SAPATOS DOURADOS
A senhorinha nunca fora dada a vaidades. Brincos só os do tamanho de um grão de feijão, maquiagem nunca, bolsa sempre a mesma até ficar bem velhinha. Sapatos só os comprava por necessidade: os de trabalho e os de festa, sempre pretos e sem salto. Mas, certa vez, a senhorinha se encantou com uns dourados. Tão lindos na vitrine, lhe despertaram delírios hollywoodianos, Levou um par e por muito tempo, todos os dias os tirava da caixinha e ficava a apreciá-los e delirar. Anos depois, numa dessas faxinas de armário, resolveu doar alguns sapatos que há tempos não usava. Mas os dourados continuaram lá, confinados na caixinha, coitadinhos, nunca levados a passear. Nunca reclamaram da prisão, nunca envelheceram e mesmo residindo no escuro, nunca perderam o brilho, aqueles sapatos dourados. De uns tempos pra cá parece que eles se espantam com o rosto da senhorinha.
(Oneida Resende)