O centésimo aniversário (Cap1)

O dia sumia junto ao sol no horizonte, as cores passavam do laranja vivo ao cinza sombrio, os pássaros voltavam a seus ninhos, os animais diurnos preparavam-se para iniciar mais uma noite de sono, e os noturnos, de espreitar e caçar. Toda a vida em seu ritmo acelerado e cotidiano. E como todos os outros dias, especial para alguns, normal para outros e triste para uma grande parte, aqueles que ainda não aceitaram suas próprias vidas ou que ainda não viram o valor que nelas existe.

Uma colina sombreava-se com os últimos raios de sol que batiam em sua outra face. E em seu topo uma figura alta, um ser, um homem sobre um cavalo negro, brilhoso, majestoso.

Do topo da colina à sua face e além se desenhava uma estrada muito bem cuidada e pavimentada. E nela descia o cavalo e seu cavalheiro encapuzado com um sobretudo longo e da cor do animal. Fora construída há muito pelos primeiros senhores daquela terra. Era antiga, mas ainda assim, pelo belo trabalho realizado na sua construção, apresentava poucos sinais de desgaste, principalmente nos pontos onde a terra não era muito úmida. Era o principal acesso aos dois maiores feudos do país. Seu caminho, quase todo linear, a não ser por lugares onde era impossível a criação de pontes ou escavações em montanhas de pedras, facilitava a vinda e ida. Por ali passavam mercadores, que se utilizavam do comércio entre os feudos para sobreviver, exércitos, que se reuniam para atacar ou defender seus territórios, camponeses, à procura de uma vida melhor, e ciganos, que iam de um lugar a outro sempre alegres e cantando.

O homem tinha uma postura nobre e sabia conduzir muito bem seu companheiro, como um guerreiro na comemoração de uma vitória.

Mais à frente, antes da próxima colina, havia uma pequena vila, com aparência pacata e aconchegante. Ele seguia a ela, decidido e com um objetivo, que sabia com certeza alcançar.

A pequena vila parecia vazia quando chegou. Não havia sinais de qualquer pessoa por perto, somente de uma feira que acontecera horas antes. Frutas, verduras e hortaliças descartadas ao chão, além de galinhas e porcos em seus cercados. Tudo vazio, deserto, nem mesmo as chaminés das casas exalavam qualquer fumaça, a não ser por uma, que se encontrava quase ao fim da vila. E foi para lá que o cavalheiro seguiu, andando com suas botas de couro pela lama quase seca e muito pisoteada.

Chegando perto do local pode escutar alguns vestígios de pessoas. Era em um casarão grande, feito em madeira nobre, com várias janelas e uma grande porta.

Amarrou o cavalo a um tronco feito especialmente, junto havia um bebedouro de água limpa e um pouco de capim ao lado, o que alegrou o animal. Deixou-o ali e voltou-se para a frente do casarão.

Esculpidas em carvalho duas estátuas recepcionavam os que chegavam. Muito bonita era a da mulher que expressava um sorriso enquanto segurava três canecas em uma mão e uma jarra em outra. A outra, de um homem, tinha a expressão de cansado, mas ainda assim feliz pela recepção que recebera.

O cavalheiro admirou as estátuas que pareciam antigas, mas ainda assim muito bem conservadas, com detalhes belos em delicadamente desenhados, principalmente o lábios da donzela que pareciam serem esculpidos pelas mãos de algum gênio apaixonado. Olhou uma última vez para elas e subiu os três degraus para a varanda, parou em frente a porta e exitou.

Seus pensamentos vagavam no porque era sempre tão difícil, no porque nunca se acostumara se já o fazia há tanto tempo. Talvez porque nunca se esquecera da última, bem, se nem mesmo da primeira. Com certeza seria sempre assim difícil. Mas sentimentos são sentimentos, não importando para quem seja e assim será, desde o início ao fim dos tempos, algo que não se muda, não como outras coisas, muito menos como gostaríamos. Tinha que fazer, não pela última ou penúltima vez, mas o tinha de fazer, esse era o que conseguira de melhor para si e depois de tanto não encontrava mais meios de não ser. Odiava quando esse momento chegava, mas adorava todo o resto, por isso de não se importar mais tanto, era um aliviante conformismo.

Levantou os olhos, escutou a festa que acontecia dentro do casarão, imaginou a agitação dos festejantes, sentiu a alegria de seus corações e se fez bater na porta.

Não haviam sinais de que poderiam tê-lo escutado, a música, os risos e os passos de dança continuavam sem que ninguém abrisse-lhe a porta. Esperou por alguns minutos e bateu na porta novamente, mas ainda assim sem resposta. Escorou-se numa viga e ali esperou por mais tempo até que alguém aparecesse.

Um senhor de barba branca e comprida chegava a festa e vendo o jovem a espera não exitou em cumprimentá-lo. Ele o abordou como se um velho conhecido e fez questão em levá-lo para dentro, perguntou porque não entrara, pois era uma velha taverna e pousada e por esse motivo não tinha problema em entrar.

O senhor empurrou a pesada porta e uma festa se fez visível. Dança, bebidas e música alegravam tantas pessoas quantas eram possíveis viver na vila. Todos muito felizes. O ambiente Ideal para quem deseja agitação e paz ao mesmo tempo.

Os músicos tocavam uma balada em instrumentos, moças e rapazes dançavam em roda, bebidas eram servidas por um único homem no balcão e algumas pessoas iam e vinham por uma porta que levava à latrina. Mas o que lhe chamou a atenção fora uma jovem que dançava sobre uma mesa no centro da roda. Ela tinha os cabelos ruivos, a pele branca, os olhos verdes e um aspecto angelical. Tomava a redia da dança, fazia passos em que o restante lhe acompanhava. Era alegre, sorria como poucos naquele ambiente e retribuia os olhares dos jovens interessados com outro, somente amigável.

Duas moças que dançavam na roda passaram pelo jovem que acabara de entrar sorrindo-lhe e dizendo pequenas palavras de admiração, mas ele as desprezou, tinha outra para admirar e essa realmente merecia tal atenção.

O senhor que servia as bebidas no balcão deixou esse por conta de outro e foi cumprimentar o visitante. O abordou com calor, entregou-lhe uma caneca com bebida roxa e espumante e deu-lhe as honras da casa, convidando-o a terminar de entrar e se divertir junto aos que ali estavam.

- Venha, hoje é o aniversário de minha filha, aquela que dança feliz sobre a mesa - Disse - Venha, não se envergonhe, participe de nossa festa, seja meu convidado.

O jovem retribuiu-lhe o cumprimento com um aperto de mão e pediu-lhe somente que pudesse ficar em um lugar mais calmo e indicou uma mesa solitária ao lado direito do salão sob as escadas.

- Não deseja um lugar melhor, ali é escuro, pouco aconchegante e desolado - Perguntou o senhor.

- Não, obrigado, desejo realmente só observar.

- Sim, como deseja e venha lhe acomodarei. E não existe em chamar para qualquer coisa que necessitar.

Um aceno com a cabeça de confirmação e estava tudo resolvido.

Sentado sob as escadas, a uma mesa com somente uma caneca de cerveja de cor roxa estava aquele misterioso forasteiro que observava atentamente a culpada pela festa, a garota de vestido comprido, branco e bordado com alguns desenhos celtas de cor verde e de olhos penetrantes, mesmo que inocentes. Era a primeira vez que a via e era a mesma sensação que todas as outras vezes tivera, a de tê-la amado desde sempre. Essa era uma das coisas que nem mesmo ele sabia explicar, era como se tivessem esquecido de explicar-lhe o porque de poder tanto, mas de saber tão pouco. Era de sua vontade poder ter toda a sabedoria de Deus em suas mãos, para poder fazer com que tudo fosse mais fácil, com que nem mesmo ele pudesse sofre e que todas as suas atitudes fossem certas.

- Impossível - Pronunciou alto, mas sem que qualquer um o ouvisse devido a música e os ruídos das pessoas.

Quando já demonstrava-se cansada a garota pediu para que um dos rapazes a ajudassem a descer e quando o fazia viu ao fundo, isolado de todos, a única pessoa naquela festa que ainda não conhecia. Ficou maravilhada com a beleza daquele que também a observava com os mesmos olhos. Mas logo, envergonhada, baixou os olhos, desceu da mesa, abraçou algumas pessoas e foi falar com seu pai, que voltara a servir bebidas no balcão.

- Oi minha filha, está se divertindo? - Perguntou sem olhá-la.

- Sim pai, muito, obrigada - Respondeu ela debruçando sobre o balcão e dando-lhe um beijo no rosto.

Ele esboçou-lhe um sorriso e voltou ao trabalho.

Ela voltou o olhar ao canto do salão e observou discretamente aquele rapaz. Voltou-se ao pai e lhe fez uma pergunta que parecia envergonhá-la.

- Pai, quem é? - Disse mostrando com o canto dos olhos.

- Não sei minha filha, apareceu agora pouco, mas não parece ser da região. Disseram-me que seu cavalo é de raça nobre, deve ser algum rico aventureiro.

- Hum.

- Porque? Você nunca se interessou por forasteiro algum.

Ela passou de seu branco leite a um rosa escuro, demonstrando a vergonha que concordava com a afirmativa do pai. Virou-se e foi conversar com algumas amigas.

As horas se passaram, a lua já se ia alta e s pessoas desanimando. Algumas já haviam ido, outras se despediam para tal, algumas pareciam despreocupadas, ainda saboreando alguns goles de cerveja e dançando completamente embriagados. O salão lentamente começava a esvaziar, as pessoas deixavam-no silencioso e pouco mais da meia noite não havia mais ninguém além dos donos da casa e do visitante.

- Desculpe-me, com a correria esqueci-me do senhor.

- Não se preocupe, estava admirando a alegria das pessoas.

- Poderia ter feito parte da festa. Nem tocou na sua cerveja.

- Não bebo.

- Entendo, isso é raro por aqui. Mas vejo que precisa de algum lugar para se hospedar.

- Sim, preciso.

Nesse momento um garoto de aproximadamente dez anos desceu as escadas com lágrimas nos olhos. A garota fora antendê-lo. Frustrado correu para os braços do taberneiro.

- Sonho ruim meu filho?

O menino confirmou com a cabeça.

- Vá com a sua irmã, eu irei atender o moço e já lhe farei companhia

O menino exitou por uns instantes, mas cedeu e foi abraçar a irmã sentada em outra mesa.

Voltando para o visitante o velho continuou:

- Então, quanto tempo pretende ficar?

- Não tenho certeza, mas... - o forasteiro deu uma pausa na fala e retirou de um dos bolsos um pequeno saco de moedas e o colocou sobre a mesa - quanto tempo isso me dá?

O taberneiro retirou uma das moedas de dentro do saco, olhou-a com olhos fascinados, mordeu-a e a colocou de volta no saco.

- Com isso pode ficar por seis meses aqui sem que tenha de levantar um dedo.

- Pois então é o tempo que ficarei, mas somente aceitarei as refeições, todo o resto eu farei.

- Sim, como desejar. Mas, ainda não sei seu nome.

- Nem eu o seu, mas prefiro me privar por enquanto.

- Respeito. Me chamo Robert.

Os dois homens se cumprimentaram apertando as mãos.

Robert chamou sua filha e a mandou arrumar o quanto que hospedaria o novo hospede. O menino sentou em uma cadeira ao lado do pai e ficou escutando atentamente os dois que trocavam poucas palavras.

Quando a garota retornou Robert levou o forasteiro até seu quarto, o segundo melhor da casa, que somente perdia para o do dono.