UM HOMEM, SEU DESTINO

Bate um sino.

O homem e seu destino.

Ele caminha a esmo.

Amassa um cigarro.

Dá um pigarro.

Examina a mão escurecida da nicotina.

Olha o padre sem batina.

Resmunga algo.

E segue.

Tropeça num degrauzinho do calçamento.

Outro xingamento.

E continua seguindo.

Sorri um sorriso murcho pra um transeunte que o cumprimenta.

Uma criança se aproxima.

Olha-o.

Ela quer brincar, mas vendo-o tão emburrado nem tenta.

Ele segue.

Pára numa praça. Senta num banco.

E pensa.

Estou acabado.

Sou um calçado abandonado.

Chega uma jovem e ao seu lado se senta.

-- Como está o senhor?

-- Mal.

-- Por que mal?

-- Não vê? Sou um caco...

Ela aponta o céu azul, uma bela árvore, uma ave voando.

Aponta uma flor rosa desabrochando.

E aponta um mendigo que come um naco de pão quase deitado.

-- A vida é bela. O senhor está bem trajado, vê-se que é bem tratado. Reclamar é um pecado.

Sé então ele repara nos seus olhos tremendamente azuis.

Parecem duas estrelas num rosto translúcido.

Ele descansa a mão num braço que inexiste.

Sorri em vez de ficar triste.

SONIA DELSIN
Enviado por SONIA DELSIN em 21/05/2007
Reeditado em 24/03/2011
Código do texto: T495594
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