa se não corre vento. A noite é de quem quer ficar pensativo mesmo.