O complexo de Calvin

O COMPLEXO DE CALVIN


Miguel Carqueija




Eles estavam apertando o cerco. Em seu próprio quarto, ele defendera-se com a raquete de tênis. Mas aquele era um monstro pequeno, com poucos tentáculos. Conseguira amedrontá-lo. Ao fugir para o corredor escutou o barulho de patadas no sótão. Para lá não poderia fugir. Quantos monstros já estariam no andar de baixo?
— Monstros nojentos! — gritou, levantando o punho para o teto. — Venderei caro a minha vida! Vocês vão ver!
Correu pela passadeira até a mesinha com uma das extensões do telefone e ligou para a polícia.
— Socorro! Socorro! Eles vão me matar!
— Matar? Eles quem?
— Os monstros! Invadiram a casa! Por favor, venham depressa! Tragam as armas que puderem!
— Ora, vai tomar banho, meu filho!
A ligação foi cortada. Ele correu em pânico escada abaixo, já com três monstros emergindo de seu próprio quarto. Lá embaixo havia outros pequenos monstros, estes voadores e funiculares, que não pareciam apressados em atacá-lo. Desviando-se pela sala, passando em frente a uma tv ligada (onde passava o "Jaspion"), ele pegou um peso de papéis e correu pela outra escada. Então a porta lá embaixo se abriu e — horror dos horrores! — dois monstros enormes, bípedes, repelentes, entraram, babando e sacudindo suas enormes garras e presas.
— Só uma coisa poderá me salvar! Esses são os chefes, sem dúvida!
Penetrou num outro quarto e regressou segurando uma pistola com ambas as mãos...



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Manchete em letras garrafais no jornal "O Dia":
MENINO DE SETE ANOS FUZILA OS PAIS PENSANDO QUE ERAM MONSTROS.




Nota: o título é uma alusão à tirinha de Calvin e Haroldo (conforme imagem), personagens criados por Watterson (EUA); Calvin é um menino que mistura constantemente fantasia e realidade e interage com seu tigre de pelúcia Haroldo, que só se move e fala (em sua imaginação) quando não há outras pessoas por perto. Calvin frequentemente enxerga monstros, chegando a confundir o pai com eles.