A Escolha
Morto o velho Soba ficaram as mulheres que tinha e todos os símbolos do seu poder a aguardar que a substituição se processasse em ordem. Acreditava-se que algo de muito diferente lhes indicaria o caminho para a escolha daquele que, entre tantos homens fortes, guerreiros, viris e justos que a terra possuía, lhes daria progresso e justa paz. Há muitos dias que a cadeira vaga se expunha no largo principal da aldeia e que, à noite, os tambores chamavam os espíritos a intervir. Danças, máscaras, trajos de palha, rituais e álcool acentuavam a magia que todos sentiam necessitar para acolher o novo chefe mas, apesar disso, correram dias e meses sem que o nome justo ganhasse espaço nos seus corações. As viúvas regressaram a casa dos seus familiares, os homens da guarda deixaram de velar, os animais voltaram ao pasto e a vida, agora sem regras definidas, só achava limite e decoro enquanto reinasse o sol. As orgias aconteciam depois do ocaso e duravam muito tempo, tanto que o dia seguinte só tardiamente começava. E chegaram as chuvas. Raios, trovoadas, enchentes e o rio, que foi manso, era agora feroz. A morte chegou ao gado, às casas e lavras, às crianças. Quando, por fim, baixaram as águas e o sol voltou a brilhar saiu da lama o corpo vivo, vestido de lodo e exausto que falava sem que ninguém, exceto ela,Tindili, entendessem. Ele contava e ela traduzia, ele pedia e logo as coisas da sua necessidade se lhe apresentavam. Limpo e alimentado, o jovem Odilo disse que fora arrastado de longe e que não era ele o Soba novo. Poderia mandar com a voz do coração mas só até que chegasse o legítimo herdeiro do poder. Vieram então as cobras, os lagartos, as capotas, as cabras de leque, as onças, os leões e mabecos e fecharam à sua roda o círculo e ali ficaram muito tempo até que alguém pediu que se sentasse na cadeira do Soba morto que se mantinha exposta. Odilo, acedeu e os bichos, ordeiramente, voltaram ao seu lugar na mata. Ainda vive e governa. Ainda é amado. A sua semente continua a encher os caminhos daquela terra.