___Lembranças de quintais__

_________Lembranças de quintais_________

Não tenho mais os meus quintais... A vida os varreu e o vento os levou para longe de mim... O quintal pra mim, sempre foi a extensão da minha alma e razão da minha calma... Meus respiros e suspiros eram dados no quintal... Os quintais da minha infância eram meus pequenos grandes universos, um mundo onde vivíamos eu, minha imaginação e meus sonhos... Os pequenos insetos, a doçura do melão de São Caetano,sobremesa farta espalhada pelas cercas...O abacateiro, onde repousava o velho balanço de cordas já puídas e quantas quedas a gente levava...a fruta madura ou apanhada ainda verde... "Manga com sal faz mal!Dá nó nas tripa,menina!"-única inverdade dita pela boca santa de minha vó!!As fadas e duendes que nunca foram imaginários, meus confidentes... As laranjeiras, os pés de maravilha,as cercas debruadas de trepadeiras e um ar rescendendo a ternura e felicidade que só os quintais têm...Sinto saudade dos meninos de pés descalços,assim como eu, sem compromisso, sem hora de voltar para dentro, se essa hora não fosse a hora de jantar ou dormir...Lugar em que os adultos não se infiltravam e só de longe gritavam:"Vem jantar,menina! "Passa pra dentro,menina!”Olha prego, menina, vai furar o pé!”... E furava mesmo...Depois chorava,amarrava um laço de qualquer pano e esquecia... Desce já dessa galha de goiabeira, menina, vai cair!” E eu caia... Menos vezes que caí depois, na estrada da vida... Me levantava, joelhos ralados, que nem de longe lembravam as outras dores que passaria depois que cresci...Do arrulhar da rolinha nos ninhos,de passar me rasgando pelo vão da cerca para alcançar o quintal do vizinho, que sempre seria mais interessante e mais "desbravante" que o meu...Os ovinhos de lagartixa ,-Meu Deus!--Eu pegava!-Eram o produto mais caro da vendinha,depois do apito doce feito da doce tala de capim...Tempo de desarmar arapucas e alçapões e perder o olhar nas asas livres de curiós,canarinhos e bem-te-vis...De sabiá cantando seu canto de amor na laranjeira...Saudade do perfume inebriante das flores de manacá, bogari e dama da noite, nativos do chão fértil do quintal, cultivados pelo tempo e regados por Deus,quando chovia ...Das pitangueiras e carambolas,frutas roceiras...Do enorme pé de amora debruçado sobre a latada de madeira quase apodrecida pelo tempo...Da cana doce como mel,degustada de palito em palito,da tão temida nódoa de caju na roupa nova ,menos forte que as marcas que a vida deixaria em mim... Saudade do menino do outro quintal tecendo relógios de folha verde de coqueiro,presente pra mim...Quintal de pardais e seus ninhos nos beirais descaídos dos telhados, que davam quase sempre em outros quintais...Da borboleta pintadinha,do barulho indisível de pequenos seres,insetos que viviam por ali,sob folhas secas ou úmidas,mistério sonoro que muitas vezes fazíamos um silencio bom para escutar...Era uma multidão sem número de pequenos habitantes, Louva- Deus ajoelhados rezando sua prece sem fim,joaninhas escalando galhos para alcançar as flores,aranhas num paciente vai e vem tecendo suas teias,lagartas multicores derrubando gotas de orvalho com seu andar desajeitado...Assim se passavam as manhãs e tardes nos meus quintais...E à notinha, já cansados das aventuras, saíamos guiados pela luz dos vagalumes e pela doce voz da minha mãe cantarolando baixinho "Ontem ao luar"... De pés sujos e estômagos limpos,pois nem fome sentíamos tamanha era a alegria...Saudade do curto tempo em que fomos todos Zezé,Godoia,Dom Quixote, Crusoé...Assim se foram como chuva na vidraça os primeiros dez anos da minha vida...Depois minha história virou viagem,meus quintais uma paisagem e minha lembrança uma passagem que dobrei e guardei no peito para voltar ao menos em pensamento aos quintais da minha infância, e ser por momentos ainda que fortuitos, outra vez criança!

Agnes Flores