Decisão

Ela ouviu cada palavra, não fez nenhuma interrupção ou pausa e seus olhos sempre distantes davam a qualquer um a impressão de frieza e impiedade. Mas enquanto ouvia seu próprio filho confessar que havia traído o caminho que para ele havia sido traçado, ela só pensava na criança, tão inocente, tão alheia à forma como tinha vindo a este mundo, sem saber o que a aguardava.

Vertonímia esperou que o filho se calasse, esperou que a última palavra tivesse sido pronunciada antes de abrir a boca. Mas quando o fez sentiu até mesmo seu próprio coração se calar, viu o medo nos olhos do filho, o mesmo que havia visto tantas vezes antes quando este era pequeno e depois de uma travessura, a olhava com estes olhos medrosos esperando a bronca. Quando sua voz saiu, baixa e firme, sentiu um peso dentro do peito, mas seu olhar não se suavizou e sua voz não tremeu, e ao invés de dar voz ao misto de mágoa e amor que estava sentindo, deu como sempre voz à razão.

- Desde o momento em que traiu seu destino você soube que sofreria as consequências. Não venha agora tentar se esconder entre minhas pernas como o fazia antigamente, pois sabes bem que não devo livrá-lo da desventura atraída por seus atos.

- Sabia eu da punição que receberia por meus atos. Sabia e aceitava, sei que lhe causei desgosto ao desobedecer o caminho que me foi destinado, e acredite, faria tudo para evitar teu sofrimento, mas não pude resistir ao sentimento por Mirian, por este sentimento aceito a morte de bom grado, mas mãe, se eu fizesse ideia de que ela seria punida, de que a criança seria punida por meus atos, jamais teria feito oque fiz. Por isso imploro sua ajuda, não deixe que um inocente, seu neto, pague pelos meus erros.

Agora ela via que o olhar do filho não era o mesmo, no rosto daquele rapaz havia uma expressão séria, amedrontada e agoniada como jamais havia visto antes, e isto provocava na mãe uma dilacerante dor, como de alguém que falhou, dor de uma mãe que percebe ter falhado na mais importante das tarefas, a tarefa de fazer seu filho feliz. A dor era forte, mas não cegava seus olhos, Vertonímia sabia que a única forma de proteger a criança era protegendo juntamente seu filho traidor, e assim sendo, traindo tudo em que acreditava. Ela jamais saberia se as palavras de Calimíniate eram verdadeiras, ou se só tentava tocar o coração da mãe para que esta não o entregasse à morte certa, mas neste momento não importava.

Pois o filho que ela tanto amava e que tinha tentado proteger por tantos invernos agora a tinha traído, mas continuava sendo seu filho, o único vivo, e que se dependesse dela, continuaria assim. Além do mais, agora ela possuía um neto, um herdeiro, uma nova esperança, que deveria a todo custo ser protegida, mesmo que para isso Vertonímia tivesse de trair sua fé, seu povo, e a si mesma.

Däumichen
Enviado por Däumichen em 04/04/2015
Código do texto: T5195129
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