Janela Velha

Despertou uma manhã triste coberta pelas lágrimas da noite. Mesmo o sol em seu intenso brilho, não fora capaz de dissipar àquela neblina cinza que pairava por sobre a antiga casa no finalzinho do vilarejo.

O vento vindo do norte que sempre entrara pela porta da frente surpreendeu-se ao ver uma parede onde antes era uma porta, percorrendo ao redor da casa, a procura de alguma entrada, encontrou uma fresta na janela velha. Suavemente, o vento adentrou encontrando o pobre homem sentado em sua cadeira feita de cedro, de costas para janela coberto de lembranças e saudades. Algumas estavam rasgadas em pequenos pedaços que se espalharam pelo chão na presença do vento.

O pobre homem se assustou com a presença do vento, virou com uma expressão branda, que logo se desfez ao perceber que era apenas uma brisa, lhe trazendo por alguns instantes a ilusão de uma pessoa se aproximando, sem se dar conta de sua dor. Ele então, levantou, pegou uma ripa e, a pregou, acabando totalmente com a possibilidade de entrar algum vento, alguma luz, trancando-se de uma vez em sua solidão.

Ao redor da casa, todas as cores se convergiam para apenas duas cores em tons de cinza e preto, as gramas cresciam desordenadamente, como uma metrópole sem planejamento, os arbustos perderam suas formas, no pequeno jardim as rosas já não tinham nem mais lágrimas, suas pétalas iam murchando rapidamente. Tudo se transformara num grande capinzal.

Não demoras muito, os rumores emergiram sobre o que acontecera àquele homem e uma lenda fora criada. Diziam que um fantasma muito ranzinza morava por lá e, que toda noite ele ficava dando voltas pela casa como se procurasse alguma coisa perdida e que em seu peito havia um buraco. Logo as pessoas curiosas como são, iam até a casa no finalzinho do vilarejo à noite, para tentar vê-lo. E diziam ter visto realmente um fantasma. Um fato acontecido aumentou ainda mais a lenda.

Um grupo de rapazes vindo de uma festa, um tanto embriagados, combinaram de entrar na casa. Chegando lá, a maioria ficou com medo ao ver a penumbra e ter dito ouvirem gritos vindo de dentro. Um deles, mais eufórico, teve a lúdica coragem de entrar. Ao se aproximar da janela, pois a mão em falso na borda onde ficava uma jardineira, já antiga, desequilibrou-se lançando seu corpo ébrio ao chão, fraturando a perna, com isso os seus amigos disseram que fora o fantasma que o derrubara, fazendo com que a lenda ficasse mais temida.

Uma singela menina, de roupas maltrapilhas passeava distraída entre o capinzal procurando alguma coisa para brinca já que não tinha amiga para brincar. Num movimento em falso a menina tropeçou caindo em cima de um espinho, num gesto rápido, pôs a mão onde doía, e ao olhar sua mão, percebeu uma pétala colada na palma. O espinho era de uma rosa murcha há bastante tempo. A menina com uma pequena dor pontiaguda se levantou e, ao virar para o lado esquerdo seus olhos se surpreenderam em ver uma pequena rosa com sua cor rubra no meio de outras já mortas.

Ela correu até o seu casebre, que ficava a alguns poucos metros dali, perto de um pequeno rio. Pegou o seu regador velho que outro dia havia encontrado num terreno baldio e voltou rapidamente para poder regar rosa. Limpou em volta dela, retirando as ervas daninhas e os matos, trouxe uma terra nova, cercou com todo cuidado. Assim fizera todos os dias de manhã bem cedinho. Não só na parte da manhã, mas várias vezes por dia, criando uma sincera e bela amizade. A rosa não era mais uma rosa e sim uma linda roseira, o seu perfume emanava pelo ar propagando um aroma tão sutil que pela sensação da fragrância sabia-se o quanto eram belas.

De tão bem cuidada e tratada, as rosas ficaram ainda mais belas e fortes, a menina, aos poucos ia transformando o lugar tornando-o seu refúgio, pois em seus olhos um pesar nuveava por sentir-se só, mas ali a sua alegria era mais presente e constante.

Um alegre alvorecer circundou o lugar que outrora amanhecera triste, respirar o ar fazia sentir-se mais vivo do que nunca, todo o céu se abriu como uma cortina teatral para iniciar um belo espetáculo. O galo cantou como nunca, os rouxinóis afinados como sempre propagavam suas melodias, o sol na sua onipresença brilhava de uma forma amena, era a estação das flores, o carinho da menina floresceu o enfermo lugar trazendo uma alegria que há tempos não se via.

O vento do norte surgiu retornou suave, percebeu que havia uma fenda onde existiu uma porta, vindo pelo jardim e trouxe consigo o perfume das rosas e, adentrando a casa em meio aquele cheiro putrefato, percorreu-a toda encontrando o pobre homem deitado a sua cama. Aquele aroma penetrou em seu nariz soprando-lhe vida, de súbito saltou da cama num desespero pra saber da onde vinha o cheiro. Gritou um nome que o vento não pode entender.

Retirou da janela velha as ripas que de tão fracas soltou com um só movimento, caindo no chão perto do seu dedo do pé. O sol cravejou com seus raios assim que o vira. Ele não suportou, se escondendo, mas o desejo de saber da onde vinha àquela fragrância era maior. O riso da menina soou como uma melodia, ele ficou desesperado, andando para lá e para cá, abriu o armário pegou uma boneca gasta pelo tempo e abraçou com força, ele queria atravessar, mas tinha medo da luz, não parava de olhar um retrato de outra menina de semblante alegre preso à parede onde cingia os raios do sol. Pôs a mão em cima do armário, trazendo consigo uma caixa de papelão, abriu e retirou um vestido todo desbotado. Ele cheirava, olhava para o retrato, olhava para a janela e olhava para si mesmo.

A menina parou de gargalhar. Ele então, ainda inquieto ficou parado olhando fixamente para o lado de fora. Naquele dia o pobre homem estava diferente, esperou a noite cair, prendeu seus olhos ao vidro, jogava seu olhar por toda parte no limite do quadrado da janela. Habitava em sua mente um anseio de abri-la, mas na mesma proporção, hesitava pondo-se a ficar toda noite preso a janela.

Concentrado, não percebera que despontava um belo amanhecer, se afastou para uma parte escura evitando a claridade, mas ao ouvir novamente a voz pueril da pequenina, voltou. Desejava muito vê-la, então abriu os vidros da janela velha e se deparou com o nascer do sol e uma energia cravejou sua alma num processo de catarse sublimando o seu espírito renovando a alma.

Mas do que nunca ele desejava ver de quem era àquela voz doce. Percebeu que vinha do seu antigo jardim na parte direita da casa. Ela parecia estar conversando com alguém, um monologo entusiasmado resultando em boas gargalhadas. O pobre homem não se conteve atravessou a janela velha se pendurou pela borda e com dificuldade tentou descer, mas no mesmo lugar em que o rapaz, pos a mão para subir, ele pos o pé e da mesma forma lançou seu magérrimo corpo ao gramado.

A pequenina ouvindo o estranho barulho, correu para ver o que era, vendo o pobre homem no chão, pálido, sem cor, parecendo um fantasma, saiu correndo assustada. A notícia se espalhou, e todo mundo veio correndo para ver o fantasma.

O pobre homem não suportara a queda, mas todos que estavam lá disseram que ele morreu sorrindo abraçado a um retrato de uma menina.

ben Wagner
Enviado por ben Wagner em 28/05/2007
Reeditado em 11/07/2007
Código do texto: T504419
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