Contos de um mundo meu — 2
Histórias esparsas como gotas que iniciam chuva...
A Enorme Caverna
As pedras eram lisas, ovais e achatadas. E o jogo era simples: segurando a pedra deitada, firme entre o dedão e o indicador, arremesse-a com toda a sua força sobre o rio e veja quantos pulos ela dá. Obviamente, o maior número de pulos ganha. Vendo de fora não é nenhum monstro de sete cabeças, mas tente você um dia e tome suas próprias conclusões.
Pois bem, com o jogo estabelecido e também as regras, os dois amigos se posicionaram em uma das margens do rio que cortava o Vale (rio este que mais à frente seria o Afenda) e tomaram algumas pedras lisas. Em uma das mãos apenas uma, na outra, um estoque refinado, com só as melhores.
E então eles arremessaram todas aquelas e ainda pegaram outras mais logo em seguida e continuaram com os lances. Até que num determinado momento cansaram seus braços e decidiram apurar o placar. Qual deles ganhou? Bem, como na minha história os amigos não têm nomes, pense apenas que foi o da direita que saiu campeão; agora, à direita de quem, isso não sei. E quanto ao da esquerda, além de derrotado, saiu resmungando:
— Essa não valeu. Vamos descansar e depois jogar outra vez. Agora eu ganho.
— Não. Não estou afim de jogar mais.
— Só porque ganhou.
E era de fato por isso. Mas quem, em sã consciência, depois de vitorioso, vai querer dar espaço ao azar? Nem eu, nem você (acho) e nem o da minha história.
— Vamos subir a montanha e ver o que tem além dela? — Quem propôs é irrelevante.
A proposta foi aceita e os dois amigos então partiram. Bem, partir não é a palavras certa, porque eles estavam mesmo ao pé montanha, era preciso só darem dois passos ou três e encostavam já na grande rocha. Por isso, entenda simplesmente que eles foram. E, a princípio, não encontraram nenhuma dificuldade.
Entretanto, a um ponto consideravelmente distante do chão, por descuido um deles escorreu a mão de apoio e foi deslizando tristemente pela montanha. Mas ele era o que estava na dianteira e quando passou pelo que vinha mais atrás fora firmemente segurado pelo braço. "Ufa, essa foi por pouco". Infelizmente, antes mesmo de terminar a expressão do seu alívio, a mão apoiadora do ajudador também escorregou e agora os dois desabavam. Contudo, a montanha era irregular, como a maior parte das montanhas o é, e eles desabavam como que na diagonal. Na verdade, estavam mesmo sendo guiados pela deformidade da superfície.
E então, de repente, caíram num pequeno plano. Com as roupas rasgadas, a barriga e o peito e também os braços todos esfolados, marejando sangue. Levantaram de súbito, respeitando, claro, os limites que tinham. Miraram o horizonte à sua frente. Dali dava para ver todo o Vale do Escoamento, e era uma visão magnífica. O rio cortando o vale e sumindo muito, muito ao longe; o sol quase se pondo atrás da montanha do norte. "Que estupendo!", disse um deles. "Não perdemos nada em virmos até aqui". Depois giraram sobre os pés e viram que logo atrás havia a boca de uma caverna. Mas era uma boca tão pequena que mal dava para passar um homem. Na verdade era uma fresta em forma circular.
— É melhor a gente descer. E se aqui for casa de algum animal?
— No Vale do Escoamento só tem peixes, não sabe? E eu acho que nenhum deles deva morar aqui.
O amigo não gostou da piada, nem um pouco, antes rejeitou-a com olhar furioso. E depois acrescentou, um tanto mais brando:
— Não vá dizer que está querendo adentrar a caverna.
Aqui cabe dizer que este conto é sobre os valátis; e que um corajoso, nesse povo, é coisa rara de se encontrar. Contudo, saiba que dentre aqueles dois amigos, um era o tal coisa rara.
— É obvio que quero ver o que tem dentro. Já pensou encontrarmos um tesouro? Ou alguém perdido que more aqui? Seria muito intrigante.
Mas não foi. De fato não foi nada intrigante, pelo menos não pelos parâmetros que anteriormente havia ponderado. Dentro da caverna não havia tesouro (mesmo estando tudo em breu absoluto eles souberam logo) e nenhum perdido também, porque quando chamaram por alguém, não ouviram nenhuma voz em resposta.
Entretanto, por outro critério, sim, ficaram extasiados. Quando grande era aquela caverna. Ó, monstruosa caverna (como mais à frente seria chamada), quão grande és! Mas como eles souberam disso, já que estava tudo escuro? Simples, pelo som de suas vozes. Qualquer coisa que era dita parecia ecoar eternamente. Chegava a ser perturbador o eco. Por isso decidiram ficar em silêncio, ou falar só às vezes, e bem baixinho.
— Isso é natural?
— O eco?
— Não, claro que não, a caverna. Digo, como foi feito algo assim?
— E eu é que sei?
— É melhor sairmos, então.
E saíram. Do lado de fora, refletiram um pouco e decidiram que teriam que marcar aquele lugar para depois mostrarem ao povo. Mas com quê haveriam de marcar?
— Tire suas roupas e amarre nessa pedra. Depois pendure aqui, na beirada do pequeno plano.
— Você ficou louco? Por que eu?
— Quem foi que perdeu o jogo das pedras?
— E que isso tem a ver com o fato?
— Amarre logo!
— Iremos brigar aqui? Porque certamente não tirarei minhas roupas.
Por fim, para não me estender em demasiada discussão, ambos tiraram as vestimentas e ambos as amarraram numa pedra e penduraram-na na beirada do pequeno plano, de forma que os tecidos balouçavam-se com o vento. Assim, ficaram os dois nus. E quão mais trabalhoso foi descer a montanha sem nenhuma roupa! Tanto pelas rochas pontiagudas que vez ou outra os cutucavam quanto pelas risadas que escapuliam. Mas eles juraram entre si que aquilo morreria ali, e que ninguém nunca descobriria o que fizeram.