Desconhecidos [parte 1 de 2]
Lugar, outro lugar.
O carro parou diante de um beco sujo e mal-cheiroso, sob a luz pálida de um poste solitário. Estava chovendo e algumas poças de lama já se formavam no asfalto esburacado. Daren olhava para o relógio a cada segundo, 23:22, o tempo não passava. Ajeitava inconscientemente o retrovisor e limpava o pára-brisa com um pano encardido. Estava um pouco frio e, talvez, por isso a rua estava deserta. Ele cantarolava alguma coisa que ouvira mais cedo no rádio, odiava quando uma música, cuja letra ele não sabia, insistia em surgir entre seus pensamentos.
Um barulho de tiro veio de algum lugar próximo. Daren, meio assustado, olhou para fora tentando ver de onde o barulho viera, não gostava de confusão, mas sempre se envolvia nelas e, pelo visto, ela já estava vindo atrás dele. Dois homens apressados vieram correndo pelo beco. Estavam desesperados, atropelavam tudo que havia em sua frente. Saltaram algumas latas de lixo que bloqueavam a saída e deram de cara com o carro, Daren estava encolhido lá dentro. A polícia estava atrás deles e se demorassem uma fração de segundo seriam pegos. Um tiro atravessou o beco e acertou a lataria do carro, fazendo um buraco redondo e, provavelmente, acabou tirando Daren de seu esconderijo.
- Entrem logo – Daren disse pelo vidro aberto. Sua mente lhe perguntou: Por que diabos você faz isso?
Os dois homens, sem pestanejar, entram no carro, ambos no banco de trás. Daren arrancou, espalhando lama para todo lado. Dobrou a esquina seguinte em alta velocidade e ganhou a rua principal, mergulhou numa confusão de carros, buzinas e direções. Aparentemente, havia se livrado dos policiais, seria impossível encontrá-los naquele tumúltuo de veículos. Era bom no volante e adorava colocar suas habilidades à prova.
Os policiais viram os faróis traseiros do carro desaparecerem no fim do quarteirão e nada mais do que isso. Eles eram cinco e mesmo assim não puderam pegar os bandidos. Do alto do poste mais próximo, de mãos cruzadas e controlando sua impulsividade, outro homem observou o carro fugir. Era Upiro, um sujeito estranho que possuía um vínculo especial com o delegado, Harold. Sempre estava seguindo os policiais, como uma sombra ou, talvez, como um anjo da guarda, e vez ou outra os ajudava. Em alguns casos, ele e o próprio delegado trabalhavam em conjunto e em outros, ele fazia tudo por conta própria. Ninguém, além do delegado, sabia de sua participação nos casos. Tudo era mantido em sigilo e por um motivo evidente. Upiro era estranho, bastante estranho. Seu nome era apenas um boato que corria entre os policias e figurava nas histórias de alguns. Upiro foi atrás do carro, andando sobre os fios da rede elétrica. Era leve e dono de um equilíbrio impressionante. Corria despreocupadamente sobre os cabos, como se estivesse no chão, em terra firme.
Os fugitivos não disseram uma só palavra durante todo o trajeto. Eram muito parecidos fisicamente. Tinham os mesmos olhos azuis e a pele muito branca, como se, desde pequenos, tivessem vivido fugindo do sol. Os cabelos de ambos eram longos, um pouco a baixo dos ombros, e castanhos. Embora fossem bastante parecidos, estavam vestidos de maneiras bem distintas. Um deles, o mais alto e provavelmente o mais velho, usava uma camiseta preta justa e uma jeans azul surrada. O outro vestia um casaco longo de couro pesado e luvas.
Daren parou diante do número 77 da rua do museu de arte, como seu contratante havia lhe pedido. Era uma casa velha, não estava caindo aos pedaços, mas já estava quase lá. Um pequeno jardim murcho de azaléias dava as boas vindas e as janelas, fechadas com tábuas, piscava para eles, querendo dizer: Desapareçam daqui. Mesmo assim, eles desceram do carro. Os fugitivos se apresentaram.
- Eu sou Adrian – o de casaco estendeu a mão. – E esse é meu irmão, Suruki – o outro, meio sem jeito, cumprimentou apenas com um aceno.
- Eu sou Daren – ele retribuiu o aperto de mão e cumprimentou Suruki apenas de longe.
- Não quero parecer grosseiro e, muito menos, mal agradecido – ele olhou para Suruki e depois se voltou para Daren. – Mas, por que você nos ajudou?
- Não era para eu ajudar? – Daren espantou-se. – Fui contratado para pegá-los naquele beco e trazê-los até aqui.
- Contrato? Quem? – ele levantou os ombros sem entender.
- Não sei quem é. Ele me ligou ontem e meia hora depois já havia feito o depósito do pagamento – Daren olhou para o lado, parecia ter ouvido um barulho. – E foi muito claro quanto ao trabalho.
- Puta Merda! – Suruki disse para si mesmo depois de socar o ar.
- Nós não ligamos para você e nem pedimos ninguém para ligar. É impossível que você tenha sido contratado para nos pegar – ele balançou a cabeça.
- Mesmo? Já fiz o que devia fazer, vocês já estão no número 77, então é melhor eu ir embora logo.
Daren olhou de relance para a casa e um arrepio começou em seu polegar e eriçou até os cabelos de nuca. Uma sensação de déjà vu seguida de um desconforto muito grande apossou-se dele. Sentiu-se com medo, mas atraído, como se um monstro chamasse seu nome e ele não pudesse deixar de atendê-lo. Ele olhou diretamente para a casa e tentou encontrar algo em sua memória que justificasse tal sensação. Afundou em um minuto de delírio.
- Vocês vão entrar? – ele recobrou a consciência e perguntou aos dois.
- Vamos – Adrian respondeu antes que Suruki se manifestasse. De algum modo ele percebeu o que Daren sentiu.
Daren foi até o porta-luva do carro, pegou seu revólver, verificou se estava carregado e o guardou no bolso interior da jaqueta.
- Eu vou com vocês.
Do poste, Upiro assistia a tudo e a mesma sensação que importunara Daren também lhe ocorreu. Será que deveria entrar junto com eles? Ele deslizou pelo poste, rodopiando em torno dele e foi até Daren e os outros. Upiro vestia uma jaqueta de motoqueiro fechada até o pescoço, tinha parte da cabeça e um dos olhos enfaixados, o que ele disfarçava com um boné. Era muito rouco; sua voz parecia um sussurro ou, às vezes, o urro de algum animal, isso só quando ele estava nervoso. Movia-se com destreza e até mesmo ao andar demonstrava seu metodismo exagerado. Trazia suas três inseparáveis facas e as mantinha ao alcance de suas mãos, no entanto, longe de olhares indesejados.
- Afaste-se, Daren – Adrian disse ao ver Upiro.
- Eu quero ir com vocês – Upiro disse ao ver a reação deles.
- Por que? – Daren perguntou já com uma das mãos no revólver.
- Porque ela me chama – ele disse com certo tom de mistério.
Eles se calaram e a voz que os chamava fez-se ouvir. Ululante e irresistível, se desdobrava na noite, abria seus braços, espreguiçava e os envolvia em seu abraço.
- O que estamos esperando? – Daren quebrou o silêncio