O jogador cego
Ele havia se curado inteiramente de grave depressão graças ao seu interesse pelo jogo de xadrez.
Começou a ler livros de xadrez, acompanhava os torneios dos campeões mundiais. E até se tornou fã do grande Fischer, o americano que derrotou a hegemonia dos russos.
Foi tão pronta a sua cura, que resolveu entrar num clube de xadrez. O Clube de Xadrez Guanabara. Divertia-se "a grande" jogando com os sócios do clube. Claro, raramente ganhava. Mas ele sabia que era ainda um iniciante, portanto não levava a sério suas derrotas constantes.
Passaram-se os meses, logo tornou-se um jogador regular, na verdade medíocre, pois não estudava muito os fundamentos do jogo. Mas já começava a ganhar, principalmente quando jogava com os amigos do bairro; esses totalmente uns “capivaras”, gíria do xadrez para quem não sabe jogar.
Depois de um ano, vemos o nosso herói participando de torneios no clube. Sempre ficando nos últimos lugares. No entanto, de vez em quando, ganhava de um jogador mais experimentado. Mas era uma raridade.
Um dia, apareceu um jogador cego. Vinha com sua mãe, que ficava ao seu lado na mesa do xadrez. Um jogador cego tem que usar um tabuleiro especial, embora as jogadas todas exijam ser calculadas de cabeça.
O nosso herói resolveu, caridosamente, jogar com o jogador cego. Rapidamente o cego ganhou o jogo e com xeque-mate. Todos que estavam no clube abraçaram entusiasticamente o cego. Somente o narrador deste conto é que ficou sem graça e procurou retornar o mais rápido possível para a casa. Pois este narrador era o adversário do cego. E ficava claro que lhe faltava ainda aprender a lição de superação dada pelo cego naquele dia. E ia no ônibus rememorando os gracejos que os enxadristas costumam falar, de preferência usando um cacófato, quando jogam. E o que ele mais se lembrava, quando alguém perdia, era essa frase: - “ Acabou-se tudo”.