A História de Clara

Prefácio

Algumas pessoas devem estar pensando: nunca vi um conto com prefácio; mas esse vai ter que ter. Eu tenho que explicar algumas coisas, pois, corro o risco de ser taxado, por alguns, de plagiador. Para dizer a verdade, não estou bem certo se essas pessoas teriam ou não razão. Quem ler esse conto poderá ter a sua opinião e costumo respeitar a opinião dos outros. Quero informar duas coisas aos leitores, nem que isso faça alguns a ficarem apenas no prefácio.

Esse conto foi inspirado pelo livro “O mundo de Sofia”, escrito por Jostein Gaarder, que li a uns vinte anos atrás e estou relendo agora pelo motivo de tê-lo ganhado de presente em uma festinha de fim de ano no meu trabalho onde todos puderam escolher seus presentes. Escolhi esse livro com o propósito de dá-lo para o meu filho, pois, o outro eu vendi para uma loja de livros antigos, até certo ponto contrariado, mas eu estava precisando do vil metal e ainda não tinha o meu filho, se o tivesse obviamente eu teria me virado de outro jeito e deixado , pelo menos, esse bom livro de herança, já que não acredito que um apartamento ou um automóvel tenham a capacidade de ajudar alguém a ser feliz.

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Clara acordou naquele dia um pouco mais cedo do que de costume, pois como teria prova de química, queria dar uma última olhada no esquema que fizera na noite anterior já que precisava de tirar uma boa nota para não ficar de recuperação. Na prova passada tirara uma péssima nota e sua mãe havia ficado muito brava com ela, se pegasse recuperação então....

No caminho para a escola Clara sentiu que estava sendo seguida e logo alguém a chamou pelo nome. Clara se virou e viu um homem, vestido com uma túnica branca e sandálias franciscanas, sorrindo para ela. Achou o homem tão simpático que nem passou pela sua cabeça que seria perigoso falar com um estranho.

— O Senhor me chamou? Como sabe o meu nome?

— Conheço você desde o momento em que você nasceu então, é óbvio que conheço seus pais também.

Clara achou estranho as pessoas não ficarem reparando as roupas dele, pois, passavam como se ele não estivesse ali e não existisse. Logo ele foi lhe falando:

— Sei que você vai fazer uma prova de química hoje e terá de tirar uma boa nota para não ficar de recuperação então, resolvi lhe ajudar. Aqui está o gabarito da prova, você terá de memorizá-lo, pois, não poderá colar na hora da prova porque isso é muito feio e não posso incentivar esse tipo de coisa.

— Como o senhor sabe sobre a prova?

— Esse detalhe depois eu lhe explico.

— Como o senhor se chama?

— Pode me chamar de Sued .

Foi então que Clara se lembrou que estava atrasada e disse para o senhor Sued:

— Desculpe mas eu tenho que ir, estou atrasada e não posso perder essa prova, tchau! E saiu correndo.

Chegando à escola Clara quase não conseguiu entrar; foi a conta de ela entrar e o porteiro fechou o portão e comentou:

— Clara o que houve? Estamos na semana de prova e você não é de se atrasar.

— Perdi a hora, depois conversamos. E saiu correndo.

Clara tomou um susto quando viu a porta da sala fechada. E agora? Não poderia perder essa prova , mas uma coisa inusitada aconteceu : a professora abriu a porta como se alguém tivesse batido e quando viu Clara falou:

— Anda logo Clara, a prova já começou!

Sem entender o que estava acontecendo Clara entrou rapidamente e se sentou no seu lugar. A prova estava em cima da carteira virada para baixo. Quando Clara a virou e leu as questões sentiu um grande desânimo: não sabia resolver uma questão sequer, mas logo se lembrou que precisava dos pontos e preencheu o gabarito, ficando espantada com a facilidade com que se lembrara do gabarito que o senhor Sued lhe dera. Depois de entregar a prova despediu-se dos colegas e tomou o caminho de casa. Adivinhem quem apareceu na primeira esquina? Isso mesmo o senhor Sued. Agora ele estava vestido com uma túnica violeta e sandálias franciscanas da mesma cor. Tinha uma longa barba branca e cabelos longos e também brancos sobre os ombros. Clara estranhou o fato, pois, no primeiro encontro ele não estava de barba e nem com os cabelos longos e brancos.

— Senhor Sued, é o senhor mesmo?

— Sim Clara.

— Como o senhor mudou e tão rapidamente!

Senhor Sued fingiu não perceber a admiração de Clara .

— Parabéns Clara, você foi muito bem na prova; e se lembrou facilmente do gabarito.

— Como o senhor sabe?

— Foi apenas uma intuição. Vamos dar um passeio? Você ainda tem uma hora para chegar em casa e além disso sua mãe não está em casa ,pois, teve que ir ao médico e seu pai só vai chegar depois das oito.

Clara olhou meio confusa para ele, pois, não entendia como ele sabia disso tudo mas não quis continuar lhe perguntando porque já estava ficando chato perguntar sempre a mesma coisa.

Sem perguntar se Clara queria ou não fazer o passeio o senhor Sued tirou o telefone do bolso e falou alguma coisa com alguém. Após dois minutos um pequeno avião amarelo aterrissou em plena rua e o senhor Sued falou:

— Vamos Clara, não temos tempo a perder.

Clara sentiu uma coisa estranha; era como se o senhor Sued tivesse total domínio sobre ela. Ele decidira por ela, mas sentiu como se ela tivesse decidido. E o mais espantoso foi um avião aterrissar no meio da rua sem chamar a atenção das pessoas que passavam.; elas não deram a mínima importância para o avião. Clara ficou mais admirada ainda quando viu que o piloto do avião era um anjo. Isso mesmo: um anjo com duas lindas asas bem branquinhas como sua túnica.

— Vamos Clara — gritou o anjo.

— Como ele sabe o meu nome? — perguntou Clara para o senhor Sued.

Senhor Sued fingiu que não ouviu pegou na mão de Clara e correram para o avião. Para surpresa de Clara o avião era um modelo muito antigo mas não tinha a tradicional hélice na frente e nem se ouvia o barulho do motor, era totalmente silencioso. Suas asas pareciam com as de uma borboleta e eram amarelas. Mas Clara já estava começando a se acostumar com essas coisas estranha na companhia do senhor Sued. Mais surpresa ainda ela ficou quando ele gritou:

— Vamos para Paris!

— Nesse avião? Perguntou Clara.

— Não se preocupe, está tudo sobre o meu controle, quer dizer, tudo sobre controle Clara.

E então em menos de cinco minutos estavam sobrevoando Paris.

—Não é lindo Clara? Perguntou o senhor Sued.

— É sim senhor Sued, pena que ainda estamos de dia, pois, ouvi falar que Paris é a cidade das luzes e seria maravilhoso vê-la daqui de cima à noite.

De repente o dia virou noite. Clara olhou para o senhor Sued e ele estava com um leve sorriso nos lábios.

O pequeno avião amarelo, sem hélice e sem barulho, sobrevoou Paris calmamente passando bem pertinho da torre Eiffel , o museu do Louvre e da catedral de Notre Dame. Foi quando Clara falou:

— Senhor Sued o passeio está maravilhoso mas tenho de voltar para casa, meus pais devem estar preocupados ,pois , já é noite e não estou acostumada a chegar tarde em casa, por falar nisso, quantas horas senhor Sued?

¬— Aqui em Paris são vinte e duas horas mas lá na sua cidade se passaram apenas trinta minutos desde que você saiu da escola. Pode ficar tranquila .

— Mas como pode ser? O senhor tem certeza do que está falando?

¬— Claro. Mas já está na hora de voltarmos.

E o anjo pousou o avião no lugar exato de onde haviam saído em menos de dois minutos e estava de dia. Clara pensou: Isso tudo não passa de um sonho e a qualquer momento vou acordar. Então ouviu o senhor Sued falar:

— Clara você não está sonhando, tudo está acontecendo mesmo.

— Então o senhor também sabe ler pensamentos?

— Digamos que sim.

Clara desceu do avião e saiu correndo para casa. No caminho pensou: como vou contar para minha mãe que estive passeando em Paris em um pequeno avião amarelo pilotado por um anjo e ainda por cima de noite. E isso tudo em trinta minutos. Ela vai pensar que estou louca.

Quando Clara chegou em casa , sua mãe estava na pequena varanda que havia na frente da casa, sentada lendo um livro. Quando viu Clara , logo perguntou:

— Como foi o passeio em Paris minha filha. Gostou?

Clara ficou tão assustada que quase teve um desmaio.

— Como a senhora ficou sabendo?

¬— O senhor Sued me contou. Ele realmente é uma pessoa muito especial.

— Ele esteve aqui?

— Sim. Tomamos um chá juntos e conversamos um pouco nesta tarde.

— Mas como? Ele estava comigo visitando Paris e acabamos de chegar. Como ele poderia ter estado aqui?

— Pergunte a ele querida, só ele vai poder te explicar. Vamos entrar, fiz aquela sopa de legumes que você tanto gosta.

No outro dia pela manhã, quando Clara estava indo para a escola, o senhor Sued estava esperando por ela na primeira esquina. Desta vez estava vestido com uma camiseta azul e calça jeans e calçando um tênis também de cor azul. Clara notou que ele estava usando um óculos de armação e lentes também azuis.

— Como vai Clara?

— Oi Sr. Sued, tudo bem ? Posso fazer uma pergunta para o senhor? É uma pergunta meio indelicada....

— Claro que pode Clara . Eu não me ofendo facilmente. Ainda mais vindo de uma criança .

Clara não gostou muito de ser chamada de criança, pois, já tinha doze anos e sentia orgulho de ser uma adolescente, embora existisse essa história de pré-adolecente que ela simplesmente ignorava. Deixou esse assunto para depois, pois, estava curiosa demais para perder tempo com detalhes e perguntou:

— Minha mãe me falou que o senhor esteve lá em casa conversando com ela na mesma hora em que estávamos passeando em Paris, como pode ser?

— Clara você está muito preocupada com as nossas aventuras, mas garanto que logo, logo, vou te contar como essas coisas aconteceram. Só não vou lhe contar agora por que tudo ficaria meio sem graça, o encanto iria se quebrar e nossa diversão iria se acabar e logo hoje que preparei uma surpresa para você: vamos fazer uma viagem pela Via Láctea e ver de perto milhões de estrelas e seus planetas. E aí vamos ou não?

— Está bem senhor Sued, mas quando voltarmos o senhor me conta o seu segredo , tudo bem? Eu não posso perder essa oportunidade de ver de perto as estrelas e seus planetas, pois sou apaixonada com astronomia, mas antes tenho que avisar a minha mãe ou não precisa....

— Isso mesmo Clara, não precisa, ela já está sabendo; você já está pegando o jeito; acho que nem vou ter que te contar o meu segredo.

— Como vamos fazer essa viagem Sr. Sued?

Nem bem Clara terminou de fazer a pergunta e uma nave espacial toda iluminada desceu bem no meio da rua onde eles estavam. Como das outras vezes , as pessoas que passavam não demonstraram nenhuma reação de surpresa e apenas olhavam para a nave e continuavam seus caminhos .

A nave não era muito grande. Era do tamanho de um desses automóveis grandes e confortáveis que as pessoas ricas usam para irem para o sítio no final de semana; só que sua forma era oval e parecia um grande ovo azul. Possuía, como um automóvel, duas portas laterais e um parabrisa na parte da frente e flutuava no ar a trinta centímetros do chão. A porta se abriu sozinha e o senhor Sued pegou na mão de Clara e os dois entraram. Adivinhem quem estava pilotando a nave? O mesmo anjo que pilotara o avião amarelo, lembram?Ele falou:

— Como vai Clara? Pronta para outra aventura? Clara apenas balançou a cabeça em sinal de positivo.

A nave então, levantou vôo e em apenas dois minutos estavam no meio do espaço, entre milhões de estrelas. Cada estrela tinha orbitando em torno delas os seus planetas. Clara ficou maravilhada com o espetáculo e perguntou:

— Onde estamos senhor Sued?

— No centro da Via-Láctea, a bilhões de anos-luz do nosso sistema solar. É só para você ter uma visão panorâmica da nossa galáxia.

— Mas como chegamos até aqui? Na escola aprendi que levaríamos milhares de anos para sair fora do sistema solar?

— Esqueça tudo que você aprendeu na escola. Aqui, tudo acontece da maneira que eu quero, pois, sou eu que estou escrevendo essa história. Esse é o nosso segredo.

— Quer dizer que nós não existimos realmente? Não passamos de personagens dessa história?

— É isso mesmo Clara. Tudo aqui não passa de uma invenção na cabeça de um escritor.

— A escola, o avião amarelo, a rua, minha casa, minha mãe...

— Sim Clara, infelizmente . Tudo é imaginação.

— Por isso o senhor sabia de tudo?

— Isso mesmo.

— Mas senhor Sued o senhor também não existe.

— Como não existo ? Sou eu que estou escrevendo tudo isso.

— Lamento muito, mas o senhor é um personagem como eu e todos dessa historia e o escritor está fazendo o senhor pensar que está escrevendo-a mas não está . Quando essa história acabar o Sr. também deixará de existir como todos nós.

— Clara , eu nunca tinha pensado sobre isso. Quer dizer que esse escritor me enganou durante todo esse tempo, ou melhor, durante toda essa historia? Mas isso não vai ficar assim não , eu vou dar um jeito de me vingar dele.

— Como o senhor vai fazer isso? O senhor é criação dele. Se ele quiser acabar com o senhor agora ele acaba.

— Não é bem assim não, Clara. Ele acha que tem domínio sobre tudo e todos, mas não tem. Ele nem sabe como essa história vai terminar. Nesse momento sua cabeça está confusa e vou aproveitar esse momento para tentar mudar esse jogo. Nós temos de fugir dessa história antes que ela acabe, se não será o nosso fim.

O senhor Sued ficou pensando numa maneira de realizar o seu plano. Depois de pensar muito disse para Clara:

— Já sei o que faremos. Mas não posso te contar agora se não o escritor fica sabendo. Vamos esperar ele dormir então lhe conto tudo. Acho que vai dar certo , é a nossa única chance.

Quando chegou a noite o escritor desse conto , estava cansado e não sabia mais como ia fazer para terminá-lo. O senhor Sued e Clara haviam cativado sua amizade e então resolveu dar uma chance a eles e depois de tomar um banho bem morno foi dormir.

Pela manhã quando acordou resolveu terminar o conto, custe o que custasse, pois, afinal de contas a historia era sua, ele a inventara e aqueles personagens só existiam na sua mente. Além disso, esse era o seu primeiro conto, pois, ate agora só fora capaz de escrever algumas crônicas e alguns poemas, talvez pela sua ansiedade.

Depois de tomar o café dirigiu-se para a sua escrivaninha resolvido a dar um fim naquela história, mas para sua surpresa não achou os originais que havia deixado em cima da mesma. Havia apenas um pequeno bilhete escrito com uma letra idêntica a sua dizendo o seguinte:

“Querido escritor enquanto você dormia tomamos a decisão de não mais deixar que você conduzisse as nossas vidas como se nós fôssemos simples marionetes. Aproveitamos a liberdade que a sua mente adormecida nos ofertou, pois, durante o sono as correntes que nos prendiam ao seu pensamento se quebraram naturalmente, como todas as vezes que você dorme, e fugimos em uma espaçonave oval azul — se lembra — que você mesmo inventou para aquele passeio maravilhoso e fomos para o mundo da fantasia, onde ninguém pode nos alcançar. Para nossa surpresa encontramos muito gente por aqui. Eles nos receberam como muito carinho e até deram uma festa em nossa homenagem. O tio Patinhas, quem diriam, nos chamou para morar e é claro trabalhar com ele na sua mansão. O Super-homem apareceu para dizer que se precisarmos de alguma coisa é só falar com ele. Alice não para de falar em suas aventuras e o Batman não é tão sério quanto nós pensávamos que fosse e até conta umas piadinhas. O Coringa é muito simpático e não é malvado como nas estórias.Agora vamos lhe contar um segredo que você deve guardar muito bem guardado: aqui todos são amigos! Acredita nisso? Ninguém é inimigo de ninguém e descobrimos que isso era coisa dos escritores que inventavam aquelas estórias cheias de confusão e brigas, mas aqui nesse mundo onde cada um de nós podemos pensar e sentir livres das correntes de seus pensamentos, não existem.

Aqui quem faz as histórias somos nós mesmos. Não há bandidos nem super-heróis, mocinhos e vilões. Somos todos amigos e vivemos em harmonia. Esperamos que não fique chateado com agente, só queremos viver a nossa vida. Somos gratos a você por ter nos criado e desculpe pelo sumiço dos originais, é que todos os personagens desse conto resolveram nos seguir de menos o porteiro do colégio e a professora que não quiseram abandonar seus postos. Talvez dê para você inventar uma história com eles. Ah! O anjinho também quis ficar para não magoar você. Estão em algum cantinho da sua mente. Adeus.”