Pequenas histórias 94
Sagitta
Onde você estava?
Onde você estava quando o clarão explodiu iluminando nossos olhos fechados? Onde estava? Não te encontrei em lugar nenhum. Nossos olhos não são mais os mesmos, eles abriram-se mesmo estando fechados. Abriram-se para a volátil luz espargindo fios de ouro em cada horizonte enchendo de enigmas a paz reclusa em cada ser. Caminhei ao lado e pude compor meu destino sem aflição que é determinada nessas ocasiões. Caminhei me perguntando a cada passo que cuidadosamente imprimia minhas marcas na areia fria da estrada, onde você estava? Você como eu, deveria preparar o caminho para desvendar os enigmas da pedra, os enigmas do ar, da água, do fogo e dos signos. No entanto você nem se preparou, pouco se incomodou, deu as costas sumindo na solidão do povo, talvez conformado com o desígnio de ser apenas um sobrevivente da angustia e da ansiedade. Ou teve medo de enfrentar o desconhecido. No entanto, é no desconhecido que há crescimento, principalmente o crescimento de si próprio, passando a entender o mundo que o rodeia. Tudo leva crer que a luz não iluminou suficientemente teus olhos fechados. Não deixou nem uma mínima chama de luz se infiltrar por entre as pálpebras. Medo? Será? Não sei, medo todos tem, se não enfrentarmos nossos medos, morremos desiludidos de nós mesmos. Morremos na ignorância de não termos nascidos nos corações das pessoas. Principalmente de quem amamos. Morri duas vezes para renascer outras duas vezes. Cultuei a Fênix até que me tornasse parte das suas fibras e de suas asas ligeiras como flecha.
Com a mão espalmada de dedos de certeza, contornei as linhas da flecha cravada no peito, até que a comoção tênue de luz desfibrasse a distância entre a certeza e a dúvida que roçava as pontas dos dedos. Fui tomado pela comoção, senti a profundidade da existência alojada em meu corpo. E surgiu a intenção do grito, no entanto o grito morreu no escondido da garganta. Sedento, alimentei-me de cogumelos e plantas rastejantes. Saciado e alimentado, reiniciei a caminhada pela estrada vazia e poeirenta. O suor dos meus passos marcava a areia no destino ignorado. Sentindo-me pequeno na grandeza humana, descortinei a paixão enroscada nas formas à margem da estrada. Para não me cansar, caminhei devagar, o mais lento possível, porém, o cansaço tolhia os movimentos. Não era cansaço físico, nem cansaço mental, era cansaço da enrijecida carne pelo temor de me sentir cansado. Precisava de repouso. Ao longe divisei um casebre, e para lê me dirigi. Assim pude repousar a carne ouvindo os espaços do pulsar no silêncio das fibras que me envolviam.
Quantas horas dormi? Não sei. Apenas Sagita me iluminava, e acompanhando sua sombra, resoluto, reiniciei minha caminhada novamente.
pastorelli