Resgate aos Contos de Fada

Diário, querido diário,

Hoje eu visitei um mundo abracadabrante, onde todos os contos de fada eram reais...

Meu nome nesse mundo era Contadora de Histórias e eu fui parar num lugar chamado Reino de Neve.

No caminho pela floresta, encontrei um caçador vestido com um manto de pele de lobo selvagem e disse a ele que, provavelmente, o Lobo Mal estava no bosque esperando por uma menininha chamada Chapeuzinho Vermelho. Ele inesperadamente acreditou em mim e saiu em disparada para o bosque, conseguindo pegar o lobo antes mesmo que este chegasse à casa da vovozinha. Chapeuzinho lá chegou em segurança e nunca viu sua avó ser devorada.

Foi assim que eu descobri ter o poder de mudar as histórias!

Fiz uma bagunça danada: salvei João e Maria da Bruxa Doceira, roubei seu tesouro escondido para dar aos camponeses, contei à Pastorinha que um dia um rei se apaixonaria por ela, ajudei Coco Verde e Melancia a fugirem juntos para se casar, dei o Gato de Botas ao Filho do Moleiro (antes mesmo que o Moleiro morresse!) e assisti de longe a princesa do reino, Branca de Neve, comer a maçã envenenada e ser salva pelo Príncipe Edward, o filho do Rei Philip e da Rainha Aurora, do vizinho Reino de Adormecida ...

Então, ele me encontrou. Um cavaleiro chamado Sir Peter, que era um personagem do qual eu nunca havia ouvido falar e cuja história eu não conhecia. Por causa disso, ele se tornou intrigante para mim e eu me tornei intrigante para ele. Afinal, Sir Peter não entendia como eu, uma simples garota, podia saber o futuro de todas as pessoas do reino, mas ele compreendia, de algum jeito, que eu era a única que poderia ajudá-lo a salvar o Mundo dos Contos de Fada.

Acontece que alguns personagens estavam desaparecendo. Humpty Dumpty não fora mais visto em cima de seu muro desde que o Flautista de Hamelin havia deixado a cidade para sempre, Barba Azul havia sumido de casa e ninguém nunca mais ouvira falar da Bruxa Salomé... Isso era realmente muito estranho!

Eu não fazia ideia do motivo do sumiço das personagens, mas eu sabia de alguém que poderia nos mostrar a resposta. Porém, depois que a Rainha (Bruxa) Vaidosa , havia sido banida do Reino de Neve pelo então Rei Edward , ninguém sabia onde o maldito Espelho Mágico tinha ido parar! Eu e Sir Peter nos empenhamos numa busca incansável pelo objeto, até que a Fada Madrinha do vizinho Reino de Cristal resolveu nos ajudar e mostrou que o espelho havia sido roubado por Rumpelstiltskin !

O homenzinho ficou tão surpreso por eu ter acertado de primeira o seu nome que nem se importou em entregar o Espelho Mágico para nós. Claro que a espada de Sir Peter, colocada estrategicamente em seu pescoço, prestes a cortar sua garganta, também ajudou um pouquinho.

Com o objeto em mãos, eu finalmente clamei: “Espelho, espelho meu, mostre-nos porque as pessoas do reino estão desaparecendo!”.

Mas o Espelho não podia mostrar esse tipo de coisa. Ele só mostrava pessoas e lugares.

Então eu reformulei a frase: “Espelho, espelho meu, mostre-nos aquele que é o mais sábio do mundo!”. E o Espelho tremeluziu e desfocou, obscureceu e clareou, e, por fim, mostrou a imagem de um velho mago no alto de uma grande torre. Sir Peter exclamou na hora: “É Merlin! Vamos até o Reino de Excalibur !”.

No tal reino, o Rei Arthur nos esperava de braços abertos, dizendo que Merlin havia previsto a nossa chegada. O velho mago era meio biruta, mas logo começou a levar o assunto a sério e falou que os personagens dos contos de fada estavam desaparecendo porque ninguém mais no mundo real, o meu mundo, conhecia suas histórias. Portanto eu, a Contadora de Histórias, tinha uma grande missão: viajar ao século XIX e contar aos Irmãos Grimm todas as histórias que eu conhecia.

Sir Peter na hora não entendeu bulhufas nenhuma. O que era o século XIX? Quem eram os Irmãos Grimm? Então eu tive de lhe revelar quem eu era e de onde eu verdadeiramente era: uma garota comum do Mundo Real.

Peter continuou não entendendo bulhufas nenhuma e Merlin, cansado da burrice dele, lhe jogou um feitiço para que ele soubesse tudo a respeito do mundo real. Foi aí que eu me lembrei de uma coisa... Eu não conhecia a história de Sir Peter. E se eu não conhecia a história dele, então eu não poderia contá-la. E se eu não poderia contá-la, ela não seria escrita, nem conhecida. E se ela não fosse conhecida... Sir Peter iria sumir!

Nós havíamos passado muito tempo juntos e eu realmente não queria que ele sumisse. Aliás, eu não podia suportar essa ideia! E também não queria pensar que eu inevitavelmente teria que voltar algum dia para o mundo real e teria de deixá-lo para trás no mundo dos contos de fada... Para mim, ele havia se tornado alguém muito importante. Não obstante, eu também havia me tornado alguém muito importante para ele... Naquela noite, quando eu expressei todas as minhas preocupações e pensamentos, Sir Peter me respondeu com um forte abraço e confessou se amor por mim. Ele também não queria me perder, mas com o feitiço de Merlin, passara a compreender que eu não podia mais ficar no mundo dos contos de fada, porque, afinal, eu mesma também não tinha uma história, então, eventualmente, eu iria sumir.

No dia seguinte, me preparando para viajar no tempo pelo portal mágico de Merlin, eu implorei confidencialmente ao mago para que Sir Peter pudesse ir comigo. Ele concordou, mas com uma condição: “Assim que você terminar de contar a última história, Sir Peter retornará ao Reino de Neve, onde é o seu lugar e todas as suas memórias serão apagadas.”.

Enfim, na Alemanha do século XIX, não foi tão difícil encontrar os Irmãos Grimm e convencê-los de que precisavam me escutar. Os Irmãos já estavam mesmo à procura de boas histórias para escrever, então nos instalaram em sua própria casa e ouviram atentamente tudo o que eu tinha a contar.

Durante 1001 noites eu narrei todos os contos que eu conhecia e eles anotaram tudo incansavelmente. Eu e Peter pudemos ficar juntos todo esse tempo, porém, a cada história que eu terminava de narrar, um novo aperto surgia em meu coração. O fim estava próximo.

Assim que eu terminei o último “felizes para sempre” um portal nebuloso se abriu diante dos meus olhos e eu fui imediatamente sugada por ele.

Nem tive tempo de dizer adeus.

Abri os olhos numa pacata manhã de segunda-feira, com a cabeça no travesseiro, e dei de cara com o teto do meu quarto. Fiquei deitada ali sem saber ao certo se tudo o que eu havia vivido naquele mundo abracadabrante realmente acontecera ou não passara de uma grande Síndrome de Alice.

Por fim, levantei e fui para o colégio como todo dia de manhã, me sentindo mais cansada do que nunca e terrivelmente depressiva.

Ah... O mesmo corredor chato, a mesma sala chata, as mesmas pessoas chatas, a mesma carteira chata... O mesmo sinal chato de sempre.

Mas tudo isso mudou em apenas um segundo quando a professora de literatura entrou na sala... Acompanhada de um aluno novo.

Eu mal podia acreditar em meus próprios olhos, mas tinha certeza absoluta de que Sir Peter estava ali na minha frente, em carne e osso, no mundo real!

—Aqui eu me chamo Pedro, senhorita Contadora de Histórias. — sorriu ele para mim.

— Pedro... Prazer, meu nome é Sofia.

Ele me envolveu num abraço apertado, porém delicado ao mesmo tempo. Parecia estar lidando com a coisa mais importante do mundo.

Me perguntei baixinho como era possível ele estar ali.

— Bem, — respondeu Pedro — Merlin precisava de um aprendiz... E eu precisava te ver novamente.

Dali em diante eu soube que, mesmo que a nossa história não fosse um Conto de Fadas, nós viveríamos felizes para...

Bom, "para sempre" não. Mas pelo menos até enquanto Merlin não descobrisse que seu aprendiz pegara o portal do tempo emprestado.

Fim.

(Dedicado a minha querida irmã Sofia, de 7 aninhos)

Ingrid Flores
Enviado por Ingrid Flores em 10/01/2015
Reeditado em 22/01/2016
Código do texto: T5097466
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