Fuga

Em meio a um turbilhão de luzes e reflexos sem sentido, percebo que nenhuma luz é tão encantadora como a luz das estrelas.

É uma noite escura, vazia e fria. Confortante é ter sensibilidade para adorar as tão distantes luzes cósmicas. Tão brilhantes, tão distantes, tão imersas num lago negro chamado universo.

Sento-me agora diante de um penhasco. Mesmo a noite, este lugar é dotado de uma beleza exuberante. A gélida brisa noturna vem de encontro ao meu rosto. Tão fria é que causa dor. Mas isto é frívolo perante a exuberância deste lugar.

Aquelas luzes distantes parecem mais brilhantes agora que estou distante das fúteis luzes humanas. Sinto como se cada luz que lá brilha fosse uma divindade a sorrir para mim, dizendo palavras de conforto e esperança.

Imerso nesta doce ilusão, enxergo agora em destaque uma luz mais forte. Penetrante e de tom meio azulado, essa luz, subitamente, faz-me inconscientemente invocar lembranças distantes.

Lembranças estas que refletem em meu alento. Lembranças estas despertas do âmago de meu coração.

Permaneço agora perdido no brilho misterioso que me cativou.

Aos poucos, a expressão de paz e felicidade em meu rosto frio dá lugar a uma expressão vazia e triste.

O desfecho daquela lembrança então me alcança novamente. Lembro agora dos momentos de tensão e desespero. Fico desolado. O penhasco parece clamar meu nome. A solidão assombrosa parece empurrar para longe qualquer vontade de viver.

Prestes a satisfazer o clamor que insanamente escuto do fundo do penhasco, um arrepio me sobe a espinha. Estaria alguém junto a mim?

Olhos parados e vazios. Corpo em estado de choque. Esta é minha atual situação. "Quem estaria aqui?" ressoa em minha mente. Perdido diante de uma simples intuição, busco em meu fracasso a dignidade para virar-me e encarar quem quer que fosse.

E, quando finalmente o faço, um silêncio atormentador expulsa o som da brisa que ali me acompanhara por todo este período. Diante de mim, estava a dona de todas as lembranças que aquela luz anil havia me trazido.

Esta moça, de pele clara, olhos azuis e cabelos brancos na altura do ombro agora me entorpecia pela sua simples presença. O desespero ainda me assolava, não sabia como portar-me diante desta surpresa. Sua boca parecia movimentar-se, deslocando seu queixo levemente pontiagudo para baixo, lentamente. Não consigo entender. Ela parece sussurrar algo.

Levanto e, sem dar por conta, começo a trocar passos em direção a ela. Estou em transe. Uma voz suave começa a invadir meus ouvidos. Ainda não consigo entender, mas tamanha era a beleza dessa voz que nada mais parecia ter valor perante a ela. Sinto que sou capaz de arruinar tudo que tenho de concreto para entender o que ela está sussurrando. Ela parece recuar.

Porém algo misterioso acontece logo atrás de mim. Aquela luz anil no céu ficara agora mais intensa. Tão forte era aquele brilho, que minha vista doía ao tentar olhar diretamente. A moça, que agora ia em direção a luz, também parecia estar incomodada.

"Pare esta luz" finalmente decifrei. Por um breve período fiquei extasiado tentando encontrar uma forma para parar de fato esta luz. Mas abruptamente voltei a consciência e vi a moça sendo tragada pela luz. Não mais tinha controle sobre meu corpo. Não podia perder ela de vista. Certamente eu pararia aquela luz.

E de fato o fiz. Enquanto caminhava em direção a moça, vi a luz se apagando aos poucos. A moça subiu aos céus junto da luz, enquanto o mundo ao meu redor novamente enegrecia. Foi então que me dei conta: Ela não subiu aos céus. Eu é que estava caindo. "Tarde demais". Tudo ficou preto.

No último instante, porém, pude dar-me conta: Aquela moça que eu julgava conhecer, era apenas uma ilusão. A verdadeira forma daquela moça que eu enxergara, e a identidade daquela luz, era meu destino. Agora eu estava a sorrir. Vi que, real ou não, minha última lembrança seria daquele anjo clamando por minha ajuda. Estava liberto dos sentimentos negativos. A paz reinava em minha alma. Atingi, por fim, o chão. E parti encontrar aquele anjo novamente.

Carlos Knoll
Enviado por Carlos Knoll em 24/07/2015
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