A ÚLTIMA VIAGEM

O veículo deslizava suavemente pela estrada que serpenteava a caatinga. Dentro do veículo, um silêncio quase sepulcral. Ao lado do motorista, Terto absorto em seus pensamentos relembrava cada pedacinho da sua vida. Deixara cedo sua Arco da Serra, cidadezinha do sertão de Pernambuco, tinha apenas quatorze anos, apesar de seu registro de nascimento constar dezesseis. Esse aumento de idade foi proposital, para que pudesse embarcar no pau-de-arara e rumar para as bandas do Sul na esperança, como muitos nordestinos, de fazer a vida e fugir da aridez do sertão.

Nas terras do sul conquistou muitos amores, mas mesmo assim não conseguiu constituir uma família sólida como sonhava, nunca esquecera Quitéria, seu amor primeiro, morena trigueira, com longos cabelos negros a moldurar aquele rosto ornado por um belo par de olhos verdes. Ainda era capaz de sentir seu cheiro de menina moça. Nas terras distantes, foi pau pra toda obra, trabalhou em lavouras de café, lidou com gado, trabalhou na construção civil, em fim, de tudo fez um pouco, e aos trancos e barrancos, juntou algum dinheirinho para um dia visitar a sua cidade natal e matar a saudade que por tantos anos lhe incomodava.

Finalmente chegara, com passos trôpegos, amparado por uma pequena bengala, Terto caminhou lentamente por onde era a praça. Seus olhos percorreram com ansiedade todo o vilarejo em busca de alguma referência do passado distante. La estava ele agora, de volta a tão sonhada Arco da Serra. Parado ali, no crepúsculo de uma vida, com o corpo já corroído pelos anos e os olhos já cansados, as lembranças da infância começaram a desfilar em sua mente entorpecida pela emoção da volta. Como esquecer as festas de São João e os folguedos embalados pelo som do forró pé de serra, regados com muita dança e bebida? De Quitéria, linda e faceira, deslizando pelo salão, esbanjando a sensualidade natural de sua mocidade? Dos casais de namorados que trocavam carícias furtivas ou do barulho das crianças a correr de um lado para outro soltando bombinhas e buscapés?

É bem verdade que, sua vida no vilarejo não foi nem um mar de rosas. Aos doze anos já trabalhava na fábrica de caruá. Na sua época, criança aprendia trabalhando, fosse hoje, isso seria exploração infantil do trabalho, e, escola no sertão era coisa rara e muito poucos podiam frequentá-la. Em dia de feira ainda ajudava a vender os quitutes que sua mãe fazia. Como eram deliciosos... Mas nada disso tinha importância para uma criança cheia de vida, tudo era fácil e as tarefas eram prazerosas. A tardinha ainda se reunia com os mais velhos e os amigos para ouvir causos do sertão que quase sempre tinha como pano de fundo, as proezas de Virgulino Ferreira, o Lampião e o eterno “Padim Ciço”. Aliás, contava-se que lampião era meio aparentado da família, mas ele nunca chegou a conhecer, por que quando se deu por gente, Lampião já tinha saído pras bandas de Alagoas e Sergipe e logo fora capturado e morto pelos “macacos”. Aos domingos, ainda achava tempo de ir a igreja, construída na porção mais alta da cidade, fazer suas orações, e pedir a papai do céu, saúde e felicidade para toda a família.

À sombra do enorme juazeiro, o único que restou na praça, testemunha viva dessas lembranças, percorreu mais uma vez sua querida cidade com um olhar, apenas os fantasmas do passado. No antigo e enferrujado relógio na torre da velha igreja que ainda teimava em permanecer de pé, marcava dezoito horas. Seus olhos foram se fechando e as lembranças e saudades foram aos poucos se dissipando... O ciclo havia se completado.

Las Vegas
Enviado por Las Vegas em 14/03/2015
Reeditado em 23/03/2015
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