ERA UMA VEZ... 
                                                           (homenagem ao dia dos namorados)

Século V. Manhã de sol em plena primavera. Claudine sentada na relva olhava a paisagem. As flores embelezavam e perfumavam o ambiente em volta. Borboletas multicoloridas esvoaçavam ao sabor da bruma suave disputando com colibris e abelhas o pólen das flores. No entanto, o olhar de Claudine denotava tristeza e se perdia no infinito. Sua pele clara ruborizava em conseqüência dos raios do sol daquela manhã. A jovem Thizi, cunhada e fiel amiga aproximou-se de Claudine que compenetrada nos seus pensamentos não percebeu a sua chegada. Assentou-se ao lado de Claudine e lhe disse: você tem que ser forte. E eu estou aqui para ajuda-la. Em seguida abraçou a cunhada e percebendo que esta chorava, acolheu-a nos braços carinhosamente a acalentar-lhe a angústia. Vim busca-la. É preciso que você me acompanhe. É chegada a hora de Filipe partir. Thizi ajudou Claudine a levantar-se e amparou a cunhada pelo ombro, conduzindo-a ao interior do palácio. A ponte levadiça pareceu uma eternidade para a travessia. O fosso em volta do castelo parecia um mar tamanha era a ansiedade de Claudine. Seu coração de mãe e esposa relutava em enfrentar o momento que a separaria do homem que ama e do seu filho querido. E cada passo era um tormento. Claudine enfim, acompanhada de Thizi chegou ao interior do castelo.
A tropa estava formada. Soldados perfilados lado a lado com suas reluzentes armaduras e armas aguardavam as ordens para iniciarem a marcha. Os inimigos
aproximavam-se a passos largos de Dijon e se fazia necessário que se tomassem medidas para conte-los. Claudine aflita sabia que seria uma batalha sangrenta e temia pela vida do seu marido e filho amado. Porisso encontrava-se daquele jeito amargurada e buscava na cunhada o amparo para o seu sofrimento.
O sol já se fazia pleno ao meio dia, quando das cavalariças surgiu o garanhão branco de crinas longas e coberto por manta negra com a marca do reino do Ducado de Dijon. O cavalariço posiciona o belo animal à frente da tropa a espera do seu dono. Do interior do castelo surge a figura imponente do Duque Filipe
Rouanet com sua armadura trabalhada a fim de moldar-lhe o corpo, acompanhado pelo filho, o jovem Guilherme. Claudine corre em direção ao marido e atira-se aos seus braços em lágrimas. Carinhosamente Filipe aconchega-a nos braços enquanto acaricia seus dourados e cacheados cabelos. Guilherme aproxima-se dos pais e os três abraçam-se em despedida. Em vão Claudine suplica: Filipe, não vá. Mas Filipe responde que é preciso. Um beijo na esposa e um aceno para a irmã Thisi, e Filipe afasta-se da mulher, dirigindo-se aos seus comandados.
Montado no seu cavalo, Filipe dá a ordem de marcha e os clarins ecoam, fazendo a tropa iniciar o deslocamento. Lentamente ultrapassam a ponte levadiça e aos poucos cruzam o campo verde, sumindo no horizonte por trás das montanhas que circundam o castelo. O olhar de Claudine fixo no horizonte parece procurar o último vestígio do seu amado e do filho querido. Sabe que eles estão indo para uma batalha sangrenta com inimigos implacáveis. Teme pela vida deles mas não pode fazer nada a não ser rezar e esperar ansiosa pela volta de todos. Thizi mais uma vez, dedicada amiga, conduz Claudine aos seus aposentos.
Anoitece e Claudine continua com o pensamento distante, certamente acompanhando a jornada do marido e do filho. Nem tocara nos alimentos que os serviçais lhes trouxera. Apenas olhava a noite que chegava pela janela em busca de um alento para o seu sofrimento. Adormece sem se dar conta que a noite já se fazia alta e seu corpo cansado pedia por descanso. Enquanto dorme um sono inquieto, parece tomada por pensamentos estranhos
como se fossem maus presságios. E assim amanhece o dia e encontra Claudine deprimida e triste. Lá fora a natureza parece compreender a dor daquela mulher e se compadece dela, trajando uma cor cinzenta, num dia enevoado e sombrio, em que não se ouvem os pássaros nem os outros sons da natureza. A tristeza de Claudine contagia a todos que dela se acercam e o castelo até então alegre pela presença daquela exuberante mulher, experimentava agora a tristeza de ver sua senhora deprimida e calada. E assim passam-se os dias para Claudine, sem resposta para as suas perguntas, sem noticias do marido e do filho.
O verão estava chegando e o calor aumentava gradativamente. Os pássaros buscavam o frescor dos chafarizes no centro do castelo a fim de se
refrescarem. Os vassalos procuravam sombras e se locomoviam preguiçosamente. Thisi pede a criada para servir refresco de morangos a Claudine e tenta animar a amiga relembrando historias da infância. Claudine porém, numa expressão indiferente mal ouve a cunhada. Seu olhar perdido no horizonte parece a cada dia esperar a volta do seu amado esposo e do filho. Recorda-se de como o conheceu, quando caminhando nas proximidades do castelo, não percebera a aproximação de um urso pardo que sorrateiramente vinha na sua direção. O então capitão Filipe que estava próximo dali com alguns soldados percebera a situação e lançara-se de encontro ao urso, interpondo-se entre ele e a linda Claudine. Filipe cravara a sua lança no peito do enorme urso que apenas cambaleou, indo furiosamente em direção ao seu algoz. Filipe brandido sua espada esperou o momento certo e acertou a arma novamente no peito do animal que caiu por terra sem vida, devido ao golpe fatal. Em seguida, tomou Claudine nos braços que trêmula, mal conseguia permanecer de pé. Colocou-a no seu cavalo e a conduziu ao castelo. A atitude de Filipe rendeu-lhe horárias e admiração por parte de todos. E Claudine que já em diversas ocasiões confidenciara a Thisi a sua admiração pelo seu irmão, de repente percebeu que sentia algo mais por aquele rapaz. Da mesma maneira, Filipe não podia mais esconder o que sentia a muito por Claudine, e salvar a sua amada foi para ele como se estivesse salvando a própria vida.
O sol escondia-se por trás das copas das arvores. Os pássaros buscavam seus ninhos após a última refeição do dia. Soprava uma suave brisa de fim de tarde. Na trilha que saía da floresta um camponês surge aos brados: estão de volta! Eles voltaram! Vinha correndo trazer a noticia ao castelo. Claudine de sua janela assistia a tudo com uma indisfarçável alegria e um discreto sorriso nos lábios. Rapidamente deixou seus aposentos e acompanhada de Thisi dirigiu-se ao pátio do castelo onde encontraria notícias. Lá chegando
encontrou o camponês cansado pela correria a fim de trazer a notícia, e mal conseguindo falar, vendo Claudine, reverenciou-a e disse: estão de volta, minha senhora. Aproximam-se lentamente porque trazem muitos feridos e mortos. Recebendo essa notícia Claudine sentiu um aperto no peito e seu olhar procurou no caminho de acesso ao castelo em busca de uma visão que lhe tranqüilizasse. Mas ela pressentia que teria notícias ruins.
Menos de duas horas, já noite, a tropa acercava-se do castelo. À frente, Guilherme conduzia o cavalo de Filipe sem ele. Claudine previu o pior. Todos entraram no castelo e o estado da tropa era deplorável. Muitos feridos, muitos mortos, e os que sobreviveram, mal se agüentavam de pé, após a batalha e a longa jornada de volta. Guilherme saltou do cavalo e abraçou emocionado a mãe e a tia, que choravam. Filipe. Onde está meu esposo? Perguntava angustiada Claudine. Guilherme abraçado a mãe responde murmurando e chorando. Ele foi um herói, minha mãe. Derrotou muitos inimigos. E se conseguimos vencer e expulsar os invasores, foi pela valentia do meu pai, que lutando bravamente conseguiu dar cabo de muitos inimigos e exortar nossa tropa à vitória. Dito isto, Guilherme ordenou que trouxessem o corpo de Filipe.
Claudine mal se continha tamanha era sua tristeza ao saber do amado morto em combate. A consternação de todos se fez evidente, pois Filipe era mais que um senhor, de tão bom que era para seu povo, todos o consideravam como um pai.
O cortejo fúnebre aproximou-se do jardim externo do castelo, onde existia um pequeno cemitério destinado aos nobres da família. Chovia uma garoa fina e a névoa acinzentava o dia nublado. Descido o corpo de Filipe ao túmulo, lentamente todos se retiraram e Thisi e Guilherme amparando Claudine a conduziram de volta ao castelo. Foram dias de profunda depressão e tristeza, pois sem Filipe Claudine parecia não encontrar mais motivo para viver. Ao fim de três meses sem o amado esposo, Claudine, debilitatada e doente, amanheceu morta no leito. Um discreto sorriso nos lábios e o rosto com um aspecto de felicidade, como se ela tivesse deixado essa vida contente por saber que estava indo de encontro ao seu amado.

* Este texto está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibido a reprodução parcial ou total. Visite o meu site: www.prosaeverso.net

Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 10/06/2007
Reeditado em 20/06/2009
Código do texto: T521265
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.