O Moscatel
Já tínhamos tido vinho em casa. Ou bem perto. O Vênus, por exemplo, um do rótulo preto encontrava-se até nas prateleiras do vizinho armazém do Quim Jacuba. E o Chapinha também rondava por lá. Papai tomava uma pinguinha ocasionalmente para abrir o apetite, mas reconhecia as virtudes do vinho, e estou que só a questão pecuniária é que os mantinha apartados.
Então, quando o Moscatel entrou lá em casa - pelas mãos do Geraldo, amigo de infância de papai, que residia na capital - foi aquela festa, ainda que modesta. A imponente garrafa dum líquido amarelado e dum dizer espevitado, foi logo entronizada no ponto mais nobre de nossa prateleira que, aliás, prato nenhum abrigava. Tudo nela eram latas de mantimentos
que, em geral, papai comprava em sacas, se o preço favorecesse. E ainda contava com o benefício do saco, de aniagem ou algodão, de tanta serventia então.
O saca-rolhas veio emprestado da casa de vovó, vizinha de porta e dona dum piticó que pra lado nenhum se entorta. A recomendação pressurosa das tias era para que retornássemos logo aquele precioso aparato.
Do líquido divinizado, provamos em moderadas colheradas, não reiteradas para se evitar ebriedades precoces. A rigor, no gosto, o Moscatel perdia para o Biotônico Fontoura, mas quem éramos nós para argumentar de iguar para iguar? Bebedeira, iriam achar.
E o Moscatel durou, meses, quiçá passou de ano, sempre na mais alta prateleira da estante, soberano, reinante, mais talvez pra despertar a cobiça dalgum eventual visitante...