A história de Andirá.
ANDIRÁ
Desta vez já não posso mais protelar. São muitos anos sem escrever. Todos os dias eu ouço a voz de Iteassu em meus ouvidos também vem o rubor de
Andirá lembrar a todo instante que o tempo caminha.
Então já é ora de retornar a escrever.
Andirá.
Andirá é moleque danado desses que sai por ai caçando gafanhotos. Tem o nome de morcego pois assim escolheu seu pai o grande Jenai. A menina é Iteassu a que tem olhos claros. Correm pela beira do rio até a prainha sobem na arvore e saltam na água
Nadam no rio como os filhotes da ariranha. Gritam e riem. A vida lhes passa assim tão morna, resfriada pelo igarapé.
Nas tarde de dias quentes. As meninas se reúnem para o banho vespertino. Algumas sobem na arvore que cresce na beira do rio. Elas se preparam e saltam dos galhos nas águas caudalosas do rio. Depois penteiam os cabelos e saem ser ter vergonha. A pureza lhes oferece confiança. E elas cobrem seus peitos com os cabelos. Iteassu é morena bonita, botão de flor, é diferente das outras. Tem cabelos castanhos e olhos claros. Quando sorri, seus dentes alvos contrastam com seus lábios carnudos. Tem a doçura do mel. Mas, sabe lutar. Nos seus braços roliços está o pulo da onça. Joga as flechas com extrema pontaria e golpeia sem pena com sua lança. Ela é empinada, tem peito grande e é meiga quando sorri. Quando passa atrai a atenção dos homens, nas mulheres causa inveja. Quando corre pisa forte no barro de tabatinga e faz barulho como os cascos da anta. Todavia, no mato é pé de pluma. Ninguém há ouve caminhar. Iteassu gosta de Andirá. Eles parecem feitos um por outro. Todo mundo acha isso.
Cachinawa é o senhor das armas o feitor de arcos e lanças. Ele mesmo foi um grande guerreiro. Agora o tempo lhe faz doer as pernas. Não sai mais por aí caçando. Os olhos já começam a enganá-lo. Assim mesmo, cedo vai se deitar. Mas, não dorme. A pontaria ainda é certeira. Suas setas atingem, sempre, em cheio o alvo. Durante o dia Cachinawa gosta de treinar os meninos. Corre com eles até que fiquem cansados, ensina-os a atirar flechas e usarem armas e isso eles fazem com grande euforia. Mas, bem no meio deles sempre está Iteassu. Correndo, brigando, usando seu arco.
A árvore dos renegados.
Iteassu, que ainda é cunha-mirim, menina moça, caminhava por ali junto da árvore do Tauari e não sabia que aquele era reduto dos renegados. Os mesmo que viviam alem da grande cachoeira e não mais poderiam pertencer a tribo. Disseram: “o que você está fazendo perto da árvore de Tauari? Não sabe que ela nos pertence. Agora você vai receber um castigo”.
Iteassu permaneceu calada. Deu alguns passos para trás, empunhou o tacape e cerrou os dentes. Os renegados andaram devagar em direção em sua direção, que deu outro passo para trás e um deles estendeu as mãos para segura-la. E, rápido como a jaguatirica ela saltou por sobre os braços venosos do malfazejo, rodopiou no ar golpeando com o tacape o rosto do primeiro homem. Quando caiu, introduziu a arma entre as pernas do segundo homem fazendo-se desequilibrar-se, então lhe chutou os testículos, este foi ao chão enquanto o outro urrava de dor. Deu outro grito, e voltou a golpear os homens. Ora nas costa ora na cabeça. E os renegados, combalidos, não mais conseguiram se levantar. E assim, ela os venceu. Foi em direção à aldeia e sentou no tronco de buriti. Alguém perguntou o que tinha acontecido e ela não respondeu. Estava cansada.
A cotia veio roçar-lhe as pernas e a menina respirava fundo enquanto Iteassu acariciava a cabeça do curumim. seu coraçãozinho fazia tum, tum, tum e aos poucos ela foi tomando força. mas, jurou para si mesma nunca mais chegar até a arvore tauari. Lá, com certeza, jamais iria.
Ela levantou pegou a cotia e caminhou em direção ao rio. Saltou na água e mergulhou boiando no meio dos patos selvagens que voaram em direção ao sol crepuscular dando um bonito espetáculo.
A noite, dormiu um pouco. mas, logo acordou. Lhe doíam os braços e mais ainda o que o renegado torceu. Chorava baixinho, mesmo assim acordou Mãe velha que segurando nos punhos das redes foi até Iteassu.
Perguntou o que ela tinha, mas, Iteassu não respondeu. Continuava chorando baixinho.
Mãe velha apalpou os braços da menina e sentiu o braço dela inchado.
Foi até onde estava seus trecos e trouxe um coco de castanha com banha de sucuri e esfregou nas mãos de Iteassu. Foi uma fricção dolorida que aos poucos foi-lhe adormecendo o machucado e Iteassu dormiu.
No outro dia já estava se danando. Correndo pela praça da taba com uma tipóia feita de fibra de arumã.
O juramento de Manai
Manai é menina moça, cunhan-tã, que nem é mulher direito. Serve mesmo é para andar com os curumins, mas, ela olha para Andirá com olhos de menina arretada,
- Andirá vai ser meu. Eu vou pegar ele pra mim. E as outras meninas riem.
A cada vez que o rio enche é um ano e mais três anos se passaram. Agora Andirá já está taludo pode se ver em seu peito alto. Vai precisar de uma mulher e o rei lhe oferece Manai. Ela tem linhagem real, é sobrinha do rei.
Embora já sendo mulher, Manai não cresceu muito e pequena e tem as mãos espalmadas como as pequenas aranhas. Tem os quartos estreitos e os peitos pequenos. Olhos pretos como asa de anu.
Naquela noite, Manai vai até Andirá e deita na rede com ele. Andirá leva um susto e sai da rede. Pede a Manai que se vá. Ela fica triste e começa a chorar.
E no outro dia Andirá é chamado diante do rei, que fica irritado com Andirá e pergunta por que ele desprezou sua sobrinha.
- Ela é cunhan-tã. Não presta para deitar.
- Ela já sangrou e passou pelos dois anos de Quarentena já pode casar e ter filhos.
- Eu não a quero.
Ofendido por tal insolência o rei resolve castigar Andirá condenando-o a cortar lenha durante muitos dias para suprir a aldeia na estação chuvosa.
E, assim Andirá foi cumprir sua pena.
E assim, todos os dias podiam se ouvir o barulho de andirá cortando lenha no mato. Andirá chegava a casa com as mãos cheias de calos. Caia na rede e dormia como pedra. Quando começou a estação chuvosa andirá terminou sua tarefa, podendo assim descançar.
Mas, Manai jurou vingança. Ela só ficaria feliz quando pudesse fazer Andirá sofrer. Ele teria que pagar pelo desprezo que lhe deu.
Andirá trepa no ingazeiro. Dali pode ver as mulheres passando. Umas são como frutas verdes que não amadureceram ainda. Outras são mães de filho. Outras poderiam servir pra deitar, mas, já tem marido.
Se chegar Iteassu, essa sim é mulher bonita. Tem a idade de Manai. Mas seus quartos são largos. Seus peitos fartos e sua boca cheirosa. Quando caminha ela parece que desliza por sobre a grama. Tem a voz bonita que parece um cantar. E, existe tanta graça em seus olhos de jaguatirica. Quando a vê lembra de coisa boa.
- Oi! Andirá.
Andirá pula do galho da árvore, segura suas mãos e lhe cheira o pescoço. Desliza aos pela suas costas e aperta-lhe a banda.
- Quero te falar...
- Melhor sentir.
E com muitas caricias permanecem abraçados.
- Um abraço, é como pitanga.
- O coito é como o cajá, Andirá.
- O amor é felicidade que chega com a noite. E o calor terno na beira da rede. O sol ama a lua. Mas não pode tocá-la. Eu, que o mundo se esqueça. Quando amo é com força e meu ferrão parece de arraia. Você morde meus lábios e balbucia palavras de carinho. Com sua mão me acaricia. Tem um momento certo para se amar. Pode ser de madrugada quando a Estrela da Manhã aponta no céu ou na boca da noite quando a estrela vermelha aparece ponteando a noite escura.
- A estrela vermelha. Esta é minha estrela, é nela que fiz minha marca. E todas as noites dos dias quentes hei de mirá-la. É a estrela bonita, a estrela poranga. Tem a cor da pena da arara, a cor do urucum do peito da piranha caju. Quando amo é como uma seta que sai errante, mas, atinge em cheio o alvo.
- Queria ter o pescoço da coruja para ficar te vigiando o tempo todo e para qualquer lado que você fosse, eu estaria te olhando. Queria você nestas noites frias. Pois teu corpo me aquece e ao longe ouço o piu do bacurau. E do teu lado estou sempre ávido de amor como o macaco prego. Quando te toco, meu sangue ferve. Meus olhos ficam arregalados. Agora sou gavião pronto para raptar sua presa. Desço do céu em vôo rasante. Enrijeço minhas garras e me preparo para o ataque. Rasgo os céus em sua direção e te capturo rápido como um relâmpago. Depois do amor você me da paz. No calor de peito e repouso meu corpo, alivio minha alma e em seus olhos encontro a verdade que tanto havia procurado. Quero a paz de teu sorriso, o calor do teu amor, respirar o teu hálito.
- Dorme amor! Porque uma nuvem encobriu a estrela vermelha e a estrela da manhã ainda não chegou. Andirá, nossos destino está entrelaçado. Nossas vidas são partes de mesma história. Nascemos um para o outro.
TATUNKANAH.
O que mora na velha cabana distante da aldeia. Escapou da morte na infância. Porque embora sentenciado a ser enterrado vivo, na areia da praia, assim que nasceu porque tinha defeitos congênitos. Escapou da morte ao ser desenterrado por um grande tatu canastra que não quis lhe devorar talvez porque já tivesse comido. As velhas que não valiam mais para a aldeia fizeram uma cabana onde criaram ele. Quando ainda era pequeno, suas mães adotivas morreram o deixando órfão. Ele passou a viver sozinho, distante da aldeia. Sabia que as onças dágua podiam matá-lo, mas não foi o que aconteceu quando as encontrou elas se aproximaram e lamberam suas mãos. Logo uma mergulhou e trouxe, das profundezas, um enorme peixe. O jacaré não lhe foi simpático, mas permitiu que ele cruzasse o riacho o jaguar esturra distante e não se aproxima de sua cabana. As mulheres tinha-lhe falado que não podia morar na aldeia. Todavia ele se aproximou e viu as pessoas ditas normais e achou que não havia muita diferença entre ele e aquelas pessoas que passavam pela praça da taba. E logo lhe chegou Maira que ficou-lhe observando e comentou:
Que criatura é esta? Anda gingando. Tem olho torto. Puxa da perna.
Seu lar é quase tapiri feito de pau velho. Coberto com folhas de palmeira. Nas paredes estão bolas de borracha casco de jabuti e couro de onça. No quintal plantas e cogumelos. No teto erva de passarinho que pendem da grande samaúma. Ouriços de castanha. Samambaias e pupunhas. As corujas dormem nos galhos das arvores. E bacuraus piam a noite no terreiro. É este é o estranho Tatunkanah.
Tatunkanah corre para o mato e os macacos barrigudos lhes seguem. Ele entra em sua cabana, arma a rede e deita.
Embora entristecido, ele se lembra dos macacos barrigudos. Eles lhe ensinaram muito sobre a vida. Mesmo sozinho não morreria na selva ele não era deficiente era apenas diferente.
Também sabe fazer chás e remédio amargo. Não no estilo clássico do pajé. A caiçuma e o caxiri ele faz de mandioca fermentada que mastiga e cospe no tronco do buriti.
Tem voz que ronca. Quando passa pela beira do rio as meninas lhe atiram fato de peixe que lhes grudam nas costa
Na noite enluarada as corujas se enfileiram nos galhos da grande arvore sem folha sobre o telhado do tapiri. Os morcegos riscam rés a colmeeira de sua cabana em vôos rasantes.
E no mais um ar sinistro se instala na ilharga. De dentro sai um canto que é mais um sussurro. Seu passeio se estende em direção ao poente e a beira do rio está há a um passo dali.
Tatunkanah se tornou uma lenda;
JANIRA.
Janira está grávida. E já dentro do bucho seu filho foi amaldiçoado. Ele é fruto de seu relacionamento maldito. Porque deitou com os homens que vivem alem das grandes cachoeiras. Os renegados que foram expulsos por suas iniqüidades. Deles provem o motivo da desgraça o pajé os tem como inimigo o que também considerado por muitos.
Mas eles não ultrapassam os limites da aldeia. Permanecem nas grutas da pedreira onde uma vez, Janira distanciou-se quem sabe catando lenha, e conheceu aquele que a possuiu. E não foi a contragosto. Houve consentimento. E nela ele plantou sua semente.
Desde então, ela tem ido até as pedras da cachoeira para encontrar seu amado.
Agora já não quer mais sexo. Quer carinho e por isso tem vivido. Curumim Açu e cunha-poranga. A magia que atrai fêmea e macha não pode ser explicada e nem mesmo o poderoso pajé podia deter. Contudo, o pajé já se manifestara. Com certeza na barriga daquela mulher abrigava-se um fruto amargo. Filho de criminosos ereges e blasfemadores. Não eram bem vindos. E assim como os bebês deficientes, também este seria descartado assim que nascesse. E disso ela estava certa. Ademais, seu coração, nos últimos dias se entristeceu desde que seu bucho ficou grande. Agora o seu amado se esconde. É muito difícil vê-lo. E ela já não pode caminhar muito. Melhor ficar deitada logo chegará à hora de ter seu bebê. Se for igual ao pai vai ser forte e belo. Passam dias e ela começa a sentir as dores. Da janela pode vê que no porto chega uma figura macabra. Aquele homem solitário em sua canoa era o carrasco. Tinha sido ordenado pelo pajé para matar seu filho. Ele entra e lhe segura o braço e ela não reage. Caminha chorando em direção a beira-rio. Senta na canoa e o homem começa a remar. Ela tenta avistar alguém nos barrancos. Todos sumiram.
O homem começa a se afastar da aldeia e se aproximar de uma ilha de areia branca. Rema com força e a canoa encalha na praia. Puxa ela pelo braço e a atira no solo. Ela fica próxima de um arbusto para que possa parir. Quando a criança sai de suas entranhas ela corta o umbigo com os dentes e o homem tenta toma-lo puxando pelas pernas da criança. Ela se desespera, grita e ele a esbofeteia. A criança cai e o carrasco ameaça golpeá-lo com o remo. Mas, quando ergue o artefato de madeira ouve-se o sibilo de uma flecha que o atinge no pescoço. Outra atinge o tórax. E o velho cai agonizante.
Então Janira vê que quem a salvou, foi Iteassu que ainda esta em pé no chão de sua canoa. Iteassu aporta. Corre para socorrer o bebê e sua mãe. E diz: “Aquele homem cumpriria uma ordem explicita do pajé. Por isso temos que sair daqui. Dali seguiram para a casa de Tatunkanah.
-
O Caiman
Fazia frio e Andirá acendeu a fogueira. O vento úmido vinha do poente caia surdo sobre o telhado de palha. O sol mergulhava no abismo do horizonte
Ele permanecia lá fora segurando os joelhos. A cabeça apertada entre as coxas e pensando longe. As mulheres entravam rápido nas ocas empurrando as crianças e o vento começava a soprar forte. Então podia ver o sibilo das palmeiras. Lembrava do que lhe contara o mestre de guerras sobre os famigerados caweras. Meio gente meio bicho comedores de carne humana. Seus corpos eram retos e os olhos rasgados cada um dele tinha força de muitos homens. E assim como os Corubos eles têm arma feita de haste de madeira dura com um lado afiado que pode decepar a cabeça de seus inimigos. As flechas dos caweras podiam viajar a grande distancia. Não só pelo tipo de material de que eram feitas. Como, também, pela grande força que tinham nos braços.
E, de andar sorridente pelos campos floridos Iteassu se afastou da aldeia. Já se fazia tarde, pois o sol já se punha no horizonte. Ela se apressava em voltar para casa, quando viu no meio do caminho dois renegados. Eles riam em um tom zombeteiro e tentaram violenta-la. Porém, a jovem sacou de uma haste feita de madeira dura e golpeou com força o lombo de um deles. Enquanto um estava no chão ela acertou a cara do outro lhe tirando sangue. Em seguida deu um salto girando no ar e caiu dou outro lado correndo então para a aldeia.
Súbito. As mulheres começaram a gritar os homens corria em direção ao porto. O filho de Macy foi ferido. Um grande jacaré chamado Caiman o atacara. Perdia muito sangue e não sobreviveria. Sua mãe gritava como louca. Decerto ele morreria. Mas, ali mesmo já começara a desfalecer. Em deu o ultimo suspiro. Andirá vê naquele jovem que também tinha a mesma idade todo o desespero que lhe acometia.
A noite encobre a aldeia e Andirá pensa:
Um dia terá de combater o Caiman e vai dormir triste.
No outro ano, Andirá vai até o lugar do mestre de guerra ele queria aprender sobre a flecha de ponta dura. Aquela que se usinava, sobre o fogo, a pedra pesada que chamavam metal. O segredo que foi trazido pelo povo do oeste do alto das montanhas da grande cordilheira. Os Andes
O mestre disse:
Se você quiser, te ensino o segredo dessas armas. Que um dia foi passado para mim pelos nossos ancestrais. Eles habitavam nas montanhas do poente em uma terra distante onde se consumiriam dez vidas para chegar lá.
Andirá pediu ao mestre da guerra que lhe fizesse uma lança com ponta de metal, pois queria lutar com o Caiman.
O mestre de guerra acenou a cabeça que sim. Ele faria a lança para seu dileto pupilo. Mas o advertiu do perigo que corria enfrentando aquele réptil. Teria que esperar mais, ter paciência, ser prudente.
Não haveria ainda naquele corpo de curumim a força contida nos músculos dos bravos. Seu tórax ainda era fino assim como seu falo.
- Não vejo montanhas, meu senhor. A não ser algumas colinas do lado que o sol nasce. Onde estão as cordilheiras?
- Muito alem do sol poente. Alem do abismo que o sol cai todos os dias. E você teria que subir muitos rios o lugar onde de é mais fácil sair do que entrar. Meu avô já falava sobre esse lugar. Assim como o avô de seu avô e os ancestrais destes.
Somos remanescentes de um povo que foi destruído por invasores estrangeiros que há muitos anos chegaram do reino do mal de vem todos os monstros da horda de Anhangá
Com eles trouxeram enormes facas e armas de trovão.
E então diante dos olhos de Andirá apareceram imagens do episódio sombrio.
Gritos desesperados ecoam pela praça da cidade crianças e velhos são pisoteados pelos cavalos andaluzes e o terror europeu massacra o povo a golpe de espadas. Logo o chão daquela aldeia está coberto de sangue. Então o sacerdote mandou que abrissem as portas da casa das virgens do sol. E muitas meninas fugiram pelas sendas em direção a planície. Mas os invasores perseguiram as jovens e as possuíram depois eles partiram deixando para trás mulheres com seus filhos bastardos. Dos filhos das virgens do sol nasceram nossos ancestrais, pois estes tinham a tez mais clara. E eram altos. Estes eram nômades que durante varias gerações caminharam em direção a grande selva.
Mas no meio do caminho encontraram um povo guerreiro e muito valoroso – Os Je-Mamadi.
E aquele povo uniu-se aos filhos da virgem do sol e deles nasceram muitos. Mas, o povo Je-Mamadi tinha inimigos. Os Caweras, cruéis, sanguinários. Eram todos iguais como se fossem filhos de uma só mãe. No passado já mostraram sua selvageria. Invadiram a aldeia dos Je-Mamadi destruindo tudo mataram os homens e seqüestram crianças e mulheres. Agora aquele povo humilhado tenta se fortalecer e aos filhos das virgens do sol juntaram sua esperança.
E os Caweras vieram de novo para destruir e pilhar. Chegaram confiantes amarrando no porto enormes canoas. E logo foram repelidos. Os Je-Mamadis estavam fortalecidos o sangue dos descendentes das filhas do sol fundiu-se ao seu sangue. E as armas de metal derrotaram os Caweras que fugiram assustado.
O mestre das armas terminou a lança e entregou a Andirá.
- Espero que você tenha força e prudência para usá-la, afinal, a estupidez pode ser sua maior inimiga. Mas, terá que esperar as novas chuvas. Pois neste período do ano o lago está seco e o Caiman migrou para os alagados.
- Obrigado, senhor! Vou ser paciente e esperarei a oportunidade. Que Tupana o proteja, meu Mestre.
Passaram dias e Andirá ocupava-se nos afazeres de uma vida normal.
Resolveu assim a visitar o mestre Cachinawa
- saudações! Mestre.
- Tudo bem, meu jovem. Vejo que não está mais na inquietação que se encontrava na vez anterior.
- Tem razão. Estou tranqüilo. E gostaria de fazer umas perguntas ao senhor.
- Pode perguntar meu filho!
- Mestre, somos donos de da terra?
- Como podemos ser donos da terra? Se nos morremos e ela fica. A terra é nossa mãe. Quando nascemos ela nos alimenta com raízes e frutas. Quando morremos, ela nos recolhe em seu ventre para dormimos o sono eterno.
- Quando morremos é para sempre?
- Temos ouvidos estórias míticas sobre as plantas, o sol e a lua. De tudo isso tiramos conhecimentos. Mas o homem em sua vida efêmera sequer tem sabedoria para viver alguns anos. Como poderia viver eternamente? Vivemos a vida que nos basta. Somente Deus é eterno. Porque assim o concebemos. Como foi a de seu pai e será a de seu filho. Sua eternidade esteve em seu pai e estará em seu filho depois em seu neto. O grande Deus Tupana criou dois pássaro. Um, chamado cujubi que canta ao amanhecer o outro é inhambu, que canta ao entardecer. A andorinha e o mergulhão têm ataque certeiro. Atingem suas presas com precisão, não há como escapar. Entretanto, o morcego voa as cegas. Mas, também consegue seu intento.
- Mestre, a quem pertence todas as coisas?
- Na verdade as arvores a terra e os animais não nos pertencem. E apenas suas vestes, seu cocar e suas armas são seus. A casa e os utensílios de nossas casas pertencem a todos nos. Vivemos em comunidade e de tudo o que caçamos e plantamos temos direito de partilha. E jamais podemos nos apossar de um bem comum por individualismo ou ganância. Todos nós temos direito iguais.
- Porque comemos outros animais?
- A vida nos faz dependentes de energia. A comida nos dá força para que possamos viver. Quando comemos outros animais estamos tirando deste a força que os anima. Mas, essa força ficará em nosso corpo apenas por pouco tempo. E de todos os animais que podemos comer, peço que você não coma os macacos. Antes eu os comia. Mas, aconteceu algo que me fez ter aversão em comer esses animais. Estava eu próximo da aldeia quando vi um bando de macacos. Atirei uma flecha em direção ao galho da árvore que atingiu um deles, esperei que caísse, o que não aconteceu, porque os outros o seguraram puxando a flecha. Do ferimento lhe saiu muito sangue, que os outros macacos tentavam estancar com folha. E de repente todos eles olhavam pra mim com ar de reprovação. O macaco ferido morreu. No entanto os outros não queriam abandoná-lo, ficaram segurando o corpo lânguido de seu amigo até que eu decidi ir embora. Fui para casa, pensativo e por muitos dias fiquei pensando no que aconteceu.
- Devemos tirar muitos peixes do rio?
- Porque deveríamos? Se tirarmos muitos peixes do rio com certeza não vamos comê-los todos. Muitos peixes vão se estragar. Devemos tirar só o necessário para nossa sobrevivência. Comeremos peixe na estação dos peixes. Comeremos caças na época da caça e frutas e raízes quando as encontrarmos. Você vive a melhor fase de sua vida. A juventude é morna como os dias ensolarados. Está descobrindo coisas e a alegria inunda sua alma. Conhecerá a felicidade e o amor. Depois vai casar e ter filhos então os dias s terão sol e chuva. Depois ficará velho e sentirá dor em suas juntas, aí todos os dias serão chuvosos. Quando seu coração ficar inquieto e sua alma perguntar o porquê de todas as coisas. Você deverá refleti o que nos foi ensinado sobre Deus Tupana. Talvez não compreenda quando estiver agarrado nas venturas e prazeres, mas, com certeza servirá nas horas tristes. Então, você vai para e pensar na efemeridade de nossa existência, na insignificância de nosso conhecimento.
A grande canoa dos homens brancos.
Naquele dia, fazia um tempo nublado, mas o sol teimava em rasgar o céu por trás das nuvens. Teriam que fazer uma pequena jornada. Voltariam no anoitecer. Iteassu sempre sorridente entrou na canoa e disse:
- Vamos, Andirá entre na canoa e comece a remar!
E assim saíram do pequeno porto. Andirá remava com força do seu lado mais Iteassu também remava e não deixava que a embarcação pendesse para seu lado.
- Vamos cunhan-tã, você não tem força nos braços.
- Que nada curumim – Açu, o barco dobra para seu lado, logo você é que é fraco.
E, assim se afastavam da aldeia entrada no furo do lago e avistando o grande rio. Súbito avistaram uma grande canoa com imensas folhas brancas que sopravam ao vento. Outras canoas apareciam mais além.
- Que é aquilo Andirá?
- É a grande canoa dos homens brancos. Temos que fugir!
- Como sabe?
- ouvi o relato dos anciões.
O homem Branco é mau, temos que ir embora.
Começaram a remar forte em direção do igapó, a vegetação alagada. Já estavam distantes a muitas remadas quando, como se surgisse do nada, apareceu, numa canoa pequena, alguns homens brancos. Um deles segurou Iteassu pelo braço torcendo-lhe o punho. Iteassu mordeu a mão do homem com seus dentes afiados. Fazendo-lhe urrar de dor. Andirá golpeou a cabeça do outro homem com o remo esse caiu na água.
Então os jovens se lançaram numa corrida desvairada pelos caminhos de canoa da mata alagada.
Em suas faces a cara de espanto. Os olhos de andirá parecia feito de pedra. Remava, remava de volta pra casa. O tempo estava parado em mormaço sem vento. Os lábios de Iteassu melado de suor a respiração sôfrega. Chama por Deus, o grande Tupana. Que faz o sol brilhar de dia e lua de noite. E a canoa corre célere a sabor das remadas, arranhada pelos garranchos da vegetação aquática. A respiração dos jovens é sôfrega marcando um andamento ritmado.
- Não para não! Continuemos remando.
A cara cortada de cipó e engatando na canarana. Os homens com cabelo na cara os perseguiam. Mais valia a pequena canoa dos jovens que riscava a água como o peixe aruanã. Rema. Andirá não para. Porque a respiração deles parece cada vez mais perto. Tupana é o grande deus. O criador de todas as coisas que existem na terra. Não importa que os cipós aquáticos te batam na cara. Mais força nos remos. Mordam os lábios não pare de remar. O bico da canoa resvala nos ramos de amora aquática lançando as frutinhas ao vento. Espanta os filhotes dos répteis. Tupana é o pai dos deuses, o sol é Icoraci a lua é Jaci. Deus tem poder sobre eles. Não pode parar. Nem sequer alcança a velocidade de um mergulhão. Tem que escapar. Remar mais e mais.
Logo eles tomam distancia de seus perseguidores. Não era rápido. Era devagar que nem os passos da preguiça.
Por entre murerus e canaranas avançam pelo lago coberto de vegetação. Até que Por um atalho em desuso chegam pelo outro lado do lago. Arrastam a canoa pela beira e logo são avistados pelo Pajé que rancoroso pergunta:
- Onde vocês estavam?
- Os jovens nada falam e o pajé se dirige a Iteassu:
- Você, mulher-macho, se julga tão capaz, mas eu lhe digo que cedo todo esse seu orgulho rolará por terra. Pois aos olhos do grande Tupana você é uma aberração!
Os jovens vão para suas casas.
Nesta noite andirá tem sono pesado. Dorme como beija-flor e de manhã vai à casa de Iteassu que está em pé apoiada em um esteio. Parece fraca. Tem os cabelos assanhados e os olhos profundos. Andirá toca seu ombro e sente seu corpo queimar como fogo. Ela cambaleia e tomba apoiando no peito de Andirá:
-Estou doente. O cheiro do homem branco me fez mal.
Andirá não sabe o que faz, não tem alternativa a não ser chamar o pajé.
Ele leva Iteassu nos braços até a cabana do pajé que a põe sobre o altar de pedras e cobre com ervas e ungüentos. Enquanto aplicava aquelas medicinas. O corpo da jovem responde com espasmos e tremores e logo mergulha no sono pesado onde os pesadelos tomam conta de seu ser.
Estaria correndo pela floresta agora pontilhada de flores campestre. Vê a alegria estampada nos olhos castanhos da irmã já morta. Mas, não é verdade sua irmã ainda esta viva e poderia novamente falar com ela, pentear seus cabelos e sentir seu hálito. No alto da castanheira pia o gavião. De repente tudo muda e aparece o sorriso sarcástico do pajé. Ela quer correr, mas seus pés afundam no tijuco as pernas, até os peitos, ela luta. Assim mesmo desaparece no pântano negro num desespero enorme, num último fôlego esperneia e é lançada para fora. Agora vem a dor por todo o corpo. Seu corpo queima. Sente muito frio. Tenta abrir os olhos. Naquele dia ela sofria muito e Andirá, no fim da tarde foi até a ela. Não suportou vê-la daquele jeito as folhas das plantas usadas pelo pajé permaneciam grudadas em sua pele e do seu rosto escorria um substancia gelatinosa. Quando lhe chamou o nome ela não respondeu. Perguntou ao pajé se ela ia morrer, ele nem ligou.
Muitos dias se passaram sem que ela tivesse melhora. Andirá não mais aparece. Quem a ajuda agora é Tucumã o discípulo do pajé aquele que lhe colhe as ervas assim como os ingredientes daquelas poções mágicas. Ele passa remédios na testa de Iteassu que, finalmente, parece melhorar.
No outro dia abre os olhos. Ainda embaçados pela doença. Ela tem cabelo estrepados e seus lábios estão roxos. Mas está consciente e pede água Tucumã traz. Ele olha para o rosto da moça. E vê que apesar das agruras que passara vem lá do fundo os rastros de sua beleza. À tarde. Ela pede que o jovem a ponha sentada. Pergunta “qual é o seu nome?” e desfalece.
- Tucumã. Mas já na adianta mais. Ela não houve e ele espera.
Ele que foi seu amigo na infância, no entanto, ela não se lembra. Porque durante muito tempo a observava. Ele a viu crescer. Viu seus peitinhos brotarem. Viu muitas vezes os sutiãs de cuia e saia de penas. Agora a encontra assim. Queria vê-la correndo pelos campos naturais com os cabelos esvoaçantes.
Toma Iteassu nos braços e a deita novamente com os cabelos espalhados pelo punho da rede. A boca entreaberta. Boca linda. A tez morena e os braços roliços.
Ele tem sede de amor nunca possuiu uma mulher. Ela seria dele. Ele mesmo construiria um ninho de amor. A encantaria com poções mágicas e prenderia para sempre. Serviria para ela a melhor comida. Peixe moqueado e taberebás tapiocas e carne de anta.
Mas logo lhe vem a realidade. Isso sim lhe machuca.
Não seria verdade. Jamais ela seria sua. Nunca foi guerreiro. Para ela nada significaria. Ela tem na alma a paixão pela luta. Gosta do perigo e não teme a morte.
Roga a Tupana que sare logo. Não seria justo ela morrer tão jovem. Sobe nos troncos da carapanauba. Traz a casca. Quando chega ela está sentada. Ele corre para segura-la ela o empurra com uma das mãos olha em seus olhos e pergunta:
- Quem é você?
- Chamam-me Tucuman.
Agora ela se espanta lembra do discípulo rejeitado do mestre de guerra. Este nunca soube flechar, não gostava de competições e não tinha coragem.
Porém, o modo qual ele a tratava fazia diferença. Iteassu não se importava muito com as pessoas comuns. Mais ficou olhando olhos baixos na cabeça inclinada em sinal de reverência. Decerto queria honrá-la e se não era corajoso, pelo menos era servil.
No outro dia, ela estava melhor, pediu comida e ele trouxe.
Tinha estirado sua rede num canto da cabana e ela deitou. Suas pernas roliças ele já besuntara com óleos do mato. E os cabelos ele mesmo lavou.
Quem canta na imbaúba é o curió. E as araras soltam grunhidos.
Ele a olha de perto e vê que o brilho da vida voltou aos seus olhos. Ela esboça um sorriso.
- por favor! Leva-me até o rio.
Tucumã a carregou nos braços. Sentou-a no fundo da pequena canoa e remava devagar pelas águas calmas do lago. Ela parece hipnotizado com a beleza da jovem. Melhor tirar a vista. Poder olhar para alguém tão linda de coração tão valente era uma dádiva de Deus.
Pensava:
Que ela não sofra mais. Pediria incansavelmente a Tupana. Que jogasse, sobre ele mesmo, o fardo de todas as desgraças do mundo. Mas, a livrasse do mal.
O brilho do sol trouxe ao rosto dela o rubor das faces que incendiava seus olhos castanho-claros. Os dentes brancos por trás dos lábios entreabertos. Uma mecha fina de cabelos grudava em sua fonte. Seu corpo alongado se espichava pelo chão da canoa e ela apoiava seu peso nos pernas fortes de Tucuman.
No meio do lago ele parou de remar. Poderia a ouvir dizendo: "por favor, deixe o barco ao sabor do vento". Quero sentir a brisa. Respirar a vento que passou pelos murerus. Ver o sol coberto pelo bando de garças.
Ela se esforça para sentar-se no banco e com a cuia joga água pelo seu corpo.
O cheiro de mulher se espalha. Ele percebe o desejo invadir seu ventre. Ele se aproxima lentamente. Com as mãos segura-lhe os ombros. E a aperta de encontro o peito.
Mas o volume de seus seios cisma em mantê-los afastados. Ele cheira-lhe o pescoço levando – à inclinar suavemente
Deita sobre ela, que abre as pernas, e começou a possuí-la. Primeiro devagar como o compasso das remadas depois rápido como bater asas do mergulhão.
Ela o abraça e ele continua a cadência.
Agora ela trança as pernas por sobre suas costas e aperta com força e os movimentos de quadril dele levanta as cadeiras dela. É o “chap!” “chap” do prazer,
Logo vem o delírio do amor que os invade. Primeiro ela que geme baixinho. Depois ele que explode num gozo gostoso. A cabeça de Tucuman roda e ele tomba de lado. Muitas coisas lhes passam a cabeça. Ela era ótima, mas não era mais virgem. Com certeza Andira foi o primeiro e Tucuman parece triste. Ela fala com a voz terna e logo ele toma juízo. Afinal tinha conseguido sua maior conquista. Porque deveria exigir tanto. Agora ficam parados ele se preocupa e pergunta como ela está. Responde que está bem ele rema a canoa em direção ao porto. Quando chega ele a carrega nos braços. Vão sorrindo. Estão felizes.
Por esta noite ela ainda dormiria na cabana do pajé. E ele a deixa na porta e vai para casa feliz. Ao primeiro piu do bacurau já está dormido. Mesmo dormindo a felicidade aparece em um leve sorriso estampado em seu rosto.
A noite passa rápido. Logo é outro dia e vai banhar-se no rio depois corre para Iteassu. Mas se espanta em vê-la em pé parada na porta, pintada empunhando sua lança, pronta para uma nova lide.
- Vem comigo!
- Aonde?
Pergunta de repente. Embora já saiba a resposta.
- Não sei lutar. Não conseguiria ferir meus semelhantes.
- Ela o observa com ar de reprovação. Mas não fala. Amarra as flechas nas suas costa. E passa a sua ilharga.
- Não se vá! Podemos ser felizes e ter filhos.
Ela permanece calada juntando suas armas.
Logo chegam dois guerreiros que a esperam do lado de fora. Ele corre atrás e tenta segura-la. Mas e reprimido por dos amigos dela. Que o lança ao chão. Caído ele pode vê-la se afastar. E assim, ela vai sem olhar para trás. Entrando na mata pelo lado nascente, em direção ao rio.
Tucumã parece inquieto. Afinal de repente seu mundo caiu. Não queria ficar assim com o peito doendo. Já pesara em fazer o ninho para ficar com sua amada. Aquela que agora o deixa assim. Seria, para ela melhor a guerra do que o amor? Como se jubilar diante de cadáveres.
O mundo precisa de harmonia. Não aceita a idéia te ver mortos seus semelhantes. Melhor seria ver em cada um a força da irmandade. Que pudessem se espalhar pelo mundo o amor e prevalecesse sobre os homens a paz.
Mas, Iteassu já está longe caminharam por todo o dia e agora, surpresa, vê Andirá caminhar em sua direção.
- Pensei que tinha me abandonado, falou Iteassu.
- Soube que você tinha melhorado e por isso mandei busca-la. Esta grande canoa se desgarrou da flotilha. E á uma boa oportunidade para nos vingarmos daqueles que causaram sua doença. Estávamos esperando o momento certo e achamos que agora é chegado. Não podemos hesitar. Vamos surpreender os homens brancos.
O retorno.
Passou uma noite e Iteassu apareceu. Vinha sorrindo e conversando com seus amigos.
E de tristeza chorou Tukuman. Seus olhos embotados tristeza e lagrimas. Onde estava Iteassu? Já sabe que ela se fora em direção ao destino de Andirá. Logo ele que tinha lhe abandonado. Porque chorar. Por sentir no peito a dor da ingratidão. Afinal não é dele a culpa de Iteassu segui por um caminho que julga sombrio.
Ele a vê chegar. Pensa em complementá-la. Fica no caminho e estende as mãos mas Andirá o empurra ele cai, desajeitado no chão. Depois fica de cócoras. Andirá se aproxima e esmaga uma goiaba na cabeça de Tukuman que se curva e enfia a cara na lama. Iteassu segura Andirá empurrando-o para o lado então eles se vão. Deixando Tukuman afundado na lama. Ali permanece muito tempo. Tem o coração magoado e o espírito da doença que quebrantou Iteassu se instalou em seu corpo.
Quando vem a noite ele se deita no chão da cabana do pajé. Todavia, não domina o sono ora dorme assim como quem cochila. Ora morre por algum tempo. Sente o calor dominar seu corpo. Depois vem o frio, seu corpo tirita só com a brisa da madrugada O que está acontecendo? Ele levantou cambaleando e foi em direção da casa de Tatunkanah. Lá foi recebido com um chá.
- Obrigado! Amigo. Mas meu coração está doente.
- Doente de amor?
- Sim, meu amigo. Mas, me dói também o corpo. Não sei o que tenho. Minhas entranhas queimam como fogo. Mas, minhas pernas tremem de frio.
Tatunkanah apóia a ilharga de Tukuman e o carrega para dentro.
Os olhos de Tukuman já não querem abrir. Sua alma esta solta vagando nas alturas. Primeiro sobre as copas das arvores do alagado. Depois, sobre as grandes castanheiras.
Viaja solto no éter. Sorri um sorriso insosso. Sem gosto e se voa é arrastado pelo vento.
Embaixo, pode ver o rio, o lago, as cachoeiras. O gavião pega-macaco risca o céu em direção as nuvens. Súbito vê os morcegos que chegam apesar do sol escaldante. São pequenos ao longe, e, de repente estão perto e tem o tamanho de um homem. Um deles tem a cara de Andirá o outro é iteassu. Eles abanam as asas pairando no ar.
- O que você quer? Covarde. Pergunta o morcego Andirá. Graças a Tupana não conhecemos a desgraça de ser como você. Sua fraqueza significa a desonra e faria cair sobre nós a fúria de nossos inimigos. Seu sangue é de barata. Causa-nos revolta o seu proceder. Desde que os filhos das virgens do sol juntaram-se aos Je-Mamadi banimos de nossas almas a covardia. Quem nos ferir será fatalmente ferido e ninguém humilhará nosso povo. De ti só pode brotar vermes como os que rastejam pelo chão. Por toda sua vida ínfima terá como lema a submissão e mesmo não querendo lutar, pisarão suas costas e cuspirão o seu rosto.
Então o morcego com cara de Iteassu o observava com pena.
Subitamente, Andirá se aproximou e cravou suas garras nos ombros de Tukuman e o carregou para um redemoinho onde o largou ao léu.
E Tukuman caia, e caia até mergulhar nas águas calmas do lago.
Foi até o fundo onde alguém o segurou pela mão. Era o Caiman que junto com a cobra e a ariranha o tratavam como cerimônia. Diante os restos de carne.
- Vê! Meu caro amigo pode se servir a vontade. A carne ainda está fresca. São resultados do ataque sorrateiro que sua amada desferiu contra os homens brancos. Coma! Eu garanto que ela se sentiria orgulhosa.
- Não como carne, nem mesmo dos animais.
- Homens sempre trataram os animais como fontes de energia. E você não fugiria a regra. Mesmo dizendo ser diferente, falou dos outros animais com desprezo. Não seria você também animal? Pois, se até agora os humanos tem se julgado superiores se arrependerá no futuro porque haverá de chegar o dia em que os humanos desaparecerão da face da terra. E nós a quem vocês chamam de inferiores herdaremos o mundo.
Uma torrente de água formou-se rodeando Tucuman e expulsando para cima em forma de um enorme esguicho. Tukuman tenta acordar de um pesadelo. Se mal consegue abrir os olhos pode ver o rosto de Tatunkanah que aparece cuidando dele aplicando remédios em sua testa.
E assim, durante vários dias Tukuman padeceu. Tatunkanah tratou dele com remédios do mato e somente num dia de sol ele, com dores no corpo, voltou a si.
Falou e comeu pouco. Tatunkanah trouxe-lhe água do pote. E tentou coloca-lo em pé.
Mas as pernas estavam enfraquecidas e ele sentou novamente.
No outro dia, após tomar caldo de piranhas Tukuman se pos de pé. Saiu cambaleante em direção a grande pedra que fica na beira do rio e ficou a meditar. Recostou-se na rocha e fechou os olhos, pois sua cabeça ainda doía. Quando abriu. Viu uma perna de mulher rente a sua cara. Podia ver na panturrilha as tatuagens que eram marca da realeza. Era Manai, a mesma que um dia, fora rejeitada por Andirá. Ela, muito afilada olhava para baixo com olhar esnobe.
A jovem se agachou acariciando o rosto de Tukuman e com a outra mão apertou-lhe o sexo. Ela sentou na pedra e colocou a cabeça de Tukuman em seu colo.
- Você está sofrendo por aquela safada!
- Iteassu não é safada, ela apenas está confusa.
- Você merece mais que isso. Já foi traído humilhado e ainda a defende. Eu não mais serei traída porque desisti de Andirá. Tudo que quero é me vingar. Ele vai sentir na pele o mal que me causou. Talvez seja melhor que nos unamos você precisa fazer Iteassu sofrer. Só a vingança pode acalmar nossos corações. Enquanto isso, poderemos nos divertir fazendo amor. Porque não, afinal merecemos um pouco de alegria depois de tudo o que fizeram conosco. Hei de ver Andirá chorando e implorando piedade e você deve fazer Iteassu sofrer, porque ela só quis brincar com você. O macho dela é o Andirá. Você não representou nada na vida dela.
Mesmo debilitado, Tukuman era jovem e sentiu tesão quando aquelas mãozinhas acariciavam seu corpo. Ela despiu-se e foi sentando no membro meio endurecido do rapaz com movimentos compassados, se ajeitou até se sentir completamente preenchida. Mexeu, mexeu ata atingir o orgasmo e nessa ora o rosto de Manai brilhou como o sol. Tukuman também gozou, sem muito prazer e na hora sentiu as conseqüências deste ato. Manai falou mais alguma coisa e se foi. Deu uma fraqueza em Tukuman que mal conseguia se levantar. Foi para casa de tatunkanah onde dormiu por dois dias.
- Acorde rapaz! Afinal já está melhor. Já deu até para namorar. Com certeza está melhor.
Tukuman acorda. Embala na rede pensando. Afinal haveria sentido no que lhe falou Manai? Quando ela falou que ele foi um tolo, existe verdade. Contudo, ele não acredita na vingança.
Talvez fosse melhor ele tentar esquecer Iteassu, pois ela pertence a Andirá. Ele sim parece com ela. Os dois foram feitos uma para o outro. Quanto a Tukuman ele é lua e Iteassu é o sol.
Passaram-se alguns dias e Tukuman continuava cabisbaixo. Não tinha alegria, embora a doença já se fora. Quando um menino veio trazer um recado de Iteassu para que a encontrasse, pois se tratava de um assunto sério.
Tukuman foi depressa encontra-la e o que ela contou abalou seu coração.
- Tukuman minha regra não mais veio. Com certeza estou grávida... O filho pode ser seu.
- Tem certeza? O filho é meu?
Não vou te enganar. Não tenho certeza, mas, pode ser seu.
- Então casa comigo. Eu aceito a criança. Também acho que ele é meu.
- Quanto a isso, não estou muito segura. Ainda gosto de Andirá.
- E o bebê também pode ser dele! Não é mesmo?
- É verdade.
- Então porque me chamou? Assim você só me faz sofrer. Mesmo que seu filho fosse meu você jamais ficaria definitivamente comigo. Sou um tolo em acreditar por acreditar em você. Melhor que não tivesse me contado nada. Maldito seja o dia em que nasci. Meu destino é negro como a noite sem lua. Dá vontade de me embrenhar no mato e não mais voltar ou viver como eremita longe de tudo e de todos.
- Não se amargure Tukuman. Você é um homem especial. Apenas não encontrou a pessoa certa. Talvez fosse feliz encontrando alguém como você. Que pense como você, que tenha o mesmo coração mole, que ame o seu próximo. Então vocês poderiam ser felizes apaziguando as contendas, curando os doentes. Eu não sirvo para você. Embora procure entender o seu proceder não compartilho de seus ideais. O idealismo é uma coisa nata. Você não é assim porque quer, você já nasceu assim e nunca vai mudar.
- Você me acha estranho.
- Pode ser. Mas isso não significa que o ache errado. Pela sua lógica você está certo. No entanto me entristece que seja, por demais, ingênuo. Penso que em tudo deva haver equilíbrio. Se o mundo não é totalmente bom não devemos ter cuidado. A mão que acaricia é a mesma que esbofeteia. Retribuo o afago com carinho e revido quando batem em minha face. Seu comportamento é sábio, o meu é sensato.
- Eu gosto muito de você.
- E acredito. E por isso peço que me entenda. Eu preciso sair voando todas as manhas, enquanto você se conforma e viver numa gaiola. Ficar com você seria como manietar minha alma. Deveria ser alegre por ter uma pessoa tão boa a meu lado. Mas sei que você reprova meu modo de ser. Quando chamei você foi porque queria que soubesse que estou grávida. Se conforme com isso, por favor.
Tukuman ficou calado. Iteassu se foi com o cabelo esvoaçando ao vento.
O diretor de índios.
Passaram vários dias. Numa manhã nublada as águas calmas do lago apareceram duas embarcações de homens brancos. Todos ficaram observando alguns se armaram. Mas nada vinha daquelas naus. Depois um homem solitário em um pequeno casco veio em direção ao porto. Não era da tribo de Andirá, mas falava seu idioma.
Saudações! Tenho boas novas.
- Que boas novas poderia vir homens brancos. E você que faz com eles. Perguntou-lhe o rei.
- Nem todos os homens brancos são iguais. Estes são anunciantes da palavra de Deus e com ele vem a paz e a irmandade. Eles são bons e não querem violência. Eu peço que o senhor permita que eles venham até aqui.
O rei hesitou um pouco mas consentiu que os padres se aproximassem.
Logo um bote trouxe três homens brancos barbados que quando chegaram a praia saíram do bote e beijaram o chão.
O rei e muitas pessoas da aldeia se acercaram dos homens. Eles falavam e aquele que os anunciou traduzia.
Os homens falavam de um homem de um país distante que era carpinteiro e morreu pregado numa cruz e que se dizia o filho de Deus. E que por isso poderia salvar a alma de todas as pessoas do mundo.
- Este que vocês dizem ser o filho de Deus não me parece muito poderoso. Pois permitiu que o matassem. Para nós o único Deus é o poderoso Tupana e todos nós somos seus filhos. Mas ele nunca gerou ninguém. Ele não se incomoda com nossas almas porque não as possuímos. Somente Deus tem alma. A nós nos cabe uma vida efêmera.
- A noite, os homens se foram para as grandes canoas e Manai embora em nada tivesse prestado atenção. Fico de pé no porto olhando aquelas embarcações. Pode ver que não apenas os padres estavam nelas. Mas muitas outras pessoas.
- No outro dia, os homens voltaram. Andirá e Iteassu vestiram suas armas e permaneciam de prontidão embora não acreditassem, também, que aqueles homens brancos fossem hostis. Quanto a Manai, ficou se esgueirando, se enxerindo procurando saber coisas. Perguntou do remador qual era o nome dele. Ele não entendeu. Mas com sinas conseguiu uma comunicação modesta.
O remador se afastou do porto e foi até o barco de onde voltou com uma mulher.
- Ela fala um pouco.
- Então eu falo com ela. Qual é o seu nome?
- me chamo Naira.
- Sou Manai. A sobrinha do rei. Você já ouviu falar de Andirá.
- Não, quem é.
- è um assassino que se diz herói. Ele com sua mulher Iteassu atacam e trucidam pessoas. Eles já mataram homens brancos.
- Já ouvi falar de ataques, mas não sabia que era aqui. Nem quem os faziam.
- Então, eu poderia ajudar a pegar Andirá e sua amada. Vou mostrar a vocês. E quando forem embora. Vocês escondido daqueles religiosos seqüestram esse casal de facínoras.
- Bem, se ele é o que você diz, com certeza vale muito. Vamos até o barco. Conversaremos mais.
E assim por três dias os frades visitaram a aldeia e na ultima noite permaneceram nos barcos.
Na manha do dia seguinte procuram por Andirá. Mas não o encontraram. Iteassu apareceu com o rosto melado e o braço machucado. Chorava muito.
No lago já não havia ninguém os barcos se foram pela madrugada.
(continua)
.
, .